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4. A RECEPÇÃO DOS MASHUPS NO BRASIL: O QUE SE DIZ SOBRE ESSE

4.1 Algumas considerações sobre os blogs literários

Em seus estudos a respeito da escrita sobre si na internet, Fabiana Komesu (2004; 2005) aborda a possível proximidade dos blogs, compreendidos como um gênero, com os diários pessoais – embora enfatize que não se trata de uma continuidade de um gênero para outro e, portanto, não se deve associá-los diretamente. Entretanto, essa comparação se faz pelo papel atribuído aos blogs desde seu surgimento, utilizados como páginas pessoais, isto é, espaços de escrita pessoal. Nesse contexto, ciente da heterogeneidade de tipologias, ela compreende o funcionamento dos blogs numa relação entre “fronteiras entre a esfera pública e a esfera privada/íntima” (KOMESU, 2005), isto é, entre uma escrita íntima que ao mesmo tempo se faz pública.

Entretanto, se pensarmos nos já mencionados trabalhos que focalizam as tecnologias digitais e suas relações com a indústria cultural, tal como os trabalhos de Lévy (1998), a respeito da inteligência coletiva, e de Jenkins (2009), que aborda os conceitos de

cultura participativa e convergência cultural, é possível observar um novo funcionamento dos blogs; para além da relação entre pessoal/público, o momento atual da Web inscreve os blogs numa cultura de redes. Jenkins (2009) aponta o momento da convergência cultural como um período em que as grandes corporações perdem sua força em razão da participação ativa dos consumidores na produção do conteúdo que consomem, alterando a lógica linear e “de cima para baixo” segundo a qual funcionam as mídias tradicionais e diminuindo as hierarquias, em razão da interatividade e das possibilidades dos novos meios.

Atentas a essas mudanças, as empresas midiáticas – entre elas, as grandes editoras – aliaram-se e apropriaram-se dessa suposta horizontalidade encontrando um novo caminho para comunicar-se com os consumidores. Assim, as editoras, aliadas aos “blogs amadores”, investem em patrocínios ou envio de produtos em troca de textos que divulguem seus livros20. É, de fato, a subjetividade, o efeito de intimidade, a relação entre pessoal e

20 Com a expansão do YouTube e a diversificação dos canais pessoais (também chamados de “vlogs”), cresceu também o número de canais literários, voltados a resenhas, avaliações, divulgações de livros, além da proliferação de “Tags”, vídeos com temáticas determinadas feitos da mesma maneira por diversos autores, constituindo assim uma série de vídeos do mesmo tipo, tais como, o “tour” pelas prateleiras e estantes de livros, a pilha de livros recebidos na semana, a lista de livros lidos no mês, etc. Embora não tenhamos feito uma análise do funcionamento desses canais, percebe-se que, assim como os blogs literários, esses canais funcionam

público, de que fala Komesu (2005), que garante a credibilidade dos textos, os quais são interpretados não como propaganda, mas como resenhas ou avaliações espontâneas. Apesar disso, esse aspecto “pessoal” que confere credibilidade aos blogs começa a ficar menos perceptível quando os escritores-blogueiros assumem o lugar de “influenciadores” e “produtores de conteúdo”, uma vez que os blogs se tornam cada vez mais especializados e profissionalizados e, portanto, menos pessoais e íntimos. Esse aspecto é, também, o que leva autores mais céticos, como Andrew Keen (2009), a observar esse movimento da cultura colaborativa e de apagamento das hierarquias e fronteiras entre produtores e consumidores como o início da derrocada dos padrões culturais tradicionais, em razão do possível destaque dado a indivíduos “amadores”.

É neste cenário que surgem os blogs literários, mantidos em grande parte por jovens dedicados a produzir resenhas a respeito do que leem. Cientes do papel exercido pelos blogueiros como divulgadores e influenciadores insuspeitos, as editoras têm explorado esse campo estabelecendo negócios (os quais chamam de “parcerias”) com os blogueiros, por meio do envio de livros, brindes, ou mesmo de remuneração21. Assim como há uma

dificuldade em estabelecer tipologias de blogs, em razão de sua heterogeneidade temática e composicional, o mesmo se observa com relação às páginas dedicadas a livros e a literatura22.

Em primeiro lugar, em razão da ambiguidade da expressão, já que são chamados blogs literários tanto aqueles em que se produzem textos literários quanto aqueles em que se comenta literatura, além dos que se dedicam às duas atividades. Além disso, grande parte dos blogueiros que resenham livros e estabelecem parcerias com editoras dedica suas páginas a temáticas variadas. De modo geral, esses blogs se ocupam de temas relacionados a entretenimento e a cultura pop, tais como filmes, quadrinhos, games, HQs, música, séries de TV e livros.

também em parcerias com editoras e, por seu formato em vídeo, permite a exploração de outros aspectos na constituição do produtor de conteúdo como leitor autorizado, pela construção do cenário, por exemplo. 21 Algumas matérias jornalísticas abordaram esse tema. Cf. Portal de Conteúdo Saraiva, disponível em:

http://www.saraivaconteudo.com.br/Materias/Post/49555.; e Folha de S. Paulo, disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/05/1276823-blogueiros-resenhistas-chegam-a-ler-70-livros- em-um-so-ano.shtml>

22 Araújo e Araújo (2015) fizeram um pequeno levantamento das características dos blogs literários, do perfil dos blogueiros, das tipologias de blogs e seus aspectos. Cf. ARAÚJO, R. F.; ARAÚJO, R. L. Ler, compartilhar e interagir: blogs como ferramentas de mediação de leitura, Revista ACB, Florianópolis, v. 20, n. 2, p. 240- 260, maio/ago., 2015. Disponível em: <http://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/1042/pdf>.

Outro aspecto importante do funcionamento dos blogs diz respeito ao papel que estes exercem como “redes de sociabilidade”, como espaços de troca de informações entre comunidades de leitores, como aponta Curcino (2014a). Escapando às intermediações (de pais, de professores...) que afetam as escolhas de leituras dos jovens, os blogs literários possibilitam ou simulam o diálogo “entre iguais”, funcionam como espaço para compartilhar sugestões de leitura e fazer avaliações positivas ou negativas sobre o que leram ou pretendem ler entre grupos que se identificam por seus gostos, interesses, hábitos. Por isso, os blogs literários mostram sua importância, ainda que atravessados pelo discurso das editoras, por possibilitar

a sociabilidade e a troca espontânea e informal realizadas em comunidades (virtuais ou não) de jovens para jovens, na formação de redes de sociabilidade de leitura baseadas na lógica da identificação, do reconhecimento de pertencimento e partilha desierarquizado (CURCINO, 2014a, p. 241).

4.2 Dos blogs literários à mídia especializada: em busca do que se