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Breves considerações sobre a formação do mercado editorial brasileiro

2. O MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO E O LEITOR JOVEM

2.1 Breves considerações sobre a formação do mercado editorial brasileiro

Uma história do mercado editorial brasileiro remonta necessariamente à vinda da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808. O acesso ao livro, à educação e à produção intelectual no Brasil foi, por um longo período, controlado e limitado pela corte portuguesa, não apenas no período colonial, mas também, e ainda, após a vinda da corte. A expansão da produção de impressos e do público leitor, que já vinha acontecendo na Europa desde a modernização das técnicas de impressão e com o aumento da população alfabetizada, chegou com retardo às terras brasileiras.

Até 1808, a impressão de livros em território brasileiro era expressamente proibida pela corte portuguesa, “por temer uma possível propagação de ideias políticas progressistas e revolucionárias” (EL FAR, 2006), de modo que os livros que por aqui circulavam tinham de ser importados de Portugal. Desse modo, no século XVIII, segundo Alessandra El Far (2006), a circulação de impressos e o acesso à cultura escrita eram limitados a um restrito grupo de intelectuais e de membros de famílias mais abastadas, que tinham as condições e a disposição necessárias para enfrentar os altos custos e os obstáculos burocráticos que davam acesso a uma cultura letrada vinda da Europa. “Esse sistema de muitas hierarquias evidentemente afastou a grande maioria da população brasileira de um contato mais próximo e rotineiro com o texto impresso” (EL FAR, 2006, p. 12).

Em 13 de maio de 1808, D. João VI fundou a Impressão Régia, que tinha como objetivo inicial servir à impressão de documentos oficiais da corte, e posteriormente, foi autorizada a fazer a impressão de textos literários e de conhecimentos gerais. A vinda da imprensa alavancou a cultura impressa no Brasil, abrindo caminho para o início de um mercado de livros em território nacional. Ainda assim, a Impressão Régia era a única casa publicadora oficial, de modo que os livros, antes de ser publicados, tinham de passar pelo crivo da Mesa do Desembargo do Paço, que exercia a censura sobre os materiais a ser impressos. Esse monopólio permaneceu até a década de 1820, momento em que o mercado editorial começou vagarosamente a se formar com o trabalho de livreiros e tipógrafos europeus, que investiram no mercado brasileiro, aproveitando o “gosto refinado de homens e mulheres pertencentes às camadas mais nobres e abastadas da corte imperial para vender

autores e obras de mérito reconhecido na Europa” (EL FAR, 2006, p. 18). Segundo a autora, as figuras que mais se destacam na expansão da atividade editorial brasileira são Eduardo Laemmert, vindo ao Brasil por volta de 1830, e Baptiste Louis Garnier, que chegou em 1844; ambos se estabeleceram no Brasil para instalar filiais de reconhecidas editoras francesas, investindo na publicação de textos já renomados na Europa, com edições luxuosas, requintadas e bem encadernadas. Baptiste Louis Garnier se tornou um dos mais importantes editores do século XIX, segundo El Far (2006), e foi responsável pela publicação de obras de José de Alencar, Machado de Assis, entre outros autores nacionais hoje consagrados.

Eduardo Laemmert, junto a seu irmão Henrique Laemmert, fundou, em 1838, a E.&H. Laemmert, Mercadores de Livros e Música, que inicialmente comercializava livros e outros produtos. Logo a livraria passou a investir em edições próprias, inicialmente com almanaques de notícias e generalidades e, posteriormente, especializou-se em obras de referência como “dicionários, tratados científicos, obras didáticas e, somente no fim do século XIX, romances e novelas de aventura”. Segundo os trabalhos de Laurence Hallewell (2005) e Alessandra El Far (2006), essas duas figuras tiveram um papel fundamental para a especialização do mercado editorial, que começava a se expandir, ainda que suas publicações permanecessem bastante pautadas no cânone ocidental europeu e visassem um público adulto e pertencente às camadas mais elitizadas.

Somente após a segunda metade do século XIX alguns editores, como Quaresma e Pimentel, passaram a investir em estratégias para a ampliação da produção e de barateamento dos livros, com vistas a um público dito popular. Esses livros, mais baratos e com edições mais simplificadas que as brochuras primorosas de Laemmert e de Garnier, eram, segundo seus editores, voltadas não a um público específico, “mas sim ‘para todos os bolsos e gostos’” (EL FAR, 2006, p. 32), e levaram a uma significativa ampliação do mercado literário e diversificação dos gêneros publicados. A autora dá destaque às publicações de Pedro Quaresma, proprietário da Livraria do Povo, inaugurada em 1879, que se dedicou a livros de preços baixos, sobre temáticas variadas, e apelava para estratégias comerciais pouco usuais a fim de atrair um maior número de consumidores. O livreiro investia em livros utilitários, manuais práticos sobre uma diversificada gama de temas, tais como habilidades profissionais, receitas culinárias, receitas de “feitiços” e simpatias populares, além de romances de conteúdo apelativo, com “histórias arrebatadoras” que instigavam “sensações fortes” e, também, livros para crianças.

Para Hallewell (2005), ainda no fim do século XIX, Quaresma foi também revolucionário na publicação de livros para crianças, investindo em traduções dos contos clássicos dos irmãos Grimm, de Hans Christian Andersen e de Charles Perrault, com a publicação de Contos da Carochinha, em 1894, e Historias da Avozinha e Historias da

Baratinha, em 1896. O diferencial de seu trabalho residia na percepção do editor de que as edições voltadas para crianças feitas até então eram de difícil compreensão para os pequenos brasileiros, em razão de a maior parte dos livros ser trazida de Portugal ou, se produzida no Brasil, seguir o estilo do português europeu. Desse modo, o livreiro investiu em traduções brasileiras de tais textos clássicos infantis, atento à necessidade de uma linguagem mais familiar às crianças brasileiras.

Ainda que de modo bastante restrito, podemos perceber nesse trabalho de Quaresma, e de outros editores que buscaram atingir um público mais amplo, os primórdios dos livros best-sellers contemporâneos, cujos aspectos se assemelham pela distinção de públicos específicos para certos livros, pelas narrativas com apelo afetivo dos leitores e das leitoras, bem como pelas estratégias de venda utilizadas para atrair seu público. Nota-se, assim, que foi nesse contexto de popularização do mercado livreiro que as edições infantis e juvenis começaram a receber uma atenção mais própria. Assim como no mercado editorial moderno, “em busca de uma massa sempre crescente de leitores, os livreiros do século XIX estavam constantemente planejando estratégias que pudessem tornar o livro um produto de consumo popular, ao mesmo tempo atraente e divertido” (EL FAR, 2006, p. 35).

Esse momento inicial do mercado editorial sinaliza para dois fatores importantes relativos à história da leitura no Brasil e aos discursos sobre a leitura que circulam em nossa sociedade. Em primeiro lugar, o desenvolvimento de uma cultura impressa feito na esteira da cultura letrada europeia, por meio das traduções dos textos canônicos – o que se refletiu no modo como se produziu inicialmente, e de modo duradouro, a literatura para crianças. Em segundo, seu desenvolvimento tardio e vagaroso, em razão dos embargos promovidos pela corte portuguesa, além das baixas enfrentadas em alguns períodos nos anos seguintes, em função de questões políticas e econômicas. Esses fatores são também indícios que podem nos auxiliar a compreender a tão antiga quanto recorrente asserção de que o brasileiro não lê, discurso que se mantém nos dias de hoje, principalmente quando se faz referência aos jovens.

2.2 O mercado editorial e a literatura infantil e juvenil – entre