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Capítulo I Contextualização e Problemática

Capítulo 2 – Quadro Teórico

2.1. A Psicopedagogia Perceptiva – Uma disciplina emergente nas Ciências de

2.1.1. Algumas referências paradigmáticas

A Psicopedagogia Perceptiva, disciplina emergente criada por D. Bois, tem como projecto levar a pessoa a aprender com o seu corpo a partir da sua experiência corporal à qual tem acesso por meio de um paroxismo perceptivo. A ambição fundamental desta disciplina é de munir a pessoa de meios para que ela possa aprender a reflectir a partir da experiência íntima da vida interior do seu corpo, animado que é por uma essência movente, sobre a vida exterior, relacional, social, intelectual, deixando-se em simultâneo transformar pela sua vivencia corporal inédita: “A

Psicopedagogia Perceptiva é então uma disciplina fundamental que pode ser definida como uma “psicopedagogia do desenvolvimento humano, ou mais precisamente ainda uma psicopedagogia das potencialidades humanas” (Bois, 2009, p. 4). A originalidade desta disciplina é que ela

assenta as suas bases na percepção e nos conceitos e explorações práticas que reenviam a conhecimentos e métodos transversais a todas as actividades humanas.

A noção de experiência é, para esta abordagem, primordial na medida em que é o ponto de partida para o contacto com a interioridade e subjectividade corporal.

Pedagogia, porque objectiva a autonomia da pessoa, através do seu auto-conhecimento, desenvolvendo-lhe competências perceptivas que visam o restabelecimento com ela própria, tendo como mediador o Corpo Sensível. Ao falarmos no Corpo Sensível, ou mais precisamente da experiência do Sensível, referimo-nos a um corpo de experiência, a um corpo considerado como caixa de ressonância de toda a experiência, seja ela perceptiva, afectiva, cognitiva ou imaginária. “Uma caixa de ressonância capaz de a um só tempo de receber a experiência e de a

reenviar ao sujeito que a vive, tornando-a palpável e portanto acessível”. Um corpo que

desvenda “subtilezas, nuances, estados, significações, às quais não podemos chegar senão

através de uma relação perceptiva íntima com esta subjectividade corporal”. (Berger, 2005,

p.52). Assim, a Psicopedagogia Perceptiva evidencia o homem como uma unidade indissociável de um Corpo Sensível, susceptível de ser contactado através de um paroxismo perceptivo e que confere à pessoa um sentimento da sua própria singularidade encarnada. Constatamos, portanto, que a “porta de acesso” a esse corpo de que fala D. Bois é a compreensão do Sensível corporal que E. Berger clarifica da seguinte forma: “o primeiro elemento oriundo muito oficialmente da

neurofisiologia da percepção, é a existência efectiva, no homem de um sexto sentido: o sentido proprioceptivo. Próprio: em si, no próprio. Esta modalidade sensorial, muito bem objectivada, permite a uma pessoa sentir-se a si própria, a partir, da percepção da sua postura e do seu movimento. Trata-se de uma sensibilidade que podemos dizer ‘interna’, em primeiro lugar, porque os seus captores estão situados no coração da matéria do corpo, invisíveis do exterior, contrariamente aos olhos e às orelhas. Interna igualmente porque se consagra a informar pelo

‘interior de si’ a postura na qual nos encontramos, o movimento que estamos a fazer, aquele que nos preparamos para fazer...” (Berger, 2005, p.5). Considera-se que é no coração da matéria do

corpo, percorrida por um movimento, que se constrói e desenvolve um sentimento de existência renovado e que se desabrocha uma outra relação do sujeito consigo próprio: “A dimensão do

sensível nasce de um contacto directo e íntimo com o corpo e é a partir desta experiência que se constrói, progressivamente, no praticante uma nova natureza de relação a si, aos outros e ao mundo e se trás à luz uma nova forma de conhecimento. Uma relação que podemos chamar de criativa, e que coloca, como veremos, a presença a si no centro do acesso ao conhecimento”

(Bois, Austry, 2007, p.6).

Partindo das palavras de Bois e de Austry, podemos, então, sintetizar como eixos fundamentais da Psicopedagogia Perceptiva, três aspectos: em primeiro lugar, a aquisição de competências perceptivas; em segundo lugar, a capacidade de recepcionar da subjectividade corporal informações sensoriais e de lhes atribuir sentido, constituindo-as como fonte de conhecimento; e, finalmente, em terceiro lugar, o reconhecimento do Corpo Sensível como um lugar de relação e reencontro do indivíduo com ele próprio, com o outro e com o mundo.

Pelo Sensível é nos dado viver o corpo como um veículo de uma nova maneira de ser a si, oriunda de uma nova natureza de implicação a si-mesmo e aos outros. Neste contacto surge uma compreensão nova ou como dizem Bois e Berger “ uma transmutação duma tonalidade corporal

e um pensamento inteligível para o sujeito que o capta. Este pensamento que nós chamamos de ‘facto de conhecimento’, constitui para nós o sentido profundo da experiência pelo sujeito que a vive” (Berger, Bois, 2007, p. 29). A relação que o sujeito estabelece com o seu movimento

interno é, assim, completamente singular e fá-lo descobrir um sentimento de existência nunca anteriormente encontrado, constituindo uma relação de primeira ordem “ o movimento interno

entra, então, num contacto emocionante com uma profundidade inédita dela mesma” (Lefloch-

Humpich, 2008, p.44), um lugar do si de implicação profunda com o seu próprio Ser interno – O Sensível.

Esclareçamos, entretanto, o que entendemos por formação no contexto desta Disciplina:

• Uma vivência implicada, uma experiência mediada pelo Corpo Sensível susceptível de ser contactado através de um paroxismo perceptivo;

• Um acto de reflexão, significação sobre o saber emergente dessa experiência do Sensível; • Um acto de renovação/actualização do si a partir do sentido desvendado pelo Corpo

Sensível;

• Um acto de criação a partir da renovação do eu e da relação com o outro; • Uma busca de sentido da vida a partir da busca de si e da busca de nós; • Um movimento inerente à condição do ser vivente.

A noção de formação aqui proposta contém a possibilidade do circuito e de algo que ao circular se actualiza e actualiza o indivíduo, do movimento em mim e entre mim e o outro e a vida. Como salienta M.C. Josso “À escala da vida, o processo de formação dá-se a conhecer por

meio de desafios e apostas nascidos da dialéctica entre a condição individual e a condição colectiva” (Josso, 2002, p. 30). Uma formação, como um movimento que permite a

“deformação”ou a “reformação”, inerente à passagem, à circulação que é a própria vida. A autora adiciona ainda a ideia de que “Caminhar com os outros passa, pois, tanto por um saber-

caminhar consigo, em busca do seu saber-viver sabendo que cada encontro será a ocasião de se aperfeiçoar ou de inflectir, até mesmo de transformar o nosso estar-no-mundo, num paradigma de abertura ao desconhecido, na convivência consigo, com os outros e com os universos que nos são acessíveis” ( ibid, 2002, p. 126)

Para Psicopedagogia Perceptiva o processo de transformação resulta de relação que se estabelece com a interioridade corpórea, colocando, assim, o sujeito transformante no centro do processo “... o processo de aprendizagem depende da relação que eu desenvolvo no interior de

mim e com os objectos exteriores e a forma como eu os contacto. Esta noção de forma é importante porque ela explica porque não se refere esta relação em educação mas em formação...o trabalho do formador cessa de ser um trabalho de transmissão de conhecimentos e torna-se um acompanhamento da forma. A responsabilidade primeira deste processo de mudança de forma é posta nas mãos do sujeito aprendente. O que Gaston Pineau chama o sujeito auto-aprendente” (Huygue, 2006, p.46). Com efeito, para V. Huygue, formação é, antes

de mais, o processo da forma como o sujeito estabelece uma relação com a sua interioridade. Ao utilizarmos a palavra transformação pretendemos salientar que: consideramos que qualquer processo de formação implica inexoravelmente um processo de transformação ou de

deformação; acentuamos que a formação pessoal tem uma dimensão “trans”, que significa

etimológicamente “para além” ou seja, evidenciamos que uma formação é uma viagem que

transversaliza todas as dimensões da vida, que é transdisciplinar, quiçá transpessoal no sentido

em que a pessoa é tocada em todas as dimensões da existência, numa procura de descentramento relativamente a um ponto de vista estritamente egocêntrico.

Esta dissertação situa-se nas seguintes coordenadas de reflexão sobre a problemática da formação em geral:

O primeiro, foi a identificação da formação como lugar de transformação, criação, conseguido, justamente, a partir dessa reconstrução da unidade da pessoa com o seu Corpo Sensível . De um corpo que viabiliza e actualiza a experiência do Sensível, ao mesmo tempo que a reenvia ao sujeito que a vive e que lhe atribui significação; um corpo com a faculdade de um movimento e que ao mover-se se testemunha e ao testemunhar-se torna-se sujeito implicado dele

próprio. Como salienta Berger “quando eu mexo, alguma coisa em mim me diz que sou eu que

mexo e não outra pessoa - é uma experiência fundadora que nos revela a nós mesmos distintos dos outros…. a corporeidade da experiência que passa necessariamente por uma renovação da relação ao corpo” (Berger, 2005, p. 6)

O segundo, é a evidência que a formação pressupõe o movimento da experiência vital, a constatação de que a pessoa é um ser em movimento, porque a impermanência, a inconclusão e incompletude são a essência da experiência de vida. Porque, onde há vida há inacabamento e assim sendo, formação! Uma formação que não se confina a circunstancialismos temporais ou institucionais. Formação permanente, como uma inerência da própria vida, como uma exigência de toda e qualquer existencialidade, “uma arte de viver em associação com um sentimento de

autenticidade e integridade que me permitem sentir a vida como algo que tem valor, por outras palavras, uma vida que vale a pena ser vivida” (Josso, 2002, p.78).

A noção de formação, surge, pois, como processo de renovação/actualização do eu, como um lugar de criação, de resolução, de emergência de saber a partir da pessoa que vive e porque a vida é, de facto, um espaço de formação. Uma busca de sentido a partir da busca de si e da busca do nós. O movimento da (trans)formação como uma investigação existencial e intelectual. Um lugar de criação da vida e com consequências no desempenho socioprofissional. Uma concepção de formação que não se restringe às instâncias institucionais ou a um determinado período da vida, mas que pelo contrário, tem justamente a dimensão da própria vida. “O conceito de

educação ao longo da vida abrange, potencialmente, uma profunda renovação da concepção de formação e de aprendizagem, e provoca notáveis repercussões nas representações da existência.” (Delory-Momberger, 2008, p.106), colocando, desde logo, a questão da

temporalidade em que o processo formativo ocorre e, invertendo o conceito que este se desenrola apenas nas primeiras etapas da existência, acentua-se o seu carácter contínuo. Uma educação ao

longo da vida, um projecto de si em permanente actualização que “ajudaria os alunos a viverem

a sua relação com a escola numa relação de projecto deles mesmos ‘fora da escola” (Delory-

Momberger, 2008, p.107), posicionando-os como formandos/formadores, criados/criadores das suas próprias vidas.

2.1.2. O lugar do corpo na Psicopedagogia Perceptiva como mediador da