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CAPÍTULO 1 – POLÍTICA DE FORMAÇÃO PARA O SUS NO GOVERNO LULA

1.4 Algumas Reflexões

O MS tem publicado inúmeros documentos, cartilhas, informativos sobre suas secretarias, políticas e ações. Esses documentos devem ser lidos com crítica, já que eles, em muitas oportunidades, são produzidos a fim de divulgar as ações ministeriais. Outra observação está relacionada aos textos encontrados sobre a temática “política de formação para o SUS” no governo Lula. A maior parte dos textos encontrados, não publicados pelo MS, são de renomados autores que estão ou estiveram vinculados a este Ministério e, mais especificamente, ao DEGES da SGTES.

Diversas iniciativas de investimentos na formação em saúde no Brasil têm sido feitas nos últimos tempos. Durante anos, a assistência em saúde esteve centrada nos hospitais e no modelo biomédico, mostrando-se ineficaz. Ainda hoje observa-se uma distribuição desigual de serviços públicos de saúde em inúmeros municípios brasileiros.

Marins (2004) aponta caminhos para que os serviços de saúde do SUS sejam cenários de aprendizagem e que desenvolvam processos de cuidado em saúde, apostando na integralidade da atenção, na intersetorialidade, na integração ensino-serviço-comunidade. Para o autor em questão, é importante que o estudante da área da saúde atue junto aos problemas mais complexos da população, atuando intersetorialmente. Os alunos devem ser estimulados a participar de reuniões dos conselhos de saúde, de moradores de bairro, de equipes de saúde a fim de debater os problemas de saúde da comunidade. Essa atuação, enquanto graduandos, terá enorme influência sobre a postura dos futuros profissionais da saúde. “Atuando diretamente nos serviços de saúde, os alunos têm a oportunidade de perceber

como são dinâmicas as relações de poder e como elas se estabelecem, seja na sociedade civil, seja no interior dos serviços de saúde” (Marins, 2004, p. 103). Para o autor, uma formação profissional em saúde, nesses moldes, é uma estratégia “mais política do que pedagógica a

priori”, que fortalece o campo das políticas públicas.

A proposta da SGTES é muito interessante, instigante e utópica. É função desta Secretaria estabelecer políticas e direções para a educação em saúde, mas os serviços de saúde, em muitos municípios brasileiros, são precários e o “trabalho em equipe”, tão ideal e estimulado, é difícil de ser efetivado.

As demandas nos serviços são infinitas e as equipes são pequenas e restritas. Articular propostas do SUS, incluindo aí os gestores, equipe e demanda de usuários, com as propostas das escolas, com seus docentes e discentes é um trabalho hercúleo. Trabalhar a questão da formação a partir da interdisciplinaridade, da integralidade e das necessidades da população é realmente um ideal a ser perseguido, mas alcançá-lo com limitados recursos é dificílimo. Em relação aos trabalhadores do SUS, não são todos que se interessam por atividades ligadas à formação e à orientação de graduandos da área da saúde. Grande parte dos que se interessam ainda não tem formação adequada. Os incentivos a esta formação também são restritos.

Um dos maiores problemas na formação dos profissionais da área da saúde, segundo Campos, Aguiar e Belisário (2008), é a defasagem entre ensino e a realidade dos serviços de saúde. Os problemas de saúde de menor prevalência ou problemas mais raros costumam ser hipervalorizados nas escolas. Já os problemas de maior prevalência ou os mais comuns, são deixados para segundo plano. Outro ponto importante é em relação às necessidades de saúde de determinada região ou mesmo de determinada unidade de saúde. Cada região tem suas especificidades, elas não são homogêneas. Há ainda a heterogeneidade das escolas e dos serviços de saúde. “Algumas instituições estarão em maior consonância com as necessidades gerais de saúde, e outras estarão mais abertas às necessidades de pequenos grupos específicos” (Campos, Aguiar & Belisário, 2008, p. 1019). Ou seja, as escolas e os serviços de saúde têm visões distintas da realidade e essa é uma das razões para a efetivação da tão falada integração ensino-serviço.

Corroborando com esta ideia, Ceccim e Feuerwerker (2004) nos lembram que muitas vezes as instituições e os atores envolvidos no processo de formação em saúde não estão sintonizados. Cada um deles tem interesses diversos e há muita dificuldade em harmonizá-los.

Inúmeros fatores podem estar presentes nessa situação, como por exemplo, compreensão diferente de fenômenos similares, relações de poder, falta de interesse em contribuir nas ações conjuntas.

A expressão “integração ensino-serviço” tem sido muito usada no campo da formação em saúde para se referir às relações entre prática e teoria. Kind e Coimbra (2011) problematizam o uso desta expressão. As autoras consultaram o dicionário e apresentaram os conceitos de “integrar” e “interagir”. A primeira palavra, de acordo com as autoras, “é mais bem entendida como palavra de ordem, fadada a perpetuar polêmicas, ainda que tenha poder de arregimentar adeptos”. Já interagir, “remete a horizontes alcançáveis, não necessariamente harmoniosos”. Este último verbo, escolhido pelas autoras, dá a ideia de diálogo e comunicação. O primeiro traz a noção de união, que forma “um todo coerente e harmonioso” (Kind & Coimbra, 2011, p. 74), mas improvável.

Esta reflexão se faz importante na medida em que costuma-se usar determinadas expressões sem pensar e sem questionar. Refletir criticamente sobre termos da interface saúde/educação é não deixar a teoria virar blá-blá-blá e a prática, ativismo (Freire, 2011). Quando esses setores – educação e saúde – se dispõem a dialogar, os saberes de cada um podem ser compartilhados e ambos tirarem proveito desta interação, para usar o termo das autoras citadas, entendendo que ninguém é dono do Saber.

Em relação ao corpo docente das escolas que têm cursos na área da saúde, em muitas situações os professores não têm conhecimento sobre os serviços públicos de saúde e as atividades profissionais desses professores costumam estar vinculadas ao consultório particular. O que preocupa é, em muitas oportunidades, o ensino tornar-se a reprodução dos vínculos profissionais dos docentes e não dos trabalhadores dos serviços públicos de saúde. (Campos, Aguiar & Belisário, 2008)

Um curso de saúde deve estabelecer um diálogo com a comunidade da qual faz parte. Ele deve procurar entender as suas necessidades de saúde e direcionar esforços para criar respostas a elas. Em suma, as escolas de saúde deverão se ‘arejar’, inserindo docentes, estudantes e práticas nos serviços públicos e na comunidade. (Campos, Aguiar & Belisário, 2008, p. 1020)

Diante da defasagem entre ensino e a realidade dos serviços de saúde, citada anteriormente, em 1979, a OMS e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) criaram, com algumas escolas médicas, a Rede de Instituições Educacionais em Saúde Orientadas para a Comunidade. Esta rede adota a metodologia de aprendizagem baseada em problemas. Tal

metodologia se dá a partir dos estudos de caso, buscando as soluções para os problemas surgidos. O estudo pode ser de forma individual ou em grupo, por meio de orientações de tutores. A OMS apresenta alguns princípios para que as escolas e os serviços de saúde analisem a sua situação. Ei-los: qualidade, equidade, relevância e custo-efetividade. Para a OMS, os serviços de saúde e as escolas devem buscar uma justa proporção entre estes princípios. Segundo Campos, Aguiar e Belisário (2008), este cenário é mais restrito à educação da graduação em medicina.

Em relação às atuais Políticas Públicas para reduzir a defasagem entre ensino e realidade, Campos, Aguiar e Belisário (2008) mencionam a criação da SGTES, informando que ela manteve os repasses financeiros do Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares nas Escolas de Medicina (Promed) e criou o AprenderSUS, que busca mudanças na graduação de todos os cursos da área da saúde, incluindo o Programa Vivências e Estágios na Realidade do SUS (VER-SUS). Foi criado também o Fórum Nacional de Educação das Profissões na Área da Saúde (Fnepas), visando integrar escolas e diferentes profissões na busca por mudanças.

Segundo os autores, Campos, Aguiar e Belisário (2008), o Promed, em 2005, foi ampliado com o lançamento do Pró-Saúde. Com este programa, o MS buscou direcionar suas ações junto às profissões de saúde inseridas no Programa Saúde da Família, medicina, enfermagem e odontologia. Foi apenas no Pró-Saúde II, em 2007, que o programa foi ampliado para os outros cursos da área da saúde. O Pró-Saúde, diferentemente do PET-Saúde, não teve bolsas para os participantes, mas teve recursos para aquisição de materiais permanentes e/ou de consumo dirigidos para investimento nos serviços públicos de saúde, eleitos como cenários de práticas (Brasil, 2007).

Ribeiro (2004) entende que a dependência recíproca da melhoria da formação profissional inicial7 e da educação permanente remete à consideração sobre a “distância entre a academia e o trabalho, entre pesquisa e prática, entre formação de competências profissionais e sua relação com a prática acadêmica e científica, entre as necessidades da sociedade e as respostas dadas pela universidade” (p. 296). Ainda com Ribeiro, faz-se necessário estabelecer relações entre a produção de conhecimento, seu uso no contexto do trabalho e a efetivação da educação permanente: tríade a ser explorada no contexto universitário e no profissional. “Cuidar, trabalhar também é conhecer; cuidar, trabalhar é                                                                                                                

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A autora, médica de formação, aborda, principalmente a formação de médicos, mas seu texto abrange também a formação dos profissionais da saúde de forma geral.

também construir-se como sujeito, criar, transformar”. A articulação entre esses elementos pode ser a chave para a compreensão da educação permanente no que diz respeito às “relações universidade-serviços, teoria-prática, ensino-trabalho, gestão do conhecimento- gestão do trabalho” (p. 301).

Alguns autores (Ceccim e Feuerwerker, 2004, Franco, 2007) falam que o trabalho na área da saúde fomenta processos de subjetivação, que não estão limitados a práticas e saberes tecnológicos. Pelo contrário, os processos de subjetivação devem gerar mudanças e processos educativos, já que o trabalho em saúde acontece somente a partir dos profissionais da saúde. Os processos de subjetivação não acontecem apenas entre profissionais e usuários, acontecem também entre profissionais e estudantes, entre estes e usuários, entre profissionais e gestores, entre estes e os estudantes e os usuários. Enfim, onde há pessoas encontramos processos de subjetivação que deveriam, como dito anteriormente, gerar mudanças e benefícios para a formação de graduandos, profissionais e usuários do SUS. Diga-se mais uma vez que esta pesquisa visa a isto: entender o PET/SM a partir do ponto de vista dos alunos, considerando, obviamente, seus processos de subjetivação.