• Nenhum resultado encontrado

2. O ORDENAMENTO BRASILEIRO E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE

2.5 ALGUMAS SOLUÇÕES PROPOSTAS

A problemática jurídica envolvendo a introdução do parágrafo 3o no artigo 5o da Constituição tomou considerável corpo e permeia críticas de vários juristas. A Suprema Corte tergiversa entre concepções progressistas e conservadoras comumente em atendimento a prerrogativas legais de cunho e não na materialidade da proteção de direitos tal como roga o Texto Constitucional. A doutrina, o Direito Comparado e o texto mesmo da Constituição já fornecem substratos jurídico-hermenêuticos suficientes para sanar a infrutífera diferenciação de stati entre as normas internacionais de direitos humanos. Talvez, a que questão se resuma não a um problema de direito, “mas sim de vontade, e, para resolvê-lo, requer-se sobretudo uma nova mentalidade”, conforme prega Cançado Trindade.98

Uma mentalidade focada na substância e no maior alcance possível para normas garantidoras de direitos deve ser pensada, sobretudo, junto a membros do Poder Judiciário.

        97

CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da constituição, p. 811–812.

98 CANÇADO TRINDADE, Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos

O parágrafo 2o do artigo 5o apresentou um texto prescritivo extremamente amplo e aberto. Ele garante que os direitos previstos na CF/1988 “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais.” Com esta redação, as Cortes Superiores poderiam adotar interpretações extremamente benéficas à proteção de direitos humanos no país. Trata-se de uma disposição ampla, de interpretação clara e finalidade absolutamente condizentes com os objetivos do Estado Democrático de Direito; a ela não caberiam emendas, alterações ou incertezas. Buscar referências em ordenamentos estrangeiros se mostra como ferramenta útil mas, de fato, desnecessária. O parágrafo 2o abrange princípios, regimes e disposições normativas de tratados internacionais e completa a unidade do sistema jurídico em prol dos direitos fundamentais. Este dispositivo é uma cláusula de abertura que admite a inserção de direitos fundamentais não tipificados pela Constituição.99

Mudar a mentalidade e o olhar hermenêutico torna-se imperativo para garantir o ideal monista de que os ordenamentos interno e internacional constituem um todo harmônico, apontam na mesma direção e formam um ordenamento jurídico integral de proteção.100

A opinião de Cançado Trindade parece bastante acertada: “O problema – permito-me insistir – não reside na referida disposição constitucional, a meu ver, claríssima em seu texto e propósito, mas sim na falta de vontade de setores do Poder Judiciário de lhe dar aplicação direta.”101

Outro elemento argumentativo que deve ser posto em evidência é o princípio da norma mais benéfica ao ser humano. Este princípio garante que prevaleça no caso concreto a norma que mais garanta direitos, seja ela interna ou internacional. Neste sentido, se colocam Emerique e Guerra 102

, Celso de Albuquerque Duvivier Mello103

e Valerio de Oliveira Mazzuoli.104

Ademais, o princípio da proibição do retrocesso também deve ser primado.·.

       

99 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Série Pensando o Direito - Direitos Humanos (integral), Brasília:

Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos, [s.d.], p. 44.

100

BATISTA; RODRIGUES; PIRES, A Emenda Constitucional n. 45/2004 e a constitucionalização dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil, p. 4007.

101 CANÇADO TRINDADE, Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos

humanos nos planos internacional e nacional, p. 31.

102 EMERIQUE; GUERRA, A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem

jurídica brasileira, p. 23;25.

103 MELLO, Curso de Direito Internacional Público.

Por fim, há igualmente propostas de novas emendas à Constituição para que se garanta a perfeita aplicação do artigo 5o, parágrafo 2o. Mazzuoli advoga que deva se assegurar uma interpretação autêntica deste dispositivo pela inclusão de um parágrafo no artigo 5o que talvez viesse a ser o “Art. 5o, § 2o-A”:105

Os tratados internacionais referidos pelo parágrafo anterior, uma vez ratificados, incorporam-se automaticamente na ordem interna brasileira com hierarquia constitucional, prevalecendo, no que forem suas disposições mais benéficas ao ser humano, às normas estabelecidas por esta Constituição. A Presidência da República, por outro lado, através da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça propôs, em um recente relatório publicado em 2012, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que busca sanar as possíveis incoerências discutidas supra. A redação proposta transcreve ipsi literis todas as convenções de direitos humanos ratificadas pelo Brasil em período anterior à inserção o parágrafo 3o, assegurando-lhes hierarquia normativa constitucional. Além disso, o texto aborda a problemática da reforma in pejus, impondo que tanto os tratados antigos precedentes como os prospectivos “não derrogam norma de direito fundamental desta Constituição quando sejam mais restritivos.” In verbis:106

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do artigo 60, § 3o da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:

Art. 1o O artigo 5o, § 3o da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 5o [...] § 3o. A Declaração Universal de Direitos Humanos; a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, a Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Convenção sobre os Direitos da Criança, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José) e o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) têm hierarquia constitucional e não derrogam norma de direito fundamental desta Constituição quando sejam mais restritivos. Os demais tratados internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas

       

105 O novo § 3o do art. 5o da Constituição e sua eficácia, p. 111–112.

constitucionais.”

Art. 2o Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. Indubitavelmente, as inovações propostas poderão desenvolver um papel útil no saneamento dos problemas apontados e devem ser seriamente consideradas pelo Constituinte derivado. Todavia, o sistema atual convive com as contradições expostas, impende entendê-las para poder bem assimilar os efeitos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a primeira a ser aprovada com o quórum qualificado previsto no artigo 5o, parágrafo 3o da Constituição Federal.