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O perceptível processo de desindustrialização e financeirização que acomete a América do Sul e o Brasil traz à tona revisões necessárias das variáveis econômicas do subimperialismo. O conceito criado na década de 1960 considerava a posição alcançada pelo Brasil como exportador de manufaturados e produtor inclusive de bens de alta tecnologia. Assim, a década de 1990 e a reorganização neoliberal na região coloca em questão as bases daquilo entendido como subimperialismo. Neste sentido o gráfico abaixo nos auxilia na percepção de queda da indústria brasileira nas últimas décadas, traçando a participação da indústria de transformação no PIB nacional desde a década de 1940.

Gráfico 1 – Participação da Indústria de Transformação no PIB brasileiro (1947 - 2016) (%)

Segundo Luce, a maneira determinada por Marini para apreender a composição orgânica média do capital nacional seria a participação da indústria no PIB (LUCE, 2011, p. 27 - 28). Contudo, esse processo não deve ser pensado isoladamente, uma vez que se repetiu no continente. Ainda que a indústria perca espaço relativo ao PIB na- cional mantém-se no Brasil um grande parque industrial em dimensão e produtividade, que permite a constituição e manutenção de uma divisão regional do trabalho indisso- ciável da divisão internacional do trabalho e da posição brasileira nesta, consolidada também no papel das filiais de multinacionais na economia do país .

Todavia devemos apontar que a composição orgânica não trata apenas do coeficiente de industrialização do país. Esta variável deve ser pensada então a partir dos diferenciais de produtividade presentes em todos os setores da economia, uma vez que o ganho de espaço do agronegócio na economia brasileira não implica ne-

cessariamente a perda de produtividade do país em relação aos vizinhos. Ademais o próprio processo produtivo do agronegócio é hoje extremamente mecanizado seguindo a mesma dinâmica de acumulação capitalista da indústria, contando inclusive com fortes laços com empresas transnacionais e com o próprio capital financeiro. Assim se os diferenciais de produtividade drenam valores em direção aos capitais mais produti- vos também no caso do capital presente no campo aquele que for mais produtivo se apropriará de mais valor que produziu ao se realizar pelo valor social. De forma que se poderia apontar o capitalismo agrícola brasileiro como centro de acumulação de capital advindo de outros países menos produtivos, por exemplo no setor da soja no Paraguai e Bolívia (de onde também se retiram valores através da renda da terra extraída por empresas e proprietários brasileiros nestes países).

A grande força do agronegócio na pauta exportadora brasileira desde os anos 1990 representa a ascensão de um novo padrão de reprodução do capital, em que o processo de exportação industrial diversificado não mais representa os interesses centrais do capital ou do bloco no poder.

Por outro lado, as partes do esquema tripartite defendido por Luce apresentam comportamentos variados no período pesquisado. Inicialmente o governo parece ter visto seu papel diminuir enquanto mecanismo de realização da produção, como se pode perceber na queda brusca dos investimentos públicos, apresentados no gráfico a seguir.

Gráfico 2 – Investimento público no Brasil em % do PIB

Fonte: Observatório de Política Fiscal FGV/IBRE

Ainda que se percebam tentativas de retomada a tendência geral do período é a queda brusca dos investimentos públicos, que refletem também o processo neoli- beral da década de 1990 e outras passagens, como as crises dos anos 1980 e a de 2015. Buscando compreender o cenário amplo do período a tendência é de facto a queda significativa do papel do Estado como indutor da industrialização ou mercado de realização da produção.

Enquanto o investimento público caiu durante as décadas analisadas (como proporção do PIB), o consumo familiar aumentou de maneira gradual como demonstra o gráfico.

Gráfico 3 – Consumo final das famílias (índice encadeado - dessaz. - média 1995 = 100)

Elaboração do IPEADATA a partir de dados do Sistema de Contas Nacionais Trimestrais (IBGE/SCN Trimestral)

Também deve ser apontado que este crescimento se deu principalmente entre 2005 e 2015, com a ascensão de políticas redistributivas, de crédito e de isenção fiscal (como a isenção de IPI). Assim ainda que o governo tenha se inserido menos como fator de realização do capital atuou no incentivo do consumo (inclusive o suntuário). Ademais parte deste consumo surge também de uma política de crédito para o consumo que ganhou força durante os anos de governo do PT que incentivaram o consumo de parte da classe trabalhadora que se denominou de “nova classe média” ou classe C. O aumento não pode ser atribuído apenas aos bens suntuários, porém, este setor percebe também grande crescimento a partir de 2005. Mostra-se então como tendência no período o aumento significativo do consumo interno. O crescimento da produção automotriz, por exemplo está demonstrada no gráfico seguinte bem como a exportação do setor.

Gráfico 4 – Produção e Exportação de Autoveículos em Unidades

Elaboração própria com dados da ANFAVEA

Outra variável do esquema tripartite são as exportações de manufaturados, marca essencial de uma divisão regional do trabalho. A permanência dessas exporta- ções reafirmam a importância do esquema tripartite de realização. Como se demonstra no gráfico abaixo, ainda que as exportações, em geral, tenham aumentado, cresceu a participação daquelas de produtos não industrializados ou de baixos níveis tecnológi- cos. Não buscamos aqui reafirmar uma perspectiva subconsumista, mas sim apontar a importância destas exportações. Esse processo advém da instalação no país (princi- palmente pelo capital estrangeiro) de um setor produtor de manufaturados, objetivando desde o princípio o abastecimento do mercado regional. Assim as exportações não se dão necessariamente por um mercado interno limitado (como demonstrado no aumento do consumo interno concomitante ao aumento das exportações), mas pela divisão regional do trabalho. Essa divisão, instaura-se com a chegada ao país de um setor industrial com uma de produtividade muito superior à possível nos países da vizinhança, advindo da escala de concentração e centralização do capital permitida pela atuação do grande capital estrangeiro.

Gráfico 5 – Exportações brasileiras por níveis tecnológicos (em bilhões de dólares)

Elaboração própria com dados do MDIC

Moreira (2007, p. 6), amparada em dados da CEPAL, mostra que nos anos de 1995, 2000 e 2005 as exportações de manufaturados representaram no total de exportações brasileiras respectivamente 53,1%, 58,0% e 52,7% enquanto no ano de

2015 sua participação não alcançava os 40%19 do total, ainda que representasse a

maior participação dentre os países da América do Sul.

Demonstra-se uma queda da participação das exportações mais tecnológicas e uma diminuição do Estado como investidor. O crescimento industrial vem relacionado ao consumo interno e às exportações de manufaturas (principalmente de baixa tecnologia), de forma que o esquema tripartite se mostra pelo menos diferenciado daquele exposto nas décadas de 1960 - 1980. Agora o Estado parece atuar mais no sentido de incentivar o consumo do que realizar ele próprio a produção, enquanto as exportações não são mais um grande destino dos manufaturados tecnológicos, retrato de uma reversão do modelo industrial aplicado durante a ditadura militar.