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III. O&ESTADO&SOCIAL&

IV.1 Alguns&resultados&contraditórios&

Os estudos que tentaram perceber se a política e particularmente se as ideologias contam estão longe de apresentar uma conclusão única. Nas consequências sobre a política fiscal, por exemplo, Cusack (1997 e 1999) faz uma extensa lista de trabalhos e fala mesmo em resultados “muito divergentes”. Semelhante ideia é relatada por Blais et al (1993) ao nível do estudo do tamanho do Estado ou do Estado social.

São diversas as variáveis dependentes usadas nestas análises: alguns centram o estudo numa política concreta; outros avaliam a evolução de forma mais genérica do Estado social olhando para as despesas públicas70. A análise numérica é, contudo, considerada um indicador redutor ou fraco que pode ser complementado por análises mais vastas (e complexas) que olhem, por exemplo, para a legislação, actos administrativos e indicadores que reflictam a capacidade redistributiva dos Estados (ver, por exemplo, as críticas de Castles e Mitchel, 1993: 93; Evelyne et al, 1993; Budge et al, 2001: 9).

Qualquer revisão da literatura sobre um tema que tem ocupado tantos investigadores será sempre uma tarefa incompleta. Os dados que apresentamos a seguir são apenas uma parte daquilo que existe e que representa, essencialmente, estudos diacrónicos que abarcam vários países ou trabalhos que olham para as conclusões de dezenas de outros estudos sobre o tema e tentam, dessa forma agregada, chegar a uma conclusão mais global.

Do lado de quem diz que a política não conta ou conta cada vez menos, Russell e Wattenberg (2000: 272) referem que a literatura apresentou sempre relações modestas nos efeitos dos partidos sobre as políticas públicas quando são analisados dados agregados dos orçamentos de Estado ou estatísticas económicas.

Caul e Gray (2000) referem que se encontraram evidências inconsistentes de que os partidos contam da maneira que a ideologia e teoria prevêem. Um exemplo: no conjunto dos 18 países analisados pelos autores a despesa pública não é afectada de forma forte pelos partidos de governo. Desagregando os dados e analisando cada país individualmente há casos em que os chamados policy outputs vão de encontro à ideologia do partido dominante. Estes casos são, no entanto, uma minoria: em 45 anos, das 108 correlações parciais para 18 países e 6 variáveis dependentes, só 18% têm uma relação estatisticamente significativa na direcção da hipótese ideológica. As evidências do impacto dos partidos são assim poucas, levando estes dois autores a dizer que se pode concluir que “a política não tem contado (muito)” – apenas em alguns países se encontraram as relações esperadas, apesar de muito fracas e inconsistentes. A relação entre partidos no poder e políticas prosseguidas não é clara e parece ser ainda mais obscura na actualidade, numa tendência que segundo os autores se pode ter acentuado nos últimos anos, não existindo indicadores de aumento ou diminuição dessas influências ao longo do tempo. Na

maioria dos modelos elaborados por Caul e Gray, o preditor mais forte é a média dos outros países, facto que sugere que as mudanças nas políticas estão mais dependentes das condições internacionais do que da última eleição nacional.

Burstein e Linton (2002) chegam a uma conclusão semelhante: apenas perto de metade das 230 análises feitas em 53 artigos contabilizados pelos autores revelam um impacto significativo (grande parte das vezes mínimo) das organizações políticas (não apenas dos partidos, mas também de grupos de interesses e movimentos sociais), numa relação que deverá ser ainda menor se à análise das variáveis independentes se acrescentasse a variável opinião pública. As conclusões do trabalho falam num gap entre a teoria (que tende a dizer que a política conta) e a prática dos resultados da investigação em Ciências Sociais.

Centrando-se na análise do Estado social, Stephens et al (1999: 189-192) afirmam que depois da época de ouro os partidos passaram a contar menos na definição das políticas. Uma atenuação de diferenças visível, sobretudo, segundo os autores, entre os democratas-cristãos que abandonaram as políticas keynesianas que em parte ainda resistem nos social-democratas, com estudos de caso a revelar que, apesar das excepções, as diferenças entre partidos estão muito mais na retórica e posições públicas do que nos outcomes reais da política, sendo difícil perceber nalguns casos o que fariam certos partidos da oposição se estivessem no governo. Os factores ideológicos contam, sim, mas numa minoria de países.

Análise semelhante é feita por Glyn (2003) numa obra que procurou avaliar as políticas desenvolvidas nas décadas de 80 e 90 pelos partidos socialistas ou social-democratas: essa evolução parece estar mais dependente da tendência internacional que se detecta noutros países da OCDE, sendo poucas e cada vez mais difíceis de detectar as diferenças entre governos de partidos diferentes, resultado de fortes limitações que segundo o autor levaram os defensores destas ideologias a aceitarem controlos apertados da inflação, limites à carga fiscal ou uma progressiva desregulação do mercado de trabalho.

Cusack (1999) analisa a política orçamental em 14 países da OCDE durante três décadas (1961 a 1991) e conclui que os números não revelam que os partidos de esquerda geram mais défice – mais do que desse factor, essa evolução depende sobretudo das condições macro- económicas. A uma conclusão interessante chegam Kim e Fording (2001: 174) que da análise dos programas de governo em 8 países concluem que os executivos têm consistentemente programas mais à direita do que os programas eleitorais dos partidos que os compõem, colocando como hipótese o facto de esse resultado estar ligado aos constrangimentos sobre o que podem realmente fazer tendo em conta os compromissos dos anteriores governos e burocracias.

Do lado daqueles que concluem que a política conta comecemos pelos trabalhos mais antigos de Hibbs (1977) e Tufte (1978: 137-143). O primeiro analisa o desemprego e a inflação

em 12 países da Europa Ocidental e América do Norte e conclui que os governos tentam seguir políticas macro-económicas de acordo com a sua ideologia. O segundo acrescenta que, apesar dos limites, a política controla a economia e os políticos tentam cumprir as suas promessas, defendendo que devemos falar num sistema político-económico e não apenas num sistema político.

Mais recentemente, Garret (1998) desmente a ideia comum de que a globalização dos mercados está a limitar a autonomia nacional e as alternativas de esquerda ao mercado livre. Pelo contrário, afirma que a globalização fortaleceu o poder político da esquerda e as políticas económicas que reduzem as desigualdades geradas pelo mercado, negando o domínio deste último sobre o Estado – a política eleitoral ainda conta.

Numa análise de 1955 a 1989, em 16 países da OCDE, Cusack (1997) conclui que a política partidária ainda tem efeitos na evolução da despesa pública, nomeadamente pela presença de forças políticas de esquerda ou de direita e apesar dos constrangimentos da economia internacional. Ideia semelhante seguem Prior e Sykes (2001: 195-210) que dizem que não se pode ignorar a globalização, mas não se pode acreditar em dogmas que dizem que existe uma significativa convergência económica, política e da organização social que destruiu a autonomia dos governos nacionais nomeadamente ao nível do Estado social. Pelo contrário, os autores defendem que os efeitos da globalização não são iguais em todos os países europeus, com as mudanças que lhe estão associadas a serem mediadas por governos e instituições nacionais. Ainda existe espaço de manobra para um diferente mix de políticas ao dispor dos governos, acrescentam Ferrera et al (2000: 2-4), e os Estados nacionais não são cada vez mais impotentes na resposta aos problemas que enfrentam, apesar dos constrangimentos externos que não implicarão uma convergência neo-liberal ou perda de controlo por parte do Estado.

Também Castles (1993) conclui que apesar dos níveis de despesa do Estado (especialmente as sociais) serem resultado de vários factores (sociais, económicos, demográficos, políticos), a política é sem dúvida um factor com tendência para ter influência: a despesa redistributiva tende a ser maior em países onde a direita não esteve longos períodos no poder e onde o movimento operário é mais forte, levando o autor a falar numa “extraordinária proximidade” entre as estruturas políticas e a caracterização do Estado social.

Kohl (1982) também afirma que são os governos conservadores quem tem tendência para gastar menos na área social, apesar dessa lógica se perder aquando das coligações governativas. Wilensky (1982) e Evelyne et al (1993) destacam sobretudo o papel dos partidos socialistas e democratas-cristãos no aumento das despesas sociais e economia corporativa.

No seu extenso trabalho sobre a evolução do Estado social em 21 democracias da OCDE de 1960 até ao início dos anos 90, Castles (2000: 300-315) assume uma posição que afirma que a política conta na distribuição dos recursos disponíveis nas sociedades modernas. Contudo, também admite que as causas das políticas do Estado variam muito conforme a região

e a época. Não há uma razão única para a evolução do welfare state e o autor dá particular destaque às significativas diferenças nas políticas adotadas por diferentes “famílias de nações”. Castles nega, no entanto, as ideias de convergência de políticas públicas e constata mesmo um “paradoxo”: os dados que obtém revelam que as diferentes ideologias começam a ser mais relevantes precisamente quando os comentadores começaram a falar no fim da ideologia e na crise do Estado social. Para o autor, a razão será simples de explicar: até meio da década de 1970 os governos de esquerda ou de direita tendiam a responder positivamente às pressões das massas que desejavam mais serviços e benefícios públicos; o choque petrolífero de 1973 marca o fim da era de ouro do capitalismo ocidental, trava o crescimento económico e coloca o Estado-providência em crise, numa mistura de factos que constrange as respostas dos partidos e dá argumentos à direita para travar a expansão do sector público. Castles conclui que a política conta e que, depois da maturação do welfare state, a definição do que deve ser o papel do Estado contínua modelada pela ideologia mas também por factores institucionais e culturais que variam de país para país.

Mais tarde, o mesmo autor (Castles, 2004 e 2006) chega a conclusões semelhantes, negando ao mesmo tempo a ideia de crise do Estado social e dizendo que o que se verifica, sobretudo, é uma convergência entre as despesas sociais dos vários países europeus (quem gastava menos tende a gastar mais e quem gastava mais tende a gastar menos).

IV.2 Conclusões&do&capítulo&

Saber se a política conta tem sido um objectivo que tem ocupado inúmeros investigadores. Dentro desta questão mais vasta, um dos pontos de pesquisa, tal como acontece nesta tese, tem sido perceber se as ideologias ou os partidos têm ou não capacidade de influenciar, de forma diferente, a evolução das políticas públicas.

Apesar das críticas que podem ser feitas a essa abordagem, grande parte das investigações anteriores centram-se nos outputs dos sistemas políticos medidos de forma diacrónica e olhando para variáveis quantitativas que ajudam a perceber a evolução do Estado social.

Uma parte dos autores tende a partir da hipótese que a política e a ideologia contam, enquanto outros partem do pressuposto de que o que afecta realmente as políticas são as mudanças sócio-económicas que ocorrem nas sociedades e que levam os decisores políticos a agir numa ou noutra direcção. A primeira tende a ser a posição dos cientistas políticos, enquanto a segunda encontra-se mais entre sociólogos e economistas.

Os estudos que têm procurado responder à questão anterior não têm chegado a conclusões unânimes. Vários autores terminam as investigações a dizer que são muito curtas, por vezes quase inexistentes, as evidências de que os partidos contam, ou seja, não têm uma efectiva capacidade de mudar o rumo dos acontecimentos. Contudo, não existem evidências de que as

diferenças ideológicas entre forças políticas contem menos hoje do que no passado – o seu impacto, a ter existido, terá sido sempre mínimo.

Apesar de a maioria dos estudos chegar à conclusão de que a política tem contado pouco, há investigações que chegaram a resultados claramente diferentes. Um dos autores que mais subscreve esta tese (Castles) conclui mesmo que a política e os partidos têm uma relevância maior hoje, em época de austeridade constante (com recursos mais escassos e que obrigam a mais opções), do que na década de ouro do Estado social em que a maior abundância de recursos ‘empurrava’ os vários partidos, de esquerda ou de direita, a responder afirmativamente a grande parte das pretensões populares.

V.

METODOLOGIA&E&PROJECTO&DE&INVESTIGAÇÃO&

O projecto que aqui se apresenta integra-se na área da Sociologia Política vista enquanto o estudo das ligações e comunicações entre a política e a sociedade (Rush e Althoff, 1971: 13). A política não é observada como um elemento independente e segue-se, pelo contrário, uma ideia fundamental do pensamento sociológico: nas palavras de Cot e Mounier (1976: 21), a noção de “unidade na sociedade” que é vista como “um todo” e com “um conjunto de elementos interdependentes” em que “todos os processos da vida social dependem uns dos outros”. À semelhança de outros autores (Martell, 2010: 2-3), defendemos a interdisciplinaridade da Sociologia e que esta não deve ignorar factores económicos ou políticos nas explicações que apresenta sobre o funcionamento da sociedade, mas temos a noção (Andersen, 2011:425) que estudar aquilo que motiva as políticas públicas é difícil pelos inúmeros factores que as podem influenciar.

A um nível meta-teórico, das abstracções mais vastas sobre as lógicas de funcionamento do “todo social” (Alexander, 1987), o projecto apresentado assume uma posição de síntese, que reconhece (e integra) a importância da agência e da estrutura na definição da acção dos indivíduos e das colectividades

.!

O caminho seguido procura uma abordagem sociológica “prática” que defende a ligação e influências mútuas entre agência e estrutura, indivíduo e sociedade, liberdade e constrangimento, mas que argumenta que estamos, no entanto, perante fenómenos diferentes que podem ser separados e analisados de forma distinta, ao longo do tempo, por ciclos. Referimo-nos, especificamente, ao Realismo Crítico nas Ciências Sociais e à perspectiva morfogenética de Margaret Archer (1995: 65 e 93).!'

A estratégia metodológica a aplicar passa por uma “triangulação” que conjuga métodos intensivos/qualitativos com extensivos/quantitativos.

A principal hipótese apresentada (forte aproximação dos principais partidos de governo) sustenta-se em dois grupos de teorias particulares: a um nível mais específico, recorrendo ao que nos dizem dois dos tipos de partidos mais recentes (catch-all e cartel); e, a um nível mais alargado, conjugando várias perspectivas sobre a evolução das sociedades modernas e democracias. Tentamos representar essas bases teóricas na Figura V-1.

A base teórica do projecto vai buscar elementos a várias áreas: teorias da modernidade, novas formas de governança ou estudos sobre partidos políticos. O objecto de estudo centra-se em campos tradicionalmente associados à Sociologia Política71.

Nesta tese, pretendemos analisar a alegada convergência ideológica dos principais partidos de governo ao nível (1) das avaliações dos eleitores e dos especialistas, tal como dos programas partidários que apresentam ao eleitorado (capítulo VI); (2) das políticas públicas seguidas aquando no governo e nomeadamente das relacionadas com o Estado social (capítulo VII), bem como (3) das elites (capítulo VIII)72.

As políticas públicas são vistas enquanto aquilo que o governo ou o Estado faz (ou não faz) em resposta aos conflitos de interesses e problemas identificados por quem tem responsabilidade de decisão (Kraft e Furlong, 2010: 5-9).

Seguindo as ideias de Vincent (1995: 16) e Heywood (2003: 12), já descritas na revisão da literatura, a ideologia é definida como descritiva e prescritiva, ou seja, enquanto um conjunto de ideias, crenças e valores com uma certa coerência que levam o seu detentor a prescrever certas soluções para os problemas sociais e a descrever de uma certa forma os comportamentos do Homem e da sociedade. Em muitas análises avaliaremos essas ideologias através do esquema esquerda-direita interpretado essencialmente enquanto uma dicotomia que simplifica a posição dos partidos (ver subcapítulo I.4)

A ideia de convergência é no fundo definida, como explica Andersen (2011: 421-425), enquanto políticas que progressivamente vão sendo mais semelhantes. O mesmo autor sublinha, contudo, que essa crescente proximidade não está obrigatoriamente ligada a uma convergência entre as políticas seguidas em diferentes países mas sim a oscilações num ou noutro sentido que

71 Ver, por exemplo, Machado (2009) e a bibliografia de referência para a área da sociologia política da Unidade Curricular do Doutoramento em Sociologia sobre “A investigação sociológica em Portugal”. 72 O Estado social é um dos principais e tradicionais pontos de divisão entre esquerda e direita. Sabemos, no

entanto, como sublinha Freire (2011: 186-188), que esta também está associada a clivagens noutras áreas como os comportamentos individuais ou costumes.