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Barreto aponta que a legislação brasileira sobre refúgio é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das mais abrangentes, generosas e modernas do mundo, distinguindo-se por ter sido redigida sob a ótica dos direitos humanos e do direito penal.245

Barreto, no livro que organizou, com o patrocínio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e o Ministério da Justiça, selecionou algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Federal de Recursos. Dentre essas decisões se destaca o caso do pedido de extradição formulado pelo governo da Argentina em desfavor do nacional argentino Gustavo Francisco Bueno pela suposta prática de crimes de privação ilegítima de liberdade agravada e ameaças. Ocorre que, no momento da efetivação da prisão cautelar, o extraditando estava de posse

243 SOARES, Carina de Oliveira. A Efetividade do Direito Internacional dos Refugiados no Ordenamento

Jurídico Brasileiro. In: CAUBET, Christian G. Tratados Internacionais, Direitos Fundamentais, Humanos e Difusos: os Estados contra o bem viver de suas populações. Florianópolis: Insular, 2016. p. 99-100.

244 RODRIGUES. Gilberto M. A. O Futuro do Refúgio no Brasil e o seu Papel no Cenário Humanitário. In:

BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira (Org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu

impacto nas Américas. Brasília: ACNUR / Ministério da Justiça, 2010. p. 147.

245 BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira (Org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e

de um documento expedido pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR), com data de 12 de junho de 1989 e que lhe dava a condição de refugiado. Como o fundamento jurídico para concessão ou não do refúgio anteriormente à vigência da Lei nº 9474/97 (Estatuto dos Refugiados) era a recomendação do ACNUR, a extradição foi indeferida e a prisão preventiva revogada.246

No Recurso Extraordinário nº 1.008, publicado no Informativo nº 460, do STF, o Pleno do Tribunal, por maioria, não conheceu do pedido extradicional formulado pela República da Colômbia e julgou extinto o processo. O tribunal reafirmou a decisão do Poder Executivo, que havia concedido o refúgio, sob caráter humanitário, com base na Lei nº 9474/97, ao extraditando. Na decisão, reafirmou-se a competência do STF para avaliação da legalidade do pedido de extradição e também “que nada vincula, entretanto, o Poder Executivo, condutor da política de relações internacionais do país, a submeter ao Tribunal um pedido de extradição que entenda, de logo, inadmissível, se concede refúgio ao extraditando”.247

Um caso que ganhou grande destaque no Brasil foi a disputa sobre a situação do italiano Cesare Battisti. O Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) decidiu pela não concessão do refúgio ao italiano.248 O governo brasileiro, através de ato do Ministro da Justiça, atendendo a recurso de Battisti, concedeu o refúgio. O Supremo Tribunal Federal, apesar da Lei determinar o arquivamento da extradição quando concedido o refúgio, decidiu por manter a prisão de Battisti até o julgamento do pedido, contrariando a

246 BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira (Org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e

seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR / Ministério da Justiça, 2010. p. 211 (adendo). Para ter acesso

à decisão completa, ver Ext 1170 / República Argentina. Relatora Min. Ellen Gracie. Julgamento:

18/03/2010. Tribunal Pleno. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28REFUGIADOS%29&base=ba seAcordaos&url=http://tinyurl.com/j6zq. Acesso em 25/11/2018. Para ver outros casos selecionados, ver BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira (Org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu

impacto nas Américas. Brasília: ACNUR / Ministério da Justiça, 2010. p. 210-214 (Adendo).

247 Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo460.htm. Acesso

em 25/11/2018. Foi vencido o voto do relator, Gilmar Mendes, “que, não vislumbrando diferenças substanciais entre os institutos do asilo e do refúgio, e afirmando não estar o Supremo vinculado ao juízo formulado pelo Poder Executivo na concessão administrativa do benefício, na linha de orientação fixada pela Corte na Ext 232/República de Cuba (DJU de 17.12.62) e na Ext 524/Governo do Paraguai (DJU de 8.3.91), conferia ao art. 33 da Lei nº 9,474/97 interpretação conforme a Constituição, no sentido de que só haveria óbice à extradição nos casos em que se imputasse ao extraditando crime político ou de opinião ou, ainda, quando as circunstâncias subjacentes à ação do Estado requerente demonstrassem a configuração de inaceitável extradição política disfarçada. Ext 1008/República da Colômbia, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, rel. p/ o acordão Min. Sepúlveda Pertence, 21.3.2007. (ext-1008)

248 A Lei nº 9.474/97 determina que os pedidos de refúgio serão analisados e julgados pelo CONARE, órgão

composto por representantes de cinco ministérios, incluindo o Ministério da Justiça, mais os representantes da polícia federal e de uma organização não-governamental dedicada à assistência e proteção de refugiados.

jurisprudência da própria corte. Ao julgar o mérito, o STF considerou procedente o pedido de extradição, sob a alegação de que os crimes cometidos eram comuns e não tinham caráter político. Souza destaca que a grande imprensa nacional ressaltou a ocorrência de um atropelamento do julgamento do STF pelo governo brasileiro. Aponta Souza que “ao dizer que a decisão do Ministro ‘atropela’ o julgamento do STF, a ‘Folha’ omite que a Lei de Refúgio atribui competência exclusiva ao Ministro da Justiça para decidir se o solicitante é ou não vítima de perseguição por motivos políticos, e, portanto, se os crimes cometidos por Battisti podem ser considerados comuns ou políticos”.249 Souza relata que, entre 1984 e 2008, o Brasil contabilizou aproximadamente quatro mil pessoas, vindas de setenta países diferentes e que conseguiram refúgio ou estão aguardando por resposta. Faz críticas ao tratamento dado ao pedido feito por Battisti, ressaltando que seus “argumentos” são materialmente mais consistentes do que a maioria das solicitações feitas pelos que conseguiram o status de refugiado. Segundo o autor, como exemplo disso, de 291 congoleses que fugiram da República Democrática do Congo e chegaram ao Brasil em busca de refúgio, nenhum trouxe documentos que sequer comprovasse nacionalidade e, pelo menos, 214 foram reconhecidos como refugiados pelo governo brasileiro.250

A legislação interna brasileira acompanha os princípios e tratados de direito internacional dos refugiados, dos quais o país é signatário, e não exige comprovação de nacionalidade, documental ou dos motivos alegados para a solicitação de refúgio. A simples declaração, feita pelo solicitante, goza de credibilidade e é quase sempre suficiente para a aprovação do pedido. O princípio do in dubio pro refugiado deve reger o instituto do refúgio.251

249 SOUZA, Fabrício Toledo de. O caso Battisti e o caso dos refugiados congoleses: a justiça em termos

de luta. Disponível em https://docplayer.com.br/15633287-O-caso-battisti-e-o-caso-dos-refugiados-

congoleses-a-justica-em-termos-de-luta.html. Acesso em 25/11/2018.

250 SOUZA, Fabrício Toledo de. O caso Battisti e o caso dos refugiados congoleses: a justiça em termos

de luta. Disponível em https://docplayer.com.br/15633287-O-caso-battisti-e-o-caso-dos-refugiados-

congoleses-a-justica-em-termos-de-luta.html. Acesso em 25/11/2018.

251 SOUZA, Fabrício Toledo de. O caso Battisti e o caso dos refugiados congoleses: a justiça em termos

de luta. Disponível em https://docplayer.com.br/15633287-O-caso-battisti-e-o-caso-dos-refugiados-

CAPÍTULO III