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EDIÇÃO DA NOVA LEI DE MIGRAÇÃO

5.2. O ESTATUTO DO ESTRANGEIRO – “A LEI 6.815/80”

Entre 1980 e a edição da Lei de Migração, de 2017, o Estatuto do Estrangeiro foi a principal norma a disciplinar a situação do estrangeiro no Brasil. Nesta seção far-se-á uma análise do Estatuto do Estrangeiro, com enfoque em seus aspectos relacionados com os Direitos Humanos.225

O Estatuto do Estrangeiro é tomado, segundo Lopes, por conceitos jurídicos indeterminados. Segundo a autora, essa espécie de conceitos tem o mérito de facilitar a aplicação da legislação em casos específicos e de diminuir o nível de detalhamento exigível para uma adequada aplicação, “mas, por outro lado, podem ser utilizados para a deturpação do conteúdo da Lei, até o limite de destruir eventuais garantias por ela concedidas”226 (grifo meu). Lopes aponta como exemplo o conceito de “interesse

223 A Lei 6815, de 19 de agosto de 1980, é aquela que é reconhecida no Brasil como o Estatuto do

Estrangeiro, e que foi revogada com a publicação da Lei 13445, de 24 de maio de 2017, conhecida como Lei de Migração.

224 A Constituição brasileira atual dispõe no Art. 12, §1º, que: Aos portugueses com residência permanente

no País, se houver reciprocidade em favor dos brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.

225 Para uma melhor compreensão da questão dos Direitos Humanos no Estatuto do Estrangeiro,

recomenda-se ver LOPES, Cristiane Maria Sbalqueiro. Direito de Imigração: o estatuto do estrangeiro em

uma perspectiva de direitos humanos. Porto Alegre: Núria Fabris, 2009.

226 LOPES, Cristiane Maria Sbalqueiro. Direito de Imigração: o estatuto do estrangeiro em uma

nacional”, presente no Estatuto do Estrangeiro, na época da ditadura militar e nos chamados “anos de democracia”.

Uma das características marcantes do Estatuto do Estrangeiro era a preocupação com a questão do interesse e da segurança nacional. No Art. 2º, o Estatuto dispunha que a sua aplicação atenderia, precipuamente, aos interesses políticos, socioeconômicos e culturais do Brasil e à segurança nacional.227

Lopes afirma que a redação do Art. 2º da Lei 6.815/80 é incompleta por não tratar das liberdades de circulação e locomoção no território nacional e do acesso à cidadania brasileira dos estrangeiros. A presença de estrangeiros no território nacional não configura nenhuma ameaça à segurança nacional, pois essa somente ocorreria em caso de invasão, em situação de guerra, o que seria uma exceção.228 A adoção de uma perspectiva sobre migração com enfoque na segurança nacional é fortemente criticada por Lopes. Segundo a autora, o interesse nacional não pode ser o de dificultar a incorporação do estrangeiro no país e far-se-ia necessário, ao interpretar a Lei,

(...) que o operador do direito, ou o órgão público legitimado, supere a perspectiva atual, e se vincule a um novo critério, que decorra de interpretação constitucional conforme o sistema de direitos humanos reconhecido internacionalmente. 229

A questão da segurança nacional tem se tornado um ponto sensível no debate das políticas migratórias no mundo. Os países ricos sentem-se invadidos por imigrantes. Essas invasões não são belicosas, em um sentido estrito, e têm maior impacto na escassez de serviços públicos, no debate sobre o mercado de trabalho e na homogeneidade física e cultural da população. Lopes pondera que essas questões são problemas sociais e não de segurança, e que problemas, como o do terrorismo, não podem ser tratados como de segurança nacional. A vinculação do terrorismo com a imigração fortalece o discurso político da criminalização da própria imigração e precisa ser trata de outra forma.230

227 Art. 2 – Na aplicação desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização

institucional, aos interesses políticos, socioeconômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional

228 A possibilidade de “ataques terroristas” por parte de “estrangeiros” foi uma das principais críticas

feitas pelos grupos mais radicais à nova Lei de Migração, como se viu na pesquisa feita pela FGV/DAPP.

229 LOPES, Cristiane Maria Sbalqueiro. Direito de Imigração: o estatuto do estrangeiro em uma

perspectiva de direitos humanos. Porto Alegre: Núria Fabris, 2009. p. 503.

230 LOPES, Cristiane Maria Sbalqueiro. Direito de Imigração: o estatuto do estrangeiro em uma

Freitas, em seu livro “Comentários ao Estatuto do Estrangeiro e Opção de Nacionalidade”, não faz nenhuma alusão à questão dos Direitos Humanos e nem propõe qualquer interpretação que fuja da literalidade. Segundo Freitas,

Os princípios norteadores da atividade consular de concessão de visto podem se resumir a apenas dois: segurança nacional e defesa do trabalhador. Isso porque o conceito de segurança nacional engloba a possibilidade de defesa da organização institucional, dos interesses políticos, socioeconômicos e culturais do Brasil.231

Cahali, outro autor que comenta o Estatuto do Estrangeiro, mostra-se satisfeito com o Estatuto do Estrangeiro. Segundo o autor, o viés de xenofobia original do dispositivo foi superado com “humanitárias leis periódicas de anistia”232. Para Cahali, os pontos controvertidos, decorrentes do direito anterior ou afetados pela Constituição de 1988233, estariam, paulatinamente, sendo suplantados pela jurisprudência. Para o autor, nenhuma modificação substancial do sistema jurídico ocorreu e que justificasse a edição de um novo Estatuto.234

Cahali afirma que

A seu turno, sem violar os princípios básicos que devem regular o acesso do alienígena ao território nacional, o governo tem sabido abrandar paulatinamente a rigorosa legislação dos princípios primévos que, em regime ditatorial, inspiraram a Lei de Estrangeiros, fazendo-o com sucessivas leis de anistia, ao lado de pontuais liberações às atividades do estrangeiro em nosso País, de modo a tornar desnecessária a substituição do Estatuto, hoje unanimemente reconhecido. 235