• Nenhum resultado encontrado

Alguns conceitos da THC necessários às práticas de alfabetização

No documento Download/Open (páginas 95-102)

1 O debate nacional sobre alfabetização e a busca de soluções conforme as

2.2 Alguns conceitos da THC necessários às práticas de alfabetização

A partir das considerações anteriores, podem-se extrair alguns elementos básicos indicados pela teoria histórico-cultural para o ensino da leitura e escrita, em termos operacionais como referência para análise dos dados desta pesquisa. A formulação central da THC se refere aos Processos Psicológicos Superiores (PPS), como eles se originam na vida social em atividades compartilhadas com outros sujeitos, busca compreender como se dá o processo de desenvolvimento, já que este é um processo culturalmente organizado (BAQUERO, 1998). Para o pesquisador:

Na distinção que pode se realizar, então, no domínio ontogenético, que quer dizer, no desenvolvimento da criança, a linha natural de desenvolvimento se assemelha aos processos de maturação e crescimento, enquanto que a „linha cultural‟ trata com os processos de apropriação e domínio dos recursos e instrumentos que a cultura dispõe. [...] Segundo o próprio Vygotsky: „O desenvolvimento cultural da criança se caracteriza, em primeiro lugar, pelo fato de que transcorre sob condições de mudanças dinâmicas no organismo. O desenvolvimento cultural se acha sobreposto aos processos de crescimento, maturação e desenvolvimento orgânico da criança. [...]. Ambos os planos de desenvolvimento – o natural e o cultural – coincidem e se confundem entre si. As duas linhas de mudança penetram uma na outra formando basicamente uma única linha de formação sócio- biológica da personalidade da criança (BAQUERO, 1998, p. 29).

Baquero (1998, p. 36) afirma que “os instrumentos de mediação, ou melhor, a apropriação ou domínio destes são, por um lado, uma fonte de desenvolvimento”. O desenvolvimento a partir desta perspectiva, fundamentalmente quando se refere à constituição dos PPS, poderia ser descrito como a apropriação progressiva de novos instrumentos de mediação ou como o domínio.

A mediação é um conceito nuclear considerando a compreensão das concepções de Vygotsky sobre o funcionamento psicológico do humano. A mediação é, portanto, definida como o “processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento” (OLIVEIRA, 1993, p. 26). Isso significa que a relação entre o homem e o mundo não é uma relação direta, mas uma relação mediada. Segundo a autora, Vygotsky distinguiu duas formas de elementos mediadores, os quais são os instrumentos e os signos.

Na fase inicial da infância, origina-se o desenvolvimento dos processos que resultarão na formação de conceitos, no entanto, as funções intelectuais, uma vez

voltadas a uma combinação adequada, dão origem à base psicológica do processo de formação de conceitos, amadurece, se apresenta e se desenvolve na puberdade. Desta forma, segundo Vygotsky (2008, p. 72) “a formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. O processo não pode ser reduzido à associação, à atenção, à formação de imagens, à inferência ou às tendências determinantes”. Para o autor, todas as ações são indispensáveis, no entanto, são parcas sem o uso do signo, ou palavra, forma esta, pela qual, conduzimos as nossas operações mentais. Assim, o uso da palavra, bem como a sua necessidade como um meio necessário para a formação de conceitos, na verdade é a razão psicológica da transformação radical, na qual ocorre o processo intelectual no prelúdio da adolescência.

Quando o indivíduo aprende a direcionar os próprios processos mentais, por intermédio de palavras ou signos, se configura como uma parte fundamental do processo da formação de conceitos.

O desenvolvimento dos conceitos, o significado das palavras, postula toda uma gama de funções dentre as quais citamos a memória lógica, a abstração, a comparação e a discriminação, visto que os processos psicológicos especificamente complexos, não podem ser simplesmente memorizados e /ou assimilados.

A compreensão da relação entre significação e sentido na formação da consciência dos sujeitos alfabetizador e alfabetizado, conduz à reflexão sobre as concepções da Teoria Histórico-cultural.

A organização da etapa da alfabetização no trabalho pedagógico, foco essencial na ação da efetivação da leitura e escrita, na constituição do sujeito, “a criança alfabetizada”, faz-nos repensar como os professores entendem a própria prática pedagógica, no exercício da docência. Os elementos de significação e sentido na formação da consciência tornam-se essenciais ao educador à medida em que seu trabalho é trabalho de educação das consciências que devem ter como meta a garantia da apropriação das conquistas dos gêneros (PIOTTO et all., 2017, p. 101).

Fino (2018) considera, para o desenvolvimento da aprendizagem da criança, segundo Vygotsky, a participação do outro social no desenvolvimento da criança, visto que as relações de comunicação mediadas pelo professor no ambiente da sala de aula, contribui para a aquisição do conhecimento escolar. A atividade humana

durante a aula é mediada pela utilização de ferramentas intelectuais que se inserem no universo cultural e são fundamentais para a evolução biológica do ser.

A função da ferramenta é servir como condutor da influência humana no objeto da atividade, sendo externamente orientada e devendo levar a mudança nesse objeto. Como Vygotsky enfatiza, a ferramenta é um meio através do qual a atividade externa humana se orienta no sentido de dominar e triunfar sobre a natureza. O signo, pelo seu lado, não provoca nenhuma alteração no objeto da operação psicológica (FINO, 2018, p. 4).

O desenvolvimento humano consiste na aprendizagem do uso das ferramentas intelectuais, para isso, a atividade de ensinar pressupõe a existência da Zona de Desenvolvimento Proximal9. Trata-se de importante conceito na THC. A partir do estabelecimento de relações entre as interações sociais e o desenvolvimento cognitivo, Vygotsky formulou a noção de ZDP, a qual implica a noção de organização do ensino como atividade de cooperação, atividade conjunta.

Vygotsky (1998) define a ZDP como:

A distância entre o nível de desenvolvimento atual determinado pela resolução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1998, p. 113).

Nesse sentido, a ZDP refere-se a funções que ainda estão em fase de maturação, enquanto que o nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental já amadurecido de situações ocorridas no processo de desenvolvimento da aprendizagem pela criança.

A criança, quando reproduz ações de um adulto, não necessariamente está imitando o adulto, mas estabelecendo ações, nesse caso pode estar se estabelecendo, já que só é possível a imitação de ações que estão dentro da ZDP do sujeito (OLIVEIRA, 1993).

A aprendizagem acontece a partir da interação social, visto ser a aprendizagem um processo social e o conhecimento é algo construído socialmente. Na interação entre professor e aluno, este último se envolve numa relação de interação social mais elevada devido a mediação do professor. A interiorização dos conteúdos propostos acontecerá a partir dos processos que envolvem o conhecimento e valores a serem internalizados na aprendizagem.

A esse processo, Vygotsky, de acordo com Fino (2018), define como auto regulação a qual é precedida por uma regulação exterior. A aprendizagem de conhecimentos e habilidades acontece no contexto social tanto da criança como no adulto, quando os mais capacitados conduzem a atividade daquele menos capaz. Nesse sentido, a criança, ao assumir a condição de controle das operações à medida que aprende, vai assimilando os procedimentos e os conhecimentos envolvidos. A relevância na interação possibilita a formação de processos sociais e psicológicos humanos. Como foi possível observar, os conhecimentos relacionados à THC nos propiciam bases para a interpretação dos dados obtidos durante a pesquisa de campo.

3 Os métodos de alfabetização no PNAIC

Conforme abordado neste capítulo, a partir da trajetória histórica da alfabetização no Brasil formulada por Mortatti (2006), o quarto momento dessa trajetória corresponde à introdução do construtivismo piagetiano, seguindo de perto pelas orientações teóricas baseadas em Vygotsky. Apoiando-nos, agora, em Santos (2017), as teorias que aparecem hoje na prática escolar e em documentos e orientações oficiais como o construtivismo, o interacionismo e o letramento. A autora aponta que os documentos do PNAIC conciliam essas três orientações, sendo que é acrescido no construtivismo a consciência fonológica, ainda que tais conceitos estejam fundamentados “em diferentes teorias, formuladas por diferentes sujeitos, com diferentes finalidades sociais e políticas” (Ibid., p. 23).

Santos (2017) indica que no construtivismo, a aprendizagem consiste na construção do conhecimento sobre a leitura e escrita pela criança, de acordo com certas etapas, “considerando as estruturas cognitivas que a criança possui naturalmente, sem intervenção do ensino e de condições culturais (Ibid., p. 24). Acrescenta que, a partir dessa base teórica, são introduzidos pressupostos da consciência fonológica (não apenas fonêmica).

Na visão interacionista, o processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita consiste numa atividade discursiva, implicando “relações de ensino”. Assim, a alfabetização está ligada a ler e produzir textos escritos, com finalidades que extrapolam a situação escolar e remetem a práticas sociais de litura e escrita. Quanto ao letramento, ainda segundo a pesquisadora, trata-se de um conceito

diretamente associado ao domínio da escrita e seus usos e funções sociais. Alfabetizar, então, é algo mais do que desenvolver habilidades ou técnicas de leitura e escrita, devendo convergir para práticas sociais de leitura e escrita.

Em síntese, segundo Santos (2017), a opção didático-pedagógica trazida nos cadernos formativos do PNAIC é assim sintetizada:

[...] no processo de alfabetização escolar devem-se respeitar as fases e hipóteses de construção, pela criança, do conhecimento sobre a língua escrita, sem abandonar, contudo, as atividades de reflexão sobre o sistema notacional que contribuam para a aquisição da consciência quanto à relação fonema-grafema, mediante um trabalho com textos que sejam significativos e desafiadores ao considerar elementos culturais para se alcançar o objetivo de letrar [...] ensinar a ler e escrever em termos do PNAIC seria, então, ensinar a ler e produzir textos (orais e escritos) que permitam ao sujeito se constituir como tal no âmbito de uma sociedade letrada (Ibid., 2017, p. 26).

Já conforme o Caderno de Apresentação, a proposta do Programa não prevê um método único:

O PNAIC não propõe um método específico, não obstante, apresenta várias sugestões metodológicas. Todo o processo de formação está organizado de modo a subsidiar o professor alfabetizador a desenvolver estratégias de trabalho que atendam diretamente às necessidades de sua turma e de cada aluno em particular, em função do desenvolvimento e domínio da língua escrita apresentada por esses alunos, no decorrer do ano letivo (BRASIL, 2015, p. 21).

A alfabetização e letramento se configuram como proposta de alfabetização recomendada nos documentos do PNAIC, conforme “Caderno-Currículo na alfabetização: concepções e princípios”.

Alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado (SOARES, 1998, p. 47).

Nesta perspectiva Soares afirma:

Para „reinventar a alfabetização‟, mais do que defender a volta dos antigos métodos de alfabetização (analíticos ou sintéticos) que priorizam primeiro o ensino de um „código‟ para depois os alunos poderem ler e escrever textos diversos, a autora defende o trabalho específico de ensino do Sistema de Escrita Alfabética inserido em práticas de letramento (BRASIL, 2012k, p. 19 apud SOARES, 2004, p. 19).

O Caderno “Os diferentes textos em salas de alfabetização”, tem como foco “a importância do trabalho com diferentes textos na sala de aula em uma perspectiva de integração entre os componentes curriculares” (Ibid., 2012j, p. 06).

O trabalho efetivo do professor alfabetizador em sala de aula implica a realização de atividades diversificadas, segundo o eixo de Língua Portuguesa, os quais compreendem oralidade, leitura, produção textual e análise linguística (BRASIL, 2012).

Para tanto o Programa enfatiza junto aos professores alfabetizadores:

A importância de propiciar o contato dos alunos com textos diversificados, para que, possam não só conforme distinção de Soares (1998), se alfabetizarem – adquirir a tecnologia da escrita alfabética, mas também tornarem-se „letrados‟, ou seja, fazerem uso efetivo e competente desta tecnologia d escrita em situações reais de leitura e produção de textos (Ibid., 2012j, p. 08).

Os professores alfabetizadores, de modo geral, devem articular as diferentes áreas do conhecimento através de sequências didáticas e projetos didáticos. Nessas ações, diversos recursos (multimídia) e físicos (jornais, livros, revistas e outros) poderão ser utilizados, além dos materiais distribuídos pelo MEC, podendo citar o conjunto de livros literários que compõem o acervo das obras complementares nas escolas.

Os cadernos formativos do Programa enfatizam a tarefa de subsidiar as reflexões pertinentes à formação continuada para professores alfabetizadores e seus orientadores de estudo, ampliando as discussões sobre a alfabetização, na perspectiva do letramento, quanto a questões pedagógicas, de forma geral e específica, das diversas áreas do conhecimento, a partir de um planejamento interdisciplinar, segundo os princípios de gestão e organização dos ciclos de alfabetização.

O quarto e último capítulo deste estudo apresentam informações referentes à pesquisa de campo, cuja atividade possibilitou conhecer como andam as práticas dos professores alfabetizadores segundo a teoria apresentada pelo PNAIC. As observações e as entrevistas foram fundamentais para perceber qual a influência dos programas de formação continuada na formação do professor alfabetizador, bem como para captar obstáculos e limites para a implantação do Programa.

DOCENTES DOS PROFESSORES NO 3º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Apresentamos neste capítulo o delineamento da pesquisa de campo, incluindo os procedimentos de pesquisa e a descrição e análise dos dados obtidos por meio de observação de aulas e depoimento dos professores, coordenadores, diretores e formadores realizados em entrevistas.

1 Delineamento e descrição da pesquisa

Conforme anunciado na Introdução, a pesquisa consistiu em investigar as ações propostas pelo Programa Nacional da Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e seu impacto na formação continuada de professores alfabetizadores. Desse modo, num primeiro momento, foram buscadas, nos documentos do Programa, as ações previstas para serem realizadas nas escolas pelos professores. A pesquisa de campo consistiu da observação de aulas de três professoras alfabetizadoras, atuando em turmas do 3º ano da primeira fase do Ensino Fundamental. A escolha do 3º ano se deu em razão de ser esta série o final do ciclo de alfabetização, quando necessariamente os alunos deverão ter concluído o processo de aprendizagem da leitura e escrita conforme preconiza o Programa. O objetivo da observação foi acompanhar as aulas, tendo em vista apreender as práticas de alfabetização e sua correspondência com as ações previstas no Programa em relação às práticas pedagógicas. Foram também realizadas entrevistas com as três professoras participantes da pesquisa, os três diretores e três coordenadoras pedagógicas das escolas onde se realizou a pesquisa e as quatro formadoras envolvidas com a formação continuada.

Os dados obtidos pela observação e pelas entrevistas foram analisados por meio dos eixos de análise, tendo em vista dois focos: a) a repercussão das ações de formação continuada realizadas pelo PNAIC no aprimoramento profissional das professoras, ou seja, se as orientações dadas na formação continuada foram efetivadas pelos professores; b) análise do processo de implantação e desenvolvimento do PNAIC na visão das professoras e dos formadores (Município).

A pesquisa de campo teve início a partir do momento em que, em reunião com o Secretário da Municipal de Educação, foi solicitada autorização para que pudesse adentrar os espaços escolares de três unidades a fim de realizar minha pesquisa de campo. Em seguida, tive acesso à relação de salas de aulas de 3º ano do Ensino Fundamental das escolas existentes na rede municipal de ensino. Após análise das turmas e de seus respectivos professores, verifiquei a localização de todas as escolas e, a partir desta análise, foram selecionadas três turmas. O critério de escolha inicial das turmas era que fossem de localizadas em regiões periféricas e centrais, e que os professores tivessem participado da formação continuada de professores alfabetizadores do PNAIC e que me aceitassem como pesquisadora na sala de aula. Desse modo, foram escolhidas três escolas, sendo uma localizada na região central da cidade e as outras duas em bairros considerados periféricos. Ao adentrar na escola, me apresentei como aluna regular do curso de Mestrado em Educação da PUC Goiás e solicitei ao diretor (a), uma autorização para que pudesse observar uma sala de aula de 3º ano do Ensino Fundamental.

No momento da observação os alunos, de modo geral, nas três salas observadas, ficaram curiosos para saber quem era eu, o que fazia ali na sala de aula e ficaram surpresos ao descobrirem que eu era estudante assim como eles. Surpresos por entenderem como eu, sendo adulta, ainda estudava. Apresentei-me, então, falei dos meus objetivos em estar ali na sala de aula e que a etapa do meu estudo era diferente da qual eles se encontravam.

No documento Download/Open (páginas 95-102)