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Gramsci analisa os subalternos no seu específico contexto histórico, buscando rastrear provas de determinadas normas, tendências e dinâmicas destes grupos, por isso no Cad. 3 §48 afirma que é a tarefa do teórico incluir e considerar no âmbito de seus estudos novas provas específicas, e se estas não se adequarem a sua teoria, esta deve ser modificada, por isso a tarefa do teórico “é traduzir em linguagem teórica os elementos da vida histórica” (GRAMSCI, 2011c:198).

O historiador integral “não documenta somente os desenvolvimentos da história de qualquer modo positivista, mas deve compreender as implicações socioeconômicas, políticas e culturais deste desenvolvimento e do modo específico que estes eventos históricos se colocam frente ao mais amplo contexto sociopolítico” (GREEN, 2007:210) (Tradução minha). Seu objetivo deve ser “analisar os eventos específicos a fim de conceituar os processos de desenvolvimento histórico e compreender de que modo os processos se ligam às experiência de vida dos indivíduos” (Idem), por isso “a teoria da historiografia integral colhe a totalidade e a complexidade da estrutura econômica das formas da cultura popular que plasmam (...) a consciência das massas” (MORERA, apud GREEN, 2007:210) (Tradução minha).

É fundamental compreender de que modo as condições e relações do passado influenciam o desenvolvimento presente e futuro da experiência vivida pelos subalternos, ou seja: “como eles vieram à luz, como alguns sobrevivem às margens e como outros têm

conseguido ascender de uma posição social subordinada a uma dominante (GREEN, 2007:210) (Tradução minha).

Para Green (2007), Gramsci tem um triplo interesse com a categoria das classes e grupos subalternos: a construção de uma metodologia de historiografia subalterna, a elaboração de uma historia das classes subalternas e a formulação de uma estratégia da transformação fundada sobre o desenvolvimento e sobre a existência dos subalternos.

Gramsci em sua análise sobre as classes e grupos subalternos considera a história, a política, a crítica literária e a prática cultural da sociedade na qual estava imerso, dedica-se ao estudo da origem dos subalternos, das relações sociopolíticas e históricas do nascimento destas classes, do poder político que elas detêm, da sua representação na história e na literatura, e, fundamentalmente, sua atenção se volta sobre o modo pelo qual estas classes e grupos podem superar a sua condição de subordinação.

Desse modo, a importância de se fazer a história de modo integral, levando em conta também e sobretudo a situação das massas subalternas, está ligada a um fim político e a uma convicção já expressa em 1923 em seu artigo “Que fazer?”, no qual Gramsci questiona os motivos da derrota da classe operária (Movimento dos Conselhos de Fábrica) e da ascensão do fascismo, questões estas respondidas de modo categórico ao afirmar que “não conhecemos a Itália (...) não existe uma história da classe operária italiana. Não existe uma história das classes camponesas, etc.” (GRAMSCI, 2004b:233).

Esta reflexão gramsciana ao nosso entender se constitui em um exemplo de que sua pesquisa não se restringe a um caráter sociológico, mas tinha um fim político, de orientação e direcionamento dos subalternos contra o capitalismo. Desse modo, ressalta que para o êxito da luta revolucionária “nos faltam instrumentos para conhecer a Itália, assim como realmente e enfim estamos na quase impossibilidade de fazer previsões, de orientar-nos, de estabelecer as linhas de ações (Idem).

Os estudos gramscianos desdobram-se em várias categorias, entre as quais se destaca a centralidade da categoria da hegemonia, ao redor da qual Gramsci tece um conjunto de reflexões, como a questão dos intelectuais, Revolução passiva, Estado ampliado, americanismo, sociedade civil. Entre elas, a noção de subalterno ocupa um lugar importante e “permite centrar a atenção aos aspectos subjetivos da subordinação em um contexto de

hegemonia” (MONDONESI, 2010:37) (Tradução minha), ou seja, “a experiência subalterna, na incorporação e aceitação relativa da relação de mando-obediência e, ao mesmo tempo, sua contrapartida de resistência e de negação permanente” (Idem).

A grande intuição e mérito de Gramsci, fundamentada principalmente no seu conceito de Estado ampliado, hegemonia, e o nexo estrutura e superestrutura, indicam como consequência política que “as teias da hegemonia não podem ser desmanteladas por um simples e repentino ato voluntarista”, mas para que a estratégia revolucionária tenha êxito, estas teias devem ser “reconhecidas e destecidas, paulatinamente, da mesma maneira como foram tecidas, no mesmo terreno subjetivo” (Ibidem), indicando dessa forma a exigência de apreensão da realidade, a elaboração de uma história das classes subalternas, de forma a iluminar as estratégias e táticas revolucionárias.

Os elementos de caracterização da subalternidade propostos por Gramsci, ao mesmo tempo em que esboçam uma teoria de conformação política em um contexto de dominação e hegemonia, remetem a uma reflexão voltada para a autonomia, por meio da qual os subalternos podem superar a subordinação. Nesse sentido, a subalternidade se constitui em um processo contraditório entre subordinação e resistência, “evitando a rigidez dos esquemas dualistas que apareceram na tradição marxista: consciência / falsa consciência, racionalidade / irracionalidade, espontaneidade / direção consciente, classe em si / classe para si” (MONDONESI, 2010:38) (Tradução minha)

Observamos uma ampliação do campo de análise de Gramsci para a subjetividade, incluindo a cultura popular, os mitos, o folclore e todas as expressões populares suscetíveis de serem objeto de disputa entre projetos conservadores ou transformadores que possibilitam análises historiográficas voltadas ao “rastreamento dos movimentos subalternos e aos processos de subjetivação interna e nas relações de dominação fundados na experiência de dominação e nas dinâmicas de conscientização que lhes correspondam” (Idem).

O conceito de subalternidade carrega ambiguidades e contradições, oscilações e combinações na relativa aceitação da dominação hegemônica e seu rechaço por meio da resistência, uma experiência combinada da espontaneidade e consciência, por isso o conceito de subalternidade tornando-se relevante para Gramsci e para sua teoria revolucionária no terreno historiográfico, histórico e político (MONDONESI, 2010).

Como observado para a realização de uma História das classes subalternas para Gramsci, o teórico deve rastrear as provas de determinadas normas, tendências e dinâmicas dos grupos subalternos em seu específico contexto histórico, compreendendo a totalidade dos processos que se ligam ao desenvolvimento da experiência de vida dos subalternos, e as implicações das condições do passado no seu desenvolvimento presente e futuro.

O interesse de Gramsci sobre a categoria das classes e grupos subalternos está ligado a sua estratégia revolucionária para a superação da subalternidade, por isso suas análises consideram a história, a política, a literatura e a cultura em busca da elaboração de uma história integral com um fim político.

Ressaltamos ainda a centralidade da categoria da hegemonia e da noção de subalterno que permitem centrar a atenção nos aspectos subjetivos relacionados à subordinação, assim como a resistência e a superação da subalternidade em um contexto de hegemonia na sociedade capitalista.

Por fim, as reflexões de Gramsci, principalmente o conceito de Estado ampliado, hegemonia e o nexo entre estrutura e superestrutura, evidenciam que sua estratégia revolucionária exige o reconhecimento dos processos de dominação e subalternização. Por isso, todas as expressões populares suscetíveis de serem objeto de disputa política possibilitam analises historiográficas para apreender esses processos e iluminar a estratégia para o seu enfrentamento, e a luta pela superação da subalternidade por meio da organização e da conquista da autonomia,