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Em 1994, também pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da PUC-SP, é defendida a tese da Profª Drª Franci Gomes Cardoso, intitulada Organização das classes subalternas: um desafio para o Serviço Social, em que a autora busca apreender em que medida as formas de organização das classes subalternas no país, através da luta partidária, da organização sindical e popular manifestam-se como expressão da consciência de classe.

A partir da premissa de que as classes sociais, a luta de classes e a consciência de classes existem e desempenham um papel na história, Cardoso (1995) discute algumas questões em torno da concepção de classe social, recuperando as formulações de Marx e outras discussões contemporâneas136 no âmbito da questão do fim do trabalho na sociedade moderna, discussão esta que a autora reconhece e discorda, apontando para uma crise e não o fim da sociedade do trabalho.

Partindo da afirmação presente no Manifesto do Partido Comunista de 1848, de que “a história de todas as sociedades até então existentes é a história da luta de classes”, a autora observa que a acepção do termo classe “refere-se aos amplos conjuntos de sujeitos históricos que se constituem segundo um critério objetivo: por manterem relações similares com os meios de produção” (CARDOSO, 1995:33), de modo que o termo classe se refere aos agrupamentos de exploradores e explorados, destacando nesta primeira acepção de Marx a propriedade dos meios de produção e a condição de assalariamento dos setores que não possuem estes meios.

No 18 Brumário de Luís Bonaparte, Cardoso (1995) observa que Marx introduz ao conceito de classe o elemento subjetivo da consciência de classe, de modo que esta concepção passa a estar vinculada ao “momento em que começa a adquirir consciência de si como tal” (CARDOSO, 1995:34).

136 Entre elas: Stanislau Ossowski; Lucien Goldmann; Francisco de Oliveira; Octavio Ianni; Eduard Thompson;

Alain Touraine; Alain Lipietz; Claus Offe; Jurgen Habermas; Baethge; Walter Heinz. Para mais aprofundamentos, ver Cardoso (1995).

A partir da afirmação de Marx137 de que “toda luta de classes é uma luta política” (MARX, 1987a, apud CARDOSO 1995:39), Cardoso indica para o crescimento do proletariado e sua força pela sua aglutinação em massas cada vez maiores, possibilitado com o desenvolvimento da indústria, organizando-se em classe e em partido político, constituindo-se em classe verdadeiramente revolucionária.

A unidade da consciência de classes como processo histórico e dialético para a autora está sujeito a avanços e recuos, existindo momentos de elevação do nível da consciência e momentos embrionários ou limitados à aparência do real, de modo que a unidade da consciência de classes necessita “de conhecimentos e de instâncias organizativas capazes de unificar o potencial transformador e as ações concretas de massa” (CARDOSO, 1995:61).

A concepção de classes e grupos sociais para Cardoso (1995) se pauta pelas relações de propriedade dos meios de produção (proprietários ou não proprietários), e também pela identidade no modo de pensar e de agir, “à medida que o movimento da história é tornado consciente pelo conhecimento dos grupos antagônicos de sua situação de classe” (Idem).

A condição de subalternidade para a autora é determinada pelo lugar que segmentos das classes subalternas ocupam no conjunto das relações de produção e de poder na sociedade capitalista, pois “a posição do indivíduo no mundo da produção material que determina a sua situação social; reafirma a existência da classe trabalhadora subalterna” (CARDOSO, 1995:60).

Desse modo, a subalternidade na sociedade capitalista para autora resulta “da não propriedade dos meios de produção, e determina as demais formas de dominação (política e ideológica) no conjunto das relações de poder”138 (CARDOSO, 1995:62).

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A autora observa ainda que para Marx a sociedade burguesa “não aboliu os antagonismos de classe, mas criou novas classes e novas formas de opressão e de lutas” (CARDOSO, 1995: 38), possuindo uma característica que a distingue de outras sociedades em outras épocas, simplificando os antagonismos de classe, “a sociedade global divide-se cada vez mais em dois campos hostis, em duas grandes classes diretamente opostas entre si: a burguesia e o proletariado” (MARX, 1987a, apud CARDOSO, 1995:38). Apesar de reconhecer a existência de outras frações de classe inseridas nestes dois grupos fundamentais, Marx pautava-se na transitoriedade desses estratos ou frações, que tendiam a desaparecer com o pleno desenvolvimento do capitalismo (CARDOSO, 1995).

138Cardoso (1995) especifica os subalternos como: “os assalariados dos setores caracterizados como primário, secundário e terciário (elementos dos setores produtivo e improdutivo); os que exercem atividade manual e os que exercem atividade não manual e intelectual. Incluem-se, ainda, os seguimentos não incorporados ao mercado de trabalho, que são os trabalhadores em potencial, inclusive o exército industrial de reserva, que é um segmento extremamente funcional ao capitalismo (CARDOSO, 1995:62-63).

A autora retoma o pensamento de Gramsci a partir das análises feitas por Martins139 e na teorização realizada por Yazbek (2003) sobre as classes subalternas no pensamento de Gramsci (Ensaio de 26 – Alguns temas da questão meridional, Cad. 3 §48 e Cad. 25 §5) e afirma que “a relação entre classes dominantes, classes dirigentes e classes subalternas só se explicita quando se tomam, dialeticamente, as categorias: sociedade política ou Estado e sociedade civil” (CARDOSO, 1995:65).

Retomando a formulação gramsciana presente no Cad. 25 §5, a autora observa ainda que os intelectuais e o partido são os facilitadores da unificação das classes subalternas, e que entre os grupos subalternos um tenderá a exercer a hegemonia sobre os demais grupos através do partido, concebido como intelectual coletivo. Este grupo é constituído pelo proletariado industrial para Gramsci, “na medida em que consegue criar um sistema de aliança com os demais grupos e frações de classes afins e mobilizar o conjunto dessas classes contra o capitalismo e o estado burguês” (CARDOSO, 1995:69).

Cardoso (1995) observa que a formação da consciência nacional popular para Gramsci depende da capacidade de as classes subalternas, da cidade e do campo, se constituírem em uma alternativa de reorganização social e política da sociedade, por esse motivo, a hegemonia é central para que as classes subalternas se tornem protagonistas da história, dotadas de vontade coletiva própria. A autora destaca três eixos da questão da hegemonia para Gramsci: o primeiro ligado a alianças de classes (operários e camponeses); o segundo ligado ao partido político como intelectual coletivo e o terceiro ligado à reforma intelectual e moral como construção de uma nova cultura, e construção da hegemonia, dimensão esta enfatizada em suas análises.

A função pedagógica da hegemonia como processo de constituição ideológica das classes subalternas no pensamento de Gramsci ressalta para a autora a importância da direção intelectual e moral, para a superação da subalternidade e a construção de uma nova ordem social, por isso a constituição da ideologia das classes subalternas é uma condição para conquista da hegemonia e o rompimento da dominação das classes adversárias.

139Para Cardoso (1995), as reflexões de Martins explicitam diferenciações existentes no interior das classes subalternas, que

a seu ver colocam-se tanto na esfera da produção quanto na político-ideológica, e indica como ponto fundamental a não propriedade dos meios de produção, “que é ao mesmo tempo, fonte primeira de exploração e domínio político bem como de unidade dessas classes” (CARDOSO, 1995:64).

A contradição entre o pensar e agir das classes subalternas para Cardoso (1995) pode ser superada pela filosofia, por isso uma reforma intelectual e moral significa o desenvolvimento de um processo pedagógico e político referenciado nas lutas históricas das classes subalternas, devendo se fundar na realização de “um projeto educativo capaz de tirar as massas da passividade e de construir a sua hegemonia e uma nova ordem social” (CARDOSO, 1995:84).

A passagem das classes subalternas à posição hegemônica não se restringe à esfera econômica, mas remete à necessidade do desenvolvimento de um novo projeto cultural, a elaboração de uma concepção de mundo, própria das classes subalternas. Nesse sentido, a organização das classes subalternas se constitui em uma exigência fundamental, uma vez que é na luta organizada que os subalternos elevam sua consciência e sua solidariedade, constituindo-se em sujeitos, é através da organização e da consciência de classe que a unificação das classes subalternas pode ser construída, consolidando-as, bem como a sua hegemonia na sociedade conquistada (CARDOSO, 1995).

Partindo da questão da organização no pensamento gramsciano140, Cardoso (1995) analisa os textos do período pré-carcerário, destacando o nascimento dos Conselhos de Fábrica, a distinção e papel dos intelectuais e do Partido no processo de organização da reforma intelectual e moral e trata da questão da organização das classes subalternas no Brasil. Para a autora, apesar da centralidade do partido como instância de mediação da consciência de classe no pensamento gramsciano, outros sujeitos coletivos devem ser levados em conta no desenvolvimento da consciência das classes subalternas no Brasil, como: “sindicatos, movimentos sociais populares e organizações vinculados à Igreja” (CARDOSO, 1995:168)

Tendo como foco a questão da organização, Cardoso (1995) analisa a sociedade brasileira a partir das instâncias organizativas das classes subalternas e os movimentos sociais que emergem no cenário político brasileiro no final dos anos 1970, marcado pela rearticulação da sociedade civil e a luta contra a ditadura militar, resgatando o ciclo de greves como uma prática de resistência das classes subalternas e de luta para a construção de uma nova hegemonia, que de seu ponto de vista tem um papel fundamental no “avanço da consciência

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Cardoso (1995), partindo das reflexões de Lênin e de Rosa Luxemburgo, discute a questão da organização do proletariado em contraposição à espontaneidade e o papel que o partido assume para ambos no movimento revolucionário, não cabendo aqui aprofundar o debate realizado pela autora.

dos trabalhadores, contribuindo para que esses ultrapassem o plano da imediaticidade e da espontaneidade e imprimam uma direção consciente às suas lutas” (CARDOSO, 1995:201).

Para Cardoso (1995), a direção consciente não se imprime apenas pela presença formal do Partido ou Sindicato, mas entende que através da luta dos trabalhadores em torno dos seus interesses imediatos, “em articulação com seus objetivos históricos, pode ser assegurada a unidade de ação entre o Partido, o Sindicato e outras formas de organização de massa”141 (Ibidem).

Os movimentos populares do período de 1970 a 1980, para a autora, se constituem em espaços onde se podem gerar e socializar conhecimentos, forjando sujeitos coletivos capazes de participar da construção da hegemonia das classes subalternas e da transformação da sociedade, por isso, reafirma a organização dos grupos subalternos a partir de uma diversidade de instâncias como os partidos, sindicatos, movimentos sociais urbanos e rurais.

A reorganização hegemônica das classes subalternas para Cardoso (1995) não é algo que se resolve sem um núcleo organizatório, que se proponha a tarefa de unificar as experiências dos setores das classes subalternas como uma alternativa política, sendo necessário “um núcleo que seja capaz de desenvolver uma política pedagógica e que concretize a participação das massas” (CARDOSO, 1995:257).

A autora conclui que a organização e a consciência de classe se constituem em “condições necessárias, embora não suficientes, para a conquista da hegemonia das classes subalternas e para a transformação socialista da sociedade” (CARDOSO, 1995:263).

Para Cardoso (1995), a organização das classes subalternas é um grande desafio para o Serviço Social, que através do “vínculo histórico com segmentos dessas classes, e no âmbito de sua intervenção, deve favorecer esses vínculos, desenvolvendo um projeto profissional de apoio aos interesses desses segmentos, enquanto interesses de classes” (CARDOSO, 1995:263).

A superação da condição de subalternidade se expressa na luta coletiva que “contribua no processo de formação da consciência de classes das classes subalternas e na sua

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È nesta perspectiva que a autora analisa a construção do novo sindicalismo no Brasil na década de 1970, tomando como objeto de análise a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e também a criação do Partido dos Trabalhadores (PT).

organização, para que estas classes, no enfrentamento com as adversárias, construam novas relações hegemônicas na sociedade” (Ibidem).