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Artigo 34. O currículo da Educação Escolar Quilombola diz respeito aos modos de organização dos tempos e espaços escolares de suas atividades

1.4 ALIANÇAS ENTRE OS POVOS QUILOMBOLAS E INDÍGENAS INCOMODAM MUITA GENTE

A titulação das terras quilombolas de Conceição das Crioulas ocorreu no ano de 2000, cinco anos depois da demarcação das terras indígenas Atikum, que fazem fronteiras com as terras supracitadas. Os dois processos de delimitação foram efetivados pelo governo federal, diferenciando apenas os órgãos responsáveis.

As terras indígenas foram identificadas e demarcadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e as terras quilombolas foram reconhecidas e tituladas pela Fundação Cultural Palmares (FCP). E tanto a parte do território que já foi regularizada, quanto a parte deste que ainda falta para concluir o processo de devolução das terras aos legítimos donos, são de responsabilidade de Instituto Nacional da Reforma Agrária (INCRA).

Porém, a titulação que ocorreu em 2000 (dois mil) não trouxe as terras de voltas para os verdadeiros donos. Só em 2009, a área foi decretada como área de interesse social pelo então presidente Lula e o INCRA pode iniciar o processo de desintrusão (avaliação e pagamento das terras e benfeitorias) do território e tendo emitido os primeiros títulos definitivos das terras em setembro de 2014.

É importante registrar que a parte mais importante é, sem dúvida, o titulo definitivo e que esse só ocorre com a desintrusão das terras, momento em que os fazendeiros, por força da lei, recebem o que lhe é de direito e a comunidade retoma o domínio do território. Para se chegar a esse momento, muitas tensões e ameaças, inclusive de morte, foram vivenciadas pelas principais lideranças da comunidade.

Saliento, que, o processo de demarcação das terras indígenas-Atikum, bem como, o reconhecimento e a titulação do território quilombola de Conceição das Crioulas, ocorreram pacificamente. É necessário frisar que são processos que percorrem caminhos, por vezes distintos, mas que buscam atender os interesses de dois povos que ao longo da história conviveram harmoniosamente e que enfrentaram e enfrentam lutas comuns, além do parentesco muito próximo existente entre eles.

No entanto, ao verem os seus espaços de poder ser ameaçados, os fazendeiros passaram a investir muito mais nas estratégias de cooptação de algumas lideranças indígenas, resultando numa forte divisão de ideias. Esse é, portanto, um tema bastante relevante no que se refere ao processo de educação escolar da nossa comunidade, e mais ainda para os modos de vida do nosso povo. Contudo, não pretendemos aprofundar esse debate neste trabalho, uma vez que o nosso objetivo central é discutir, questões relacionadas ao fechamento das escolas do nosso território através da política de nucleação escolar.

Queremos então ressaltar, que, o movimento forjado pelos fazendeiros para desestabilizar as articulações instituídas pelos povos quilombolas e indígenas contribuiu para que, apesar do empenho da comunidade, após a titulação do território quilombola de Conceição das Crioulas, 12 anos se passassem sem que fosse iniciada a efetivação da regularização fundiária das terras dominadas por fazendeiros. Esse tempo foi suficiente para que as forças opressoras se reinventassem e reestruturassem outras formas para dar continuidade ao processo de dominação.

Durante esse período, através da AQCC, a comunidade ampliou suas estratégias de lutas referentes à posse das nossas terras, com destaque para as novas formas criadas para dar visibilidade à nossa causa e fazer com que outros setores da sociedade escutassem e entendessem a nossa voz. E que, mesmo aqueles que não se tornassem nossos aliados, passassem a demonstrar apreço pela nossa história de resistência.

Com o objetivo de fortalecer a causa quilombola, interna e externamente, achamos estratégico criarmos uma mídia local, considerando que a mídia preexistente sempre atendeu aos interesses dos dominadores. Como forma de divulgar a nossa luta e reafirmar a nossa posição perante o Estado, não só introduzindo nos debates questões relacionadas a terra, mas também, buscando positivar a nossa cultura e protagonizar a identidade quilombola.

Nessa perspectiva, destacamos a importância da equipe de audiovisual, formada exclusivamente por pessoas da comunidade quilombola de Conceição das Crioulas chamada Crioulas Vídeo e do Jornal Crioulas: a voz da resistência. O mencionado jornal foi lançado no ano de 2003, com recursos de projetos elaborados e executados pela AQCC. Destacamos que, todo o processo de edição era realizado pela própria comunidade.

No interior de comunidade o Crioulas: a voz da resistência tinha como público alvo, as escolas e as associações de produtores rurais do território. Fora da comunidade o seu público eram os parentes que se encontravam morando distante e também às instituições parceiras. A distribuição interna se dava pela vizinhança e pela circulação das pessoas dentro do território. Externamente, a circulação do referido jornal acontecia através de mala direta, endereçados tanto para os parentes quanto para instituições parceiras.

Devo registrar que a criação do Crioulas: a voz da resistência, foi uma resposta da comunidade aos meios de comunicação local, que só se dirigiu às pessoas e ao território de Conceição das Crioulas, de forma preconceituosa e discriminatória. A mesma proposta sustenta o “Crioulas Vídeo”. Sua criação tem servido como espaço de registro dos quilombolas e como material didático.

A pauta de cada edição contemplava temas atuais e também havia espaços dedicados aos registros da história da comunidade, dos conhecimentos e da cultura dos nossos ancestrais.

Devido a sua importância, com muito empenho, conseguimos atingir a marca de doze edições. A última edição aconteceu em 2009. Desde então, por falta de recursos financeiros, as edições foram interrompidas. Ainda assim, por se tratar do maior acervo de registros de memórias permanentes e coletivas, referentes há séculos de resistência, para nós, o Crioulas: voz da resistência continua atual e estratégico para as nossas lutas.

O intervalo entre a titulação das nossas terras e o início da fase de desintrusão destas foi marcado pela intensificação de todas as formas de violência (repressões, ameaças e cooptações de lideranças da comunidade, divisões entre os parentes). Apesar de tudo, não desistimos da luta. A força de nossa organização política e a nossa persistência no que se refere às reivindicações pela devolução do nosso território fez com que, no dia 01 de junho de 2012, a primeira fazenda tenha sido devolvida à comunidade. Depois dessa data, outras situações fundiárias do quilombo, também foram regularizadas. Porém, a conjuntura política atual do nosso país traz elementos que significam retrocessos e perdas de conquistas históricas e isso nos faz perceber que a nossa luta para reconquistarmos definitivamente a parte do nosso território que ainda se encontra dominada pelos fazendeiros, ganha novos complicadores.

1.5 IGNORAM-SE AS CONQUISTAS DO POVO PARA ENFRAQUECER SUAS