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Alice Áurea Penteado Martha

No documento formação Caderno de (páginas 138-141)

Universidade Estadual de Maringá

Resumo: Este texto descreve diversas concepções de estudiosos a respeito de poesia. A partir dessa estraté-gia, objetiva-se suscitar reflexão acerca da importância da linguagem poética para a formação do jovem leitor.

Justifica-se a mediação do texto poético em âmbito escolar, pois atende às necessidades do ser humano de fantasia e ludismo, além disso, desautomatiza a linguagem pelo reconhecimento, durante a sua leitura, dos recursos utilizados pelos poetas para atingir determinados efeitos de sentido.

Palavras-Chave: Poesia, Jovem leitor, Mediador, Fantasia, Ludismo.

Introdução

Desde os primeiros momentos de vida, entramos em contato com a poesia, que nos propicia o intercâmbio de emoções com nossos semelhantes e com mundo. Seja pelos ver-sos de acalanto, pelas cantigas folclóricas ou de roda, seja pelas parlendas, adivinhas ou trava-línguas, é brincando, jogando, que, crianças, nos aproximamos, espontaneamente, dos versos. De qualquer maneira, é sempre muito prazerosa essa primeira ligação com a poesia, e, para entender e buscar formas de mantê-la e intensificá-la, especialmente em ambiente es-colar, devemos compreender o significado e a função dos versos na formação do ser humano.

No que se refere à concepção de poesia, em sentido amplo, começamos com as ideias de Platão, para quem a poesia não passa de uma imitação da imitação, infinitamente. Para ele, somente o mundo das ideias é perfeito, já que entende o mundo sensível, aquele que nos cerca, como cópia desvirtuada do verdadeiro; a poesia, cópia do mundo sensível que, por sua vez, copia o mundo das ideias, é cópia da cópia, sinônimo de imperfeição. O poeta, segundo Platão, não apresenta mais do que uma imitação deformada e degradada do real.

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Já, sob o ponto de vista de Aristóteles, a poesia, de certa forma repudiada por Platão, é valorizada. O filósofo a considera mimese, ou criação de uma supra-realidade; a função do poeta é de recriar o real, captando-o e humanizando-o. Entretanto, a poesia, como a arte em geral, deve ser entendida além da simples recriação do real, já que transporta conheci-mento de mundo, formando e modificando modos de ver e perceber esse real. Para ele, as duas principais causas do aparecimento da poesia estão intrinsecamente relacionadas à na-tureza humana: a tendência à imitação e o gosto pela harmonia e pelo ritmo. Graças a essas tendências, o poeta, homem sensível, manifesta suas emoções e os demais seres humanos reconhecem-se e veem seus sentimentos representados no mundo recriado pela poesia.

Horácio, por sua vez, confere à poesia caráter moral e didático, soma de prazer e edu-cação, devendo haver adequação entre assunto e ritmo, tom e metro; para ele, poeta é aquele que respeita as particularidades de cada gênero literário, não permite a miscelânea de gêne-ros. E tem sido essa concepção horaciana, difundida de maneira simplificada, a responsável, muitas vezes, pela orientação pedagógica na leitura da produção literária, no caso, a poesia destinada à infância, desde sua origem.

Depois dos filósofos e pensadores da antiguidade, muitos outros estudiosos e criadores continuaram a questionar-se a respeito da poesia e de suas peculiaridades, como manifesta-ção artística. Uma, entre tantas respostas a tais questionamentos, pode ser encontrada nas palavras do poeta e ensaísta mexicano, Octavio Paz, que apanha, de maneira profundamente bela, o modo de representação do real que é, em síntese, a poesia:

A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; ex-ercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular.

Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela an-gústia e pelo desespero. [...]. Expressão histórica de raças, nações, classes.

Nega a história: em seu anseio resolvem-se todos os conflitos objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que passagem. Ex-periência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não-dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em forma superior, linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras. (PAZ, 1982, p. 15).

Interligando ideias e imagens opostas, Paz não só nos mostra uma concepção de li-teratura, marcada pelo jogo entre o real e o ilusório, superação de conflitos, como permite que notemos que a arte literária e, por extensão, a poesia, possui determinadas funções.

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Quando nomeia a poesia como filha do acaso, emoção, intuição, pensamento não-dirigido, reconhece-lhe, por certo, o caráter de gratuidade, desinteressado, próprio a todo ato criador;

considerando-a convite à viagem e, ao mesmo tempo, regresso à terra natal, avalia sua natu-reza contraditória, oscilante entre o imaginário (viagem) e a realidade (terra natal). Por meio da arte, o homem elabora seu método de libertação interior, exorciza seus demônios, sublima e compensa suas carências.

A tensão entre fantasia e realidade, que contamina toda concepção de arte, revela o modo como a literatura pode exercer a chamada função formativa. No texto de Octavio Paz, a contradição representada pela afirmação de que a poesia é a expressão histórica das raças, nações e classes, negando, todavia, a história, dá a medida de como pode ser o caráter for-mador da arte. Para ele, a poesia leva o homem a reconhecer a si mesmo e aos outros como ser atuante no mundo, no momento em que adquire a consciência de ser algo mais que passagem; além disso, poesia é conhecimento, operação capaz de transformar o mundo; é revolucionária por natureza.

O que a poesia possui de mais relevante é o fato de jogar com as palavras, ordenando--as de forma harmoniosa, revestindoordenando--as de mistério, e de maneira tal que cada imagem passa a conter a solução de um enigma. Na construção poética, portanto, as palavras, ferramentas do poeta, não são usadas de modo habitual, metamorfoseiam-se nas mãos do artesão, sofrem transformações que revelam liberdade de criação. Organizadas de maneira própria, com am-pla significação, além do óbvio e do previsível, tornam-se símbolos do real, requisito funda-mental na construção da imagem poética. Um dos aspectos mais reconhecidos da linguagem literária é sua capacidade de evocação e conotação, o uso de imagens e símbolos, afastando qualquer possibilidade de representação lógica de conceitos ou da realidade.

A sensibilidade, veiculada nas composições poéticas, transforma-se em poderoso au-xiliar para a organização do mundo interior do ser humano e transparece na construção do poema pelo emprego de palavras com força incomum, uma espécie de radioatividade, certa energia mágica e solidificadora, na concepção de Ezra Pound (POUND, 1976, p. 67).

Outro aspecto importante da poesia é sua relação estreita com o jogo. Huizinga (1971), ao estudar essa ligação nas sociedades primitivas, observa que a atividade poética tem como berço o jogo sagrado, marcado sempre pela alegria e divertimento; depois, a poesia manifes-ta-se também nos jogos do relacionamento amoroso, na competição, na profecia, destacando--se, em todas as modalidades, o rigoroso, o cuidadoso código escrito, embora com variação infinita. Para ele, as qualidades do jogo equiparam-se às da criação poética e as afinidades entre poesia e atividade lúdica podem ser observadas na própria estrutura da imaginação criadora.

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Como o jogo, a poesia coloca-se além do lógico, dos padrões pré-estabelecidos, do convencional. Nessa aproximação, predomina a liberdade de criação, pois a construção po-ética, dotada de elementos que aproximam a arte do lúdico, reorganiza a palavra, mediante ordenação rítmica ou simétrica, nem sempre seguindo a ordem manifesta no mundo real.

No documento formação Caderno de (páginas 138-141)