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1.3. Alimentação e comunicação

1.3.2. Alimentar comunicando

Como não existe nada mais precioso que o tempo, também não existe maior generosidade que o perdermos ajudando os outros. Marcel Jouhandeau.

A progressão da doença, com o agravamento das alterações alimentares, é permeada pela mudança de interesses que colidem em aspectos concretos da esfera pessoal. A transição para a recusa alimentar, muitas vezes, envolve um futuro incerto que provoca ansiedade e preocupação ao se congeminar a pior opção possível, a morte (Evans W, et al., 2006; Sochfield et al., 2006).

O familiar cuidador espera uma comunicação sincera e honesta que transmita informação, mas simultaneamente, que compreendam os seus problemas, sentimentos e emoções, mantendo uma esperança realista (Buckman, 2002; Twycross, 2001; Gómez-Batiste et al., 1996). As necessidades da família em receber informação clara e atempadamente são significativas mas frequentemente subestimadas (Rabow et al., 2004). Comunicar com o familiar cuidador é importante para facilitar a adaptação emocional à doença, mostrar possibilidades interventivas, capacitar de conhecimentos para prestarem melhores cuidados e apresentar consequências de acções que de outra maneira poderiam ser boqueadas.

Questiona-se o que informar?

A resposta só pode ser aquilo que a pessoa deseja ou mostra interesse em ouvir (Schofield et al., 2006). A comunicação molda-se às necessidades de informação, preocupações e expectativas, embora caiba ao profissional conduzir o caudal comunicacional, há que ter presente que em demasia antecipa e amplia alguns medos, logo há um equilíbrio que se alcança ao compreender a perspectiva da outra pessoa. Privilegiam-se as perguntas abertas, a partir das quais a pessoa possa falar do que sabe sobre a doença, o que já lhe foi dito, as suas preocupações, os seus sentimentos e os seus objectivos (Schofield et al., 2006; Twycross, 2001). Espera-se que a informação seja transmitida honesta e faseadamente para que a pessoa se aperceba da evolução da doença, sem retirar- lhe a esperança mas tornando-a realista (Querido et al., 2006).

A incerteza vai parecer uma nota dissonante na música da vida. A incerteza do tempo ecoa nas mudanças rápidas e sucessivas, nos sentimentos, na morte. Viver com a incerteza cria uma grande tensão, requer que se discutam objectivos a curto prazo, estratégias de adaptação tais como, atingir datas significativas ou esperar o melhor, preparando-se para o pior. Pretende-se aquilo que parece simples, mas tão complicado, viver um dia de cada vez.

Buckman (2002) sugere como um princípio prático para a partilha de informação, o chamado “tiro de aviso”, sobretudo, quando a clivagem entre as expectativas da pessoa e a realidade são grandes, isto é, facilitar a compreensão dos problemas avisando que as coisas poderão ser mais complicadas do que parecem. Depois, há que atender à mensagem verbal e não verbal da pessoa e responder às suas emoções, mostrando compreensão pelos seus problema, corrigindo o que é possível, confortando no que é impossível corrigir. É imprescindível, um plano que reforce as estratégias adaptativas e envolva as fontes de apoio.

Uma palavra esperada mas não enunciada ou uma acção não realizada mas esperada são analogamente actos comunicacionais. O silêncio e a omissão podem comunicar de uma maneira tão forte como uma palavra proferida ou uma acção efectivamente realizada (Rodrigues, 1990: 67).

Quem nunca suportou um “barulhento silêncio” ou numa “torrente de palavras” encontrou o silêncio?

Um familiar, ao dar de comer a quem não quer, ao se interrogar por que não come sem ter coragem para perguntar, ou ao perguntar não ouve a resposta, é disto que se trata, do silêncio. Este problema do silêncio e da dificuldade comunicacional já pode ter uma história. A conspiração do silêncio é um tema muito debatido em cuidados paliativos e que leva os profissionais a questionarem-se quem informam primeiro. Goméz-Batiste et al. (1996) destacam como característica pessoal dos latinos a superprotecção e a negação, ou seja, os familiares com medo da reacção da pessoa doente optam por não informá-la.

Portanto, a conspiração do silêncio, deve ser tratada com o familiar cuidador de uma forma muito gradual e flexível, entendendo os mecanismos que a causam, que até pode ser uma expressão da sua dificuldade em se adaptar à doença. Com isso, compromete-se a rede de informação e de emoções que põem em causa a relação familiar, promovendo o isolamento dos membros.

Shragge et al. (2007), através de um estudo qualitativo, Grounded Theory, entrevistaram (12) doentes, investigaram os processos adaptativos à anorexia dos doentes com cancro numa fase avançada e as consequências emocionais e sociais da diminuição da ingestão alimentar.

Destacaram que, a afirmação da pessoa doente, “eu não consigo comer” não é produto de uma escolha racional, mas sim da adaptação à realidade da sua doença. As intervenções psicossociais dirigidas ao cuidador visam ajudá-lo a reconhecer esta adaptação. As intervenções devem levar o cuidador a compreender que a pessoa doente ao comer quando quer, baixa as suas expectativas, fomenta a aceitação e coloca a anorexia numa perspectiva que lhes facilita controlar as consequências, emocionais e sociais, da diminuição da ingestão alimentar. Os cuidadores devem ser encorajados a não sabotarem, porque isso interfere com a adaptação da pessoa doente às alterações alimentares. As estratégias coercivas para alimentar, quando a pessoa doente não consegue, interferem com a aceitação da doença.

Alguns familiares cuidadores têm objectivos nutricionais irrealistas o que gera conflitos com o doente e o confronto com os profissionais. As acusações de negligência dos cuidados revelam um tema muito mais vasto e mais complicado que a equipa vai ter de explorar (McClement et al., 2004; Souter, 2005). Há aqui um sinal claro de que a família se sente estrangulada com muitos assuntos e inegavelmente, a consciencialização de que o seu familiar vai morrer. A raiva, a frustração, a impotência têm sido identificadas como sintomas frequentes dos familiares dos doentes em fase terminal.

Na prática é importante que o enfermeiro não tome a raiva e as acusações que lhe são dirigidas, como um ataque pessoal ao seu desempenho profissional, e compreenda que é um S.O.S. pelo sofrimento vivido. Ao reafirmar gentilmente, que o doente está confortável com a pouca ingestão alimentar e envidar esforços para compreender o que consideram que seja um cuidado nutricional insuficiente, reduz-se a raiva da família (McClement et al., 2004) e impede-se uma potencial escalada do conflito (Souter, 2005). Envolver os doentes e familiares na elaboração do plano de cuidados permite explorar as suas preocupações no geral, e em relação aos objectivos nutricionais em particular (Way et al., 2002). Ao fazê- lo, reduz-se a ansiedade e o sofrimento relacionado com a perda do apetite e prepara-os para a progressiva evolução da doença tornando as suas expectativas

mais realistas. Negociar os novos objectivos dos cuidados, mesmo quando não há conflito, reduz o fardo que a pessoa doente e a família têm, a equipa pode funcionar como um veículo catalisador para a resolução de conflitos pendentes, que são difíceis de discutirem em família (Souter, 2005).

A grande ênfase da intervenção quer no familiar cuidador, quer na pessoa doente é na aceitação e adaptação à falta de apetite e à diminuição da ingestão alimentar (Twycross, 2001; McClement et al., 2004; Hopkinson et al., 2006; Shragge et al., 2007).

2. Problemática, questão de investigação e