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CAPÍTULO I: A CLASSE DE MESSIAEN

I.3. A C LASSE DE C OMPOSIÇÃO (1966-1978)

I.3.1 Almeida Prado na Classe de Composição de Messiaen

Em 1969, quando Almeida Prado ingressa sua classe, Messiaen tinha 61 anos, ensinava no Conservatório há 28, sendo que na cadeira de composição estava já há 3, era uma figura carimbada nos concertos do Domaine Musical, tinha duas séries de entrevistas editadas em livros – a primeira com Antoine Goléa (1960) e a segunda com Claude Samuel (1967) –, era constantemente chamado para lecionar no exterior nos principais cursos de

des ses idées personelles et de tous qu’il pense et de tous qu’il croit pour se occuper uniquement de la chose qui est important pour l’élève. »

35 Do original em francês traduzido pelo autor da presente tese : “Messiaen m’a révélé a moi-même, a su me

dire au moment qu’il fallait: ‘c’est là qu’est votre voie’”

36 Do original em francês, com tradução do autor da presente tese: “C’est à l’apprenti musicien de trouver as

música contemporânea, em especial Darmstadt, na Alemanha, e Tanglewood, nos Estados Unidos, e era muito tocado tanto na França quanto em outros países. Quando Almeida Prado candidatou-se ao curso de Messiaen no Conservatório, a norma existente para alunos estrangeiros estabelecia um limite de 5 alunos por classe. (BONGRAIN, 2008, p. 27) Na lista dos estrangeiros inscritos para o ano letivo de 1969-1970, ano em que Almeida entrou, constam os americanos William Albright e Janice Giteck, o grego Georges Couroupos, o iraniano Iradj Sahbai e o sírio Dia Soukkari. Portanto o número de estrangeiros atingira o seu limite, dificultando a entrada de Almeida como aluno regular, tendo frequentado a instituição da rue de Madrid como ouvinte.

Voltando um pouco aos fatos que conduziram Almeida Prado à Classe de Messiaen, descobre-se que o seu primeiro professor de composição foi Camargo Guarnieri, tendo aulas com o mestre nacionalista desde o ano de 1959 até 1965. Almeida Prado, em entrevista, afirmou que apresenta um grande respeito e admiração tanto pela pessoa quanto pela obra de Guarnieri. Dessa maneira que ele o considera como um “imenso compositor”. Porém, de alguma maneira, Almeida Prado travava uma luta interna consigo mesmo para não se acomodar na obra de Guarnieri. Isso é explicado, metaforicamente na entrevista, pela receita de bolo que, quando dá certo, é sempre copiada. E é isso, justamente, que Almeida Prado procurou não fazer, fugindo dessa acomodação. Relata ainda o traumático aviso dado a Camargo quando decidiu que não iria mais frequentar as suas aulas.

“Eu (Almeida Prado) disse: ‘Maestro, eu não vou mais voltar aqui.’ A reação dele foi de supresa: ‘Oh! Que horror!’ Eu lhe disse, então: ‘Eu quero aprender música dodecafônica atonal, serial, pós-serial, eletroacústica. Eu quero aprender o que há de mais moderno. O sr. não nos dá isso. Primeiro porque o sr. não aceita e não gosta. Depois porque o sr. não irá me ensinar. Eu quero aprender e eu vou ter aulas com o Gilberto Mendes.’ Ele ficou descontente. Foi como se eu tivesse dado um tapa em seu rosto”. (ALMEIDA PRADO)37

Entre a sua despedida das aulas de Guarnieri e a sua ida à Europa, Almeida teve, ainda, duas pessoas que ele considera como tendo sido seus professores. Isso porque ter uma pessoa como educador não é, na visão dele, necessariamente ter frequentado salas

de aula com essas pessoas. O professor é uma pessoa que lhe abre portas, que lhe mostra caminhos. Dessa maneira que obteve ensinamentos também com o padre Amaro Cavalcanti e com o compositor Gilberto Mendes. Cavalcanti foi, de acordo com Almeida Prado, uma pessoa que lhe mostrou muitas partituras e gravações de peças contemporâneas. Ele tinha um gosto particular pela música “mística”38. Foi ele quem lhe apresentou diversas peças de Messiaen, entre elas Le Vingt Regards sur L’Énfant-Jésus e as Trois Petites Liturgies de la

Présence Divine, ambas de 1944.39 Gilberto Mendes foi, também, alguém com quem Almeida Prado obteve conhecimentos. Através de conversas informais, Gilberto Mendes passou-lhe dicas sobre, principalmente, a música serial, aprendizado este que ele não obtivera com Camargo Guarnieri. Porém, um fato decisivo para a sua ida à Paris foi ele ter ganhado o I Festival de Música da Guanabara, em 1969. O dinheiro ganho na ocasião foi o que lhe propiciou os recursos financeiros necessários à sua ida.

Almeida Prado obteve, durante a sua estada na Europa, ensinamentos em dois locais. O primeiro foi no curso que fez em Darmstad, logo na sua chegada, onde teve a oportunidade de conhecer pessoas como Ligeti, Lukas Foss, os irmãos Kontarski e Stockhausen. O segundo evento foi a sua ida à França. Essa ida já era programada por Almeida Prado, pois levava consigo uma carta-recomendação de Camargo Guarnieri a Nadia Boulanger. Pelo que parece, portanto, a pessoa alvo com quem Almeida Prado desejava se encontrar era a Nadia. Só que ele acabou conhecendo também Messiaen e teve a oportunidade de ter aulas consigo. O seu ‘cartão de visitas’, pelo que ele próprio relata, e que lhe serviu de primeiro contato tanto para Boulanger quanto para Messiaen, foi a gravação que ele dispunha de seus Pequenos Funerais Cantantes, peça vencedora do Festival de 1969, e a partitura do 2º cadernos dos seus VI Momentos, ambos compostos no ano de sua ida, 1969. Do período de 1969 a 1973, Almeida Prado teve aulas na França, pelo que ele relata, pelas manhãs com Olivier Messiaen no Conservatório de Paris e nas tardes com Nadia Boulanger, em sua casa.

38 O que Almeida chama de música “mística” é classificada por Messiaen como música religiosa, ou seja, uma

música com temática religiosa que não seja feita exclusivamente para ser executada durante uma cerimônia ou culto religioso, podendo, portanto, ser também tocada em um concerto.

39 Na primeira entrevista, além das obras citadas, o compositor menciona conhecer também as partituras de

“Vision de l’Amém” e dos “Quatre Études de Rythme”, mas nos parece que há uma certa contradição entre as duas entevistas realizadas com compositor, pois essa afirmação é contrariada na segunda entrevista.

Almeida Prado tem uma visão própria sobre o que é a intersecção no processo de formação de um compositor. Em metáfora à biologia, ele a comparou à genética, criando a expressão da “genética de sons”. Ou seja, no desenvolvimento que se tem ao longo de um processo de aprendizado, um compositor pauta-se nas diversas experiências de outros para formar uma personalidade própria. Isso ocorre também na música e na composição musical. Essa ideia é contrária à ocorrência de um paideuma, ou seja, da filiação. De acordo com essa visão, uma pessoa é constituída por uma encruzilhada de intersecções, às vezes mais marcante, às vezes menos. Essa visão aproxima-se em muito com a ideia do rizoma desenvolvido pelos filósofos Deleuze e Guattari (2005), para quem a multiplicidade é aceita. É dessa maneira que Almeida Prado declara que, na sua obra, há intersecções com Camargo Guarnieri, Penderecki, Stravinsky, Nadia Boulanger e Messiaen. Além do aprendizado composicional, a influência de Camargo Guarnieri parece ter sido, através de um ato de rebeldia, uma certa inquietação que lhe foi despertada e que o impulsionou a buscar novos horizontes composicionais. Pelo que parece, essa inquietação foi um fator relevante para a sua ida à Europa, pois, conforme relata o próprio compositor, passou a procurar compor sempre fugindo às regras mais utilizadas pelo mestre. Isso, de uma certa maneira, o levou a buscar a música de Messiaen. A intersecção com Penderecki é sentida, segundo Almeida Prado, nos seus Pequenos Funerais Cantantes. O Stravinsky com que Almeida Prado declara ter uma intersecção, foi o da última fase, serial. Ele diz que, da técnica do compositor russo, ele se apaixonou pela economia no uso da série, um serialismo tríadico. Já com a dupla Boulanger e Messiaen houve uma intersecção mútua por oposição, pois com a Nadia ele tinha tudo aquilo que era mais ortodoxo; enquanto com Olivier, o que havia de mais contemporâneo. Prado declara ainda que procurou sempre encontrar um meio do caminho entre ambos, mantendo a sua própria personalidade.

Ainda nas entrevistas concedidas pelo compositor ao autor da presente tese, três foram as técnicas de composição abordadas: o ritmo, o transtonalismo e o som-cor. Almeida Prado diz que obteve, com Messiaen, um grande aprendizado rítmico cuja principal contribuição foi a consciência da independência do ritmo em relação aos outros parâmetros musicais. Dessa maneira que Messiaen, em sala de aula, “analisou a rítmica

grega; a rítmica hindu; o ritmo que cresce e decresce; os ritmos que são permutáveis, ou seja, a permutação” (ALMEIDA PRADO)40.

Outra técnica de composição abordada foi o “transtonalismo”. Segundo Almeida Prado, esse termo tem a ver com a repetição como forma de memorização e apreensão musicais. Para o compositor, não é possível dentro da música tonal que se compreenda o que está sendo feito sem a repetição. Dessa maneira que em sua obra, sendo esta majoritariamente atonal, essa repetição pode operar, por exemplo, no excesso de ressonâncias e na insistência em determinado acorde. Afirma-nos que essa técnica foi alcançada em sua plenitude pela primeira vez em sua obra nas Cartas Celestes I. O transtonalismo tem um certo paralelo, portanto, com o Sistema Organizado de Ressonâncias desenvolvido por Almeida Prado em sua tese de doutorado.41

O som-cor, para Almeida Prado, é algo que para Messiaen fazia sentido literal e, para si próprio, faz sentido apenas metaforicamente, poeticamente. Para o autor francês, conforme será visto no próximo capítulo, o som-cor é relacionável aos modos de transposições limitadas, ao “éblouissement” e aos complexos sonoros harmônicos42. Já Almeida Prado procura relações de sons e cores naquilo que lhe é mais próximo, no momento mesmo da composição. Ele descreve que, por exemplo, ao escrever uma peça que “se passa no campo, que é uma coisa verde”, ele procura “o que é verde para utilizar” (ALMEIDA PRADO) 43. Ou seja, diferentemente do autor francês, Almeida Prado não mantém uma relação fixa entre uma cor e um som.

Na segunda entrevista concedida, Almeida Prado afirma que um dos principais fatores de atração para que estudasse com Messiaen foi a liberdade enxergada por ele na obra do compositor francês, justamente por não ser serial, e também a possibilidade de trabalhar com ele a música com uma temática religiosa. Almeida declara também ser a peça para piano solo Cartas Celestes I a primeira em que se sentia pronto pelo grande preparo que teve com Messiaen. Ela teria sido escrita espontaneamente, o que na realidade quer

40 Vide anexos.

41 Esse assunto será aprofundado no Capitulo III.

42 MESSIAEN, Olivier. Conférence de Notre-Dame. Paris: Alphonse Leduc, 1978. & MESSIAEN, Olivier.

Conférence de Kyoto. Paris: Alphonse Leduc, 1988. 43 Vide anexos.

dizer que Almeida tinha já um arsenal composicional próprio muito forte que o induzia a escrever com muita facilidade. Essa é uma dica importante para se perceber o quão importante foram as Cartas Celestes I na conclusão do processo de aprendizagem que Almeida passou com Messiaen.

Síntese

As aulas de Messiaen no Conservatório de Paris influenciaram por mais de 30 anos várias gerações de músicos e compositores no Mundo inteiro. Por lá passaram alguns dos principais compositores da História da Música Ocidental do século XX, tais como Pierre Boulez, Pierre Henry, Iannis Xenakis, Karlheinz Stockhausen, Tristan Murail etc. Esse fato mais a fama obtida por Messiaen em suas inúmeras composições fizeram com que Almeida Prado migrasse para Paris em busca de seus ensinamentos. Apesar de, metodologicamente falando, Messiaen nunca impor o seu estilo aos alunos, de uma certa maneira quatro anos de estudos com o mestre francês trouxeram algum aprendizado e conhecimento técnico que foram adapatados por Almeida Prado à sua própria linguagem. Descobrir quais são esses “pontos em comum”, essas intersecções entre os dois compositores será, portanto, a tarefa desenvolvida nos próximos capítulos.

Capítulo II: a técnica composicional de Olivier

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