2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.3. ALTERAÇÕES ESTRUTURAIS DE GORDURAS
As propriedades estruturais e cristalinas das gorduras definem a funcionalidade e aplicabilidade nos diferentes produtos alimentícios. O uso de óleos líquidos em grande parte dos produtos com base lipídica necessita de modificações justificadas por questões de estabilidade oxidativa e consistência. Para ampliar o uso dos óleos e adequação de consistência de gorduras, para uso em shortening e para uso geral, existem várias tecnologias utilizadas individualmente ou combinadas. Algumas destas tecnologias são a modificação química através da hidrogenação ou interesterificação química ou enzimática e modificação física através do fracionamento (PODMORE, 1994; GUNSTONE, 1997; ALMEIDA, 2008).
Há mais de 100 anos foram descobertos os fundamentos da hidrogenação e em seguida aplicados em óleos e gorduras. Esta tecnologia foi amplamente utilizada para produção de gorduras com características de plasticidade adequadas para uma ampla aplicabilidade. Em 1990, um terço dos óleos comestíveis eram hidrogenados e com o aumento do uso do óleo de palma e dos apelos nutricionais negativos do uso de gordura parcialmente hidrogenada pela presença de ácidos graxos trans, esta proporção diminuiu muito nos últimos anos (BASIRON, 2005).
A hidrogenação parcial dos óleos é baseado na adição química do hidrogênio nas ligações duplas dos ácidos graxos insaturados, com o objetivo de transformar os óleos em gorduras de consistência e plasticidade desejadas, além de diminuir a suscetibilidade à rancificação. Alta temperatura, pressão e a presença de catalisador níquel provocam a quebra das duplas ligações dos ácidos graxos insaturados presentes favorecendo a ligação com o hidrogênio disponível e tornando estes ácidos graxos saturados. De acordo com o aumento das saturações formadas, a consistência da gordura final e seu ponto de fusão aumentam. Durante o processo ocorre a isomerização das duplas ligações cis para trans e quando todas as duplas ligações são saturadas, obtém-se o óleo totalmente hidrogenado de alta dureza (KHEIRI, 1987; O´BRIEN, 2004; ALMEIDA, 2008; RIBEIRO et al., 2009).
Como o processo de hidrogenação parcial produz ácidos graxos trans (AGT), prejudiciais à saúde, a busca de alternativas tecnológicas para obtenção de produtos com mesmas características físicas e conteúdo mínimo a zero de AGT estão sendo amplamente estudadas. Para ampliar a aplicabilidade de óleos e gorduras, algumas técnicas podem ser aplicadas, como a mistura de dois ou mais óleos e gorduras, separação de diferentes frações de óleos (fracionamento), hidrogenação parcial ou total alterando a composição em TAG de insaturados para saturados; interesterificação química ou enzimática reorganizando as posições dos AG nas moléculas de TAG; melhoria de espécies de sementes oleaginosas e seus cultivos ampliando a disponibilidade de matérias primas lipídicas com diferentes composições; utilização de sementes de cristalização. Porém, a adequação das novas frações lipídicas causa inúmeros problemas de comportamento de cristalização como polimorfismo inadequado, exsudação de óleo, formação de aglomerados cristalinos e períodos de indução incompatíveis com determinadas aplicações industriais. Para a indústria de óleos comestíveis os estudos de alternativas de modificação, estabilização e controle da cristalização de bases lipídicas é de total importância (ALMEIDA, 2008; RIBEIRO et al., 2009; VANNICE; RASMUSSEN, 2014; BASIRON, 2005).
2.3.1. Sementes de cristalização
Uma proposta com potencial para modular e substituir os processos convencionais de desenvolvimento das microestruturas de sólidos de gordura a partir de líquidos fundidos, sem a formação de isômeros trans, é a técnica de semeadura (seeding). O processo de cristalização das gorduras pode ocorrer naturalmente ou pode ser promovido por semeadura ou seeding. Esta técnica é definida como a adição de um material sólido denominado semente ou seed, sendo cristais oriundos do próprio material ou outras partículas, com propriedades de nucleação. A adição deste material pode promover a nucleação da gordura atuando como núcleo e/ou promover uma área de superfície para o crescimento de cristais adicionais. Além da modulação e cristalização da gordura, a técnica de semeadura possui grande potencial de promover formas polimórficas específicas, pois as sementes de cristalização, com hábito cristalino particular responsável pelo empacotamento cristalino, podem induzir a cristalização de gorduras nas formas polimórficas desejáveis (LAWLER; DIMICK, 2002; BASIRON, 2005; METIN; HARTEL, 2005; PADAR; JEELANI; WINDHAB, 2008).
As sementes de cristalização podem ser de natureza diversa, como compostos puros de TAG (SATO, 2001), gordura cristalizada micronizada, tais como manteiga de cacau e outros aditivos usados em chocolate (HACHIYA; KOYANO; SATO, 1989a; HACHIYA; KOYANO; SATO, 1989b), partículas de cacau em chocolate (SVANBERG et al., 2011), emulsificantes (BASSO et al., 2010; SANTOS, 2013; DOMINGUES, 2013) e óleos totalmente hidrogenados (OTH) que são gorduras de alto ponto de fusão e rápida cristalização (OMAR et al., 2005; OLIVEIRA, 2011).
O ponto de fusão das sementes de cristalização deve ser superior ao ponto de fusão da gordura a ser cristalizada. A seleção de materiais com polimorfismo adequado e ponto de fusão compatível é, portanto, essencial para o processo de semeadura (HIMAVAN; STAROV; STAPLEY, 2006).
Durante a etapa de resfriamento das gorduras semeadas, as sementes de cristalização cristalizam mais rapidamente e formam uma estrutura de rede, reduzindo a movimentação da fase lipídica líquida e alcançando uma consistência adequada e desejável ao produto. O uso de semente de cristalização com intenção de induzir a cristalização de uma determinada forma polimórfica é estudada para chocolate para redução de fat bloom (SVANBERG et al., 2011a; SVANBERG et al., 2011b; TALBOT; SMITH; CAIN, 2006; OMAR, et al., 2005).
O processo de temperagem, por exemplo, que ocorre na produção de chocolate, é um tipo de semeadura, onde os próprios cristais formados em um protocolo de tratamento térmico são sementes para a cristalização da gordura restante. Neste processo é criada uma pequena quantidade de cristais (< 3%) que, no chocolate fundido, irá catalisar a cristalização da manteiga de cacau quando for submetido ao resfriamento. Além disto, o cristal formado deve estar na forma β, adequado para cristalização do chocolate e irá promover a formação de inúmeros pequenos cristais de manteiga de cacau, com o mesmo polimorfismo estável ao ser resfriado. Outro exemplo é a adição de moléculas de BOB (behênico-oléico-behênico) de alto ponto de fusão (53 °C) em chocolate, que catalisa sua cristalização e a formação do polimorfo β, eliminando a etapa de temperagem (METIN; HARTEL, 2005).
Estudos de Ribeiro, Basso e Kieckbusch (2013) e Ribeiro et al. (2013) fizeram uso de diversos óleos vegetais totalmente hidrogenados em manteiga de cacau, observando atuação diferenciada destes óleos como sementes de cristalização nas propriedades finais do chocolate.