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Parte II – Revisão bibliográfica

2. Deslocamento do Abomaso

2.2. Deslocamento do abomaso à esquerda

2.2.4. Alterações metabólicas e hematológicas

As alterações metabólicas mais importantes e mais frequentes dão-se nos níveis de electrólitos plasmáticos e no equilíbrio ácido-base (Robertson, 1973).

As vacas afectadas com DA, sem qualquer outra doença concomitante, apresentam hipoclorémia, hipocalémia e alcalose metabólica. Neste caso a alcalose é ligeira a moderada e são raras as vezes que necessita de uma correcção electrolítica intensa. No DA crónico, ou quando ao DA está associada uma outra doença que contribui para acentuar a anorexia,

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ou ainda quando há alterações electrolíticas e de equilíbrio ácido-base, já é necessária a correcção electrolítica intensa (Divers & Peek, 2008).

A alcalose metabólica é causada pelo sequestro de ácido clorídrico no abomaso e rúmen. O ácido clorídrico não segue o seu curso natural para o duodeno, onde normalmente é absorvido, para em seguida ir tamponar o bicarbonato de sódio no plasma. Desta forma ocorre o aumento do pH sanguíneo, aumenta ainda a concentração de bicarbonato plasmática e a de cloro diminui (Divers & Peek, 2008; Radostitis et al., 2007b; Rohn et al., 2004a; Serrão, 1996; Trent, 2004). Pode ocorrer hipocalcémia sendo devida à alcalose metabólica, e à diminuição da ingestão e absorção de cálcio (Delgado-Lecaroz, Warnick, Guard, Smith & Barry, 2000; McGuirk & Butler, 1980). A desidratação e hipocalémia resultam numa resposta renal que consiste na reabsorção de sódio e na excreção de hidrogénio, o que faz com que a urina do animal seja ácida, mesmo estando ele em alcalose metabólica; a esta situação dá-se o nome de acidúria paradoxal (Divers & Peek, 2008; McGuirk & Butler, 1980; Trent, 2004). Um estudo conduzido por Rohn et al., (2004a) refere que os níveis de cloro, potássio e sódio nos casos de DAE são superiores aos do DAD embora estejam, como anteriormente referido, diminuídos em ambas as afecções.

Usualmente apresentam uma ligeira hemoconcentração evidenciada pelo aumento dos valores do hematócrito, hemoglobina e proteína plasmática total (Radostitis et al., 2007b). Essa hemoconcentração é consequência da retenção de fluidos ao nível do abomaso deslocado e bloqueio no transporte dos mesmos para o duodeno (Rohn et al., 2004b). A resistência à insulina é comum em animais com DAE. Níveis de glicémia e de insulina aumentados são independentes da cetose e frequentes em vacas com deslocamento à esquerda. Estudos relativos à motilidade abomasal são controversos. Ensaios realizados in vitro indicam que as contracções dos músculos longitudinais do complexo mientérico pilórico de vacas com DA estão significativamente reduzidas, quando comparados com os músculos de vacas saudáveis. Em vacas com hiperglicémia e hiperinsulinémia a actividade mioeléctrica abomasal encontra-se diminuída, o que leva ao atraso no esvaziamento abomasal, que possivelmente pode conduzir à dilatação e deslocamento abomasal. Após a cirurgia correctiva, a actividade mioeléctrica abomasal está aumentada, e os níveis plasmáticos de glucose e insulina diminuídos. O acréscimo do nível de insulina pode ser induzidos pelo aumento da concentração sanguínea de ácidos gordos de cadeia curta (butirato, valariato), stress, hormonas de crescimento, infecção e endotoxinas (Pravettoni et al., 2004; Cupere, Muylle, Van der Hende & Oyeart, 1991; Van Meirhaeghe, Deprez, Van de Hende & Muylle, 1988). Outros trabalhos referem que a motilidade abomasal está dependente da tonicidade do nervo vago, que por sua vez depende da informação aferente do sistema autónomo. Uma parte da informação desse sistema baseia-se na concentração de glucose e insulina plasmáticas, que quanto maior, mais acentuada fica a tonicidade

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vagal, levando assim ao aumento da motilidade e secreção gástrica (Ash, 1961; Kovacs, Lloyd & Walsh, 1996; Lam, Masclee, Muller & Lamers, 1997).

Os níveis de glucose plasmática são variáveis, podendo estar normais, diminuídos ou aumentados; neste último caso pode haver glicosúria. A concentração de sódio plasmático está normal a não ser que haja perda de água hipotónica ou perda renal de sódio, como compensação da fase inicial de alcalose (Rohn et al., 2004b; Serrão, 1996). Uma publicação de 2005 realizada por Grünberg et al. refere um estudo acerca da homeostase do fósforo em vacas com DA e VA, concluindo que no DAE o mais frequente é encontrar hipofosfatémia, provavelmente resultante da quebra da ingestão de alimentos e diminuição da função hepática ou lesão hepática. É comum haver uma ligeira depressão nos níveis de magnésio plasmático (Delgado-Lecaroz et al., 2000).

A cetose é a mais usual complicação do DAE, e casos severos de cetose estão frequentemente acompanhados de fígado gordo (Radostitis et al., 2007b). Os animais com cetose severa apresentam muitas vezes as seguintes alterações: pH sanguíneo em níveis ácidos, elevado anion gap 2 e valores de bicarbonato diminuídos quando comparados a casos de DA simples (Divers & Peek, 2008). O teste para a presença de corpos cetónicos na urina pode ser usado regularmente como método de diagnóstico de cetose subclínica e está indicado fazer-se nos animais com DA. Apesar de não ser das provas mais sensíveis, pode ser usada no pré-parto, na previsão de ocorrência de DAE. Tem outra utilidade que é a de explicar variações inesperadas de alcalose metabólica, encontradas na maioria dos animais com DA simples (Carrier, Stewart, Godden, Fetrow & Rapnicki, 2004; Divers & Peek, 2008; LeBlanc et al., 2005; Radostitis et al., 2007b). A presença de corpos cetónicos pode também ser testada no leite (havendo testes que detectam cetose subclínica) e esse resultado pode ser usado como preditivo de DAE em vacas leiteiras, quando realizado nas 2 semanas pós-parto (Carrier et al., 2004; Geishauser et al., 1997b; Mudron et al., 1997). Vacas com DAE podem ter diferentes graus de fígado gordo, sendo a biopsia hepática o melhor método para a sua determinação (Komatsu et al., 2002; Sevinc, Basoglu, Birdane & Boyak, 2001). Os resultados dos níveis de AST e de βHBA medidos em vacas de leite, durante as primeiras duas semanas do pós-parto, podem ser usados para prever o subsequente diagnóstico de DAE. Já a avaliação de ácidos gordos não esterificados com o mesmo fim pode ser feita na última semana pré-parto, sendo que níveis superiores ou iguais a 0,5 mEq/L apresentam 3,6 vezes maior probabilidade de vir a desenvolver DAE após o parto (Geishauser et al., 1997a; LeBlanc et al., 2005). Níveis de AST entre as 100 e as 180 U/L, e níveis de beta-hidroxibutirato entre 1000 e 1600 µmol/Ll estão associados a uma maior probabilidade da ocorrência de DAE (Radostitis et al., 2007b). Níveis de βHBA superiores a 200 µmol/L medidos no leite têm 3,4 vezes maior probabilidade de vir a

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Anion gap = (Na+ + K+) – (Cl- + HCO3 -

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desenvolver DAE. Nesse mesmo estudo referem que não foi possível fazer uma associação entre as concentrações de cálcio e a previsão de ocorrência de DAE (LeBlanc et al., 2005). Nas vacas com fígado gordo há diminuição da concentração das lipoproteínas plasmáticas, entre elas a apolipoproteínaB-100 (apo-100) e apolipoproteínaA-1 (apoA-1). Estas últimas também surgem diminuídas em animais com cetose e DAE, o que pode ser usado nas fases não lactantes para prever a susceptibilidade das vacas a estas duas doenças (Oikawa, Katoh, Kawawa, & Ono, 1997). As vacas leiteiras têm valores diminuídos de α-tocoferol plasmático e hepático. Os valores de vitamina E plasmática diminuem à medida que a acumulação de triglicéridos no fígado aumenta (Mudron et al.,1997).

De acordo com o referido anteriormente e com o atestado por Van Winden et al. (2003) as vacas que desenvolvem DA geralmente apresentam, antes do diagnóstico dessa mesma patologia, hipocalcémia, cetonémia e aumento dos níveis de AGNE e de AST. Estes sinais são mais acentuados nos dias que imediatamente antecedem o dia do diagnóstico clínico do DA. Este aspecto pode ser justificado por já existir deslocamento sub-clínico, ou por ser desencadeante da doença (Van Winden, Jorritsma, Müller & Noordhuizen, 2003). O aumento do AST plasmático segundo Herdt (2000) é devido à mobilização proteíca muscular de forma a obter aminoácidos glicogénicos como precursores de glucose.

Um estudo realizado veio defender que os casos de deslocamento de abomaso à esquerda e de volvo abomasal, não são acompanhados de endotoxémia, ao contrário do que os autores inicialmente pensaram (Wittek, Fürll & Constable, 2004b).

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