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Parte II – Revisão bibliográfica

2. Deslocamento do Abomaso

2.2. Deslocamento do abomaso à esquerda

2.2.1. Etiopatogenia

A etiologia do DAE é multifactorial, no entanto, está primariamente relacionada com a quantidade e qualidade de alimento ingerido antes e depois do parto. O período de transição, que vai desde as 2 semanas pré-parto até às 2 a 4 semanas pós-parto, é o que apresenta maior risco na etiologia do DAE. A diminuição da ingestão de alimento no pré- parto e o seu lento aumento no pós-parto são factores de risco que causam diminuição do estado de repleção ruminal. A redução da ingestão de matéria seca (MS) é de aproximadamente 35% na última semana pré-parto, o que faz aumentar as concentrações de triglicéridos hepáticos no pós-parto imediato (Bertics, Grummer, Cadorniga-Valino, & Stoddard, 1992). A elevada quantidade de concentrado, dada na alimentação de vacas leiteiras, no pré-parto, provoca a diminuição da motilidade ruminal e o aumento da acumulação de gás no abomaso (Barker, Van Dreumel & Palmer, 1993; Radostitis et al.,

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2007b; Shaver, 1997). Este decréscimo da motilidade abomasal pode ser parcial (hipomotilidade) ou total (atonia) (Coppock, 1974; Serrão, 1996). A atonia abomasal pode ter como causa uma elevada concentração de ácidos gordos voláteis, que em conjunto com a contínua fermentação microbiana da ingesta leva à acumulação de gás e consequentemente, à distensão do órgão, sendo estes os dois contributos essenciais para o DA (Doll, Sickinger & Seeger, 2009; Guard, 2002; Pravettoni et al., 2004; Radostitis et al., 2007b; Trent, 2004; Van Winden & Kuiper, 2003). O gás acumulado no abomaso é composto maioritariamente por metano (70%), seguido de dióxido de carbono e azoto (Van Winden & Kuiper, 2003). Para além da teoria da fermentação prolongada, facilitada pelo aumento do pH abomasal no pós-parto, que leva à produção de gás, existe outra teoria que defende que a quebra da concentração de cálcio plasmático em conjunto com valores baixos de insulina pode reduzir a secreção de ácido no abomaso, resultando num aumento da produção de gás (Puscas, Coltau, Baican, Domuta & Hecht, 2001). O abomaso, antes das refeições, produz aproximadamente 500 ml de gás por hora. A ingestão de forragem faz aumentar este volume para 800 ml por hora, já a ingestão de concentrado pode fazer com que dispare para 2200 ml por hora (Thomson, 1990). Para a atonia, pode ainda ajudar a diminuição do tónus do músculo liso, causada por hipocalcémia (Hull & Wass, 1973; Hungerford’s,1990).

O tamanho das partículas ingeridas é importante para o estímulo mecânico da ruminação e para a prevenção do DAE, todavia não está definido o tamanho mínimo que mantém o normal funcionamento de todos os compartimentos gástricos (Guard, 2002).

A ocorrência do DAE está também associada a determinadas doenças concomitantes, que na sua maioria são acompanhadas por processos febris e inflamatórios, tais como: retenção placentária (RP), metrite, mastite severa, úlcera abomasal, cetose, fígado gordo, hipocalcémia, indigestão. Nestes casos a alteração na motilidade abomasal pode ser provocada pelo efeito depressivo de endotoxinas e substâncias pirogénicas endógenas (Interleucina-1). As contracções retículo-ruminais são abolidas pela estimulação dos mediadores inflamatórios sobre o tónus do músculo gástrico liso, o que leva à inibição dos reflexos, e pelo efeito depressor directo sobre o núcleo central vagal. Apesar de não existirem relatórios acerca do efeito da febre, endotoxinas e mediadores inflamatórios directamente sobre abomaso, há registos desses mesmos efeitos no aparelho gastrointestinal de várias outras espécies, atestando que as funções motora e secretora podem ser inibidas (Gingerich & Murdick, 1975; Guard, 2002; McGuirk & Butler, 1980). Muitas vacas com DAE apresentam também cetose clínica, no entanto, o papel de causa efeito nesta relação não está ainda esclarecido. A acetonémia grave pode deprimir a motilidade gastrointestinal. Contudo, a cetose pode resultar da diminuição na disponibilidade de nutrientes, que se seguiu à anorexia, causada pela diminuição de passagem da ingesta pelo estômago anterior e pelo desconforto causado pelo DAE (Grymer, 1980; Guard, 2002).

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Um outro dado a ter em conta é a quantidade de espaço livre no abdómen, que permite a movimentação do abomaso. Relativamente a esta variação de espaço abdominal há duas questões a considerar: a primeira é a maior incidência dos DAE se verificar no pós-parto, uma vez que durante a gestação, à medida que o útero aumenta em tamanho, ocupa uma maior área da cavidade abdominal, comprimindo o rúmen e projectando o abomaso cranialmente e ligeiramente para o lado esquerdo do abdómen (Radostitis et al., 2007b); a segunda prende-se com o facto de actualmente a selecção genética das vacas leiteiras ser feita de forma a dar preferência aos animais com maior profundidade corporal. Algumas famílias de vacas leiteiras possuem maior incidência de DAE quando comparadas com outras, o que se tornou mais óbvio com a prática da transferência de embriões (Divers & Peek, 2008).

Em determinadas circunstâncias o abomaso adopta posições anormais, o que aumenta a probabilidade do seu deslocamento. São disso exemplos o decúbito prolongado causado por claudicação, a hipocalcémia, um parto difícil, ou a existência de cubículos curtos que dificultam o acto de levantar.

Todos estes factores devem ser considerados, no entanto, quando uma vacaria em particular tem uma incidência de DAE alta deve ser imediatamente estudado o regime alimentar e o maneio nela praticados, uma vez que estes factores ocupam um lugar de destaque na etiologia do DA (Divers & Peek, 2008).

O abomaso atónico e repleto de gás desloca-se ventralmente e por baixo do rúmen, ao longo da parede abdominal esquerda, geralmente em posição lateral ao baço e ao saco dorsal do rúmen. O fundo e a grande curvatura do abomaso são os primeiros a mudar de posição, seguidos do piloro e duodeno. O omaso, retículo e fígado também se deslocam. O deslocamento do abomaso resulta invariavelmente na ruptura da zona de fixação do omento maior ao abomaso (Radostitis et al., 2007b).

O abomaso pode ocasionalmente ficar preso anteriormente entre o retículo e o diafragma, situação denominada de “deslocamento do abomaso anterior”. Num estudo com 161 deslocamentos de abomaso 12% dos casos pertenciam ao deslocamento anterior (Radostitis et al., 2007b; Zadnik, 2003).

2.2.2. Epidemiologia

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