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3 COMPORTAMENTO DO CONCRETO SUBMETIDO A ALTAS TEMPERATURAS E COM A INCORPORAÇÃO DE RESÍDUOS DE PNEUS INSERVÍVEIS

3.1 COMPORTAMENTO DO CONCRETO SUBMETIDO A ALTAS TEMPERATURAS

3.1.2 Alterações na microestrutura do concreto

Alterações na microestrutura do concreto durante o seu aquecimento resultam em modificações de suas propriedades. No entanto, não é possível estabelecer uma comparação linear e direta entre as alterações físico-químicas microestruturais e o comportamento do material em relação aos quesitos térmicos e mecânicos. (KHOURY et al., 2007).

A análise precisa das alterações na microestrutura do concreto é bastante complexa, visto que cada concreto possui sua particularidade em função das alternativas de insumos e de adições disponíveis, bem como das diferentes tecnologias de dosagem. (COSTA; BRITEZ, 2011).

As transformações físicas e químicas, devido ao aquecimento do concreto, iniciam na matriz cimentícia endurecida. Todos os componentes da pasta de cimento endurecida sofrem transformações com a perda de umidade decorrente da ação das altas temperaturas.

Os principais cristais que formam a pasta endurecida são os silicatos hidratados de cálcio (C-S-H), o hidróxido de cálcio (CH – portlandita) e os compostos menores, como os sulfoaluminatos de cálcio hidratados. O efeito do aumento da temperatura na pasta de cimento hidratada depende do seu grau de hidratação e de umidade. (LIMA et al., 2004; MEHTA; MONTEIRO, 2014).

A pasta de cimento hidratada contém grandes quantidades de água livre e capilar, além de água absorvida, que são perdidas rapidamente com o aumento da temperatura do concreto. Devido ao considerável calor necessário para a conversão de toda a água do concreto em vapor, a temperatura deste material não aumentará até toda a água evaporável ter sido removida. (MEHTA; MONTEIRO, 2014).

A água livre e a capilar presentes na pasta de cimento começam a evaporar após a temperatura de 100 °C. A evaporação total da água capilar ocorre entre 200 °C e 300 °C, mas neste patamar ainda não são significativas as alterações na estrutura do cimento hidratado, bem como seu reflexo na resistência do concreto. (LIMA et al., 2004).

Hager (2013) complementa que a água livre evapora primeiro, seguida pela água capilar e, finalmente, pela água de ligação. O processo de remoção da água quimicamente ligada aos hidratos de cimento é o último a ser iniciado.

De forma geral, as alterações físico-químicas que ocorrem devido ao aquecimento do concreto iniciam na pasta de cimento endurecida acima de 80 °C, uma vez que entre 4 e 80 °C os produtos de hidratação do cimento Portland se mantêm quimicamente inalterados. (KHOURY et al., 2007).

A decomposição do gel de hidratação do cimento e a perda da água de ligação iniciam em cerca de 80 °C e a conversão química do gel de hidratação segue de forma não linear, sendo 70% concluída em 500 °C e totalmente concluída cerca de 850 °C. (KHOURY et al., 2007). Durante este processo de decomposição do C-S-H, o primeiro estágio é em torno de 150 °C.

Hager (2013) explica que, durante o aquecimento do concreto, a etringita se decompõe primeiro, mesmo antes da temperatura atingir 100 °C. A autora ressalta que, nessa temperatura, a estrutura da pasta de cimento está parcialmente danificada devido à desidratação.

Assim que a pasta de cimento é aquecida a uma temperatura próxima de 500 e 550 °C, o teor de portlandita diminui rapidamente, pois ocorre a decomposição de hidróxido de cálcio em óxido de cálcio e água.

No segundo estágio de decomposição do C-S-H, aos 700 °C, ocorre a sua decomposição em β-C2S (belita), βCS (wollastonita) e água, acarretando a retração da pasta de cimento e uma grande redução da resistência. A água originada no segundo estágio de decomposição do C-S-H também é vaporizada, promovendo um incremento na porosidade e contribuindo para a redução de resistência. (FERNANDES et al., 2017; KHOURY et al., 2007).

Outra alteração incidente a partir de temperaturas maiores que 700 °C é a descarbonatação do carbonato de cálcio, transformando-o em óxido de cálcio e água. (DENOËL, 2007; HAGER, 2013).

O Quadro 9 fornece um resumo das transformações que ocorrem durante o aquecimento do concreto, considerando tanto a pasta de cimento hidratada quanto os agregados do concreto.

Quadro 9 – Efeito da alta temperatura no concreto Temperatura

(°C) Efeito ou transformação

20 – 80 Processo de hidratação acelerado, perda lenta de água capilar e redução de forças coesivas

Temperatura

(°C) Efeito ou transformação

80 – 200 Aumento da perda de água capilar e consequente perda de água de ligação

80 – 850 Perda da água quimicamente combinada com gel de cimento 150 Primeiro estágio de decomposição do C-S-H

300 Desidratação da água interlamelar e combinada do C-S-H 300+ Aumento acentuado na porosidade e na microfissuração

350 Fragmentação de alguns agregados

374 Ponto crítico em que não há mais água livre disponível

400 – 600 Decomposição de hidróxido de cálcio em óxido de cálcio e água [Ca(OH)2 → CaO + H2O]

500 Desidratação da pasta de cimento devido à decomposição do Ca(OH)2 573 Transformação dos agregados (quartzo e areias) da forma  em  550 – 600+ Aumento acentuado dos efeitos térmicos

600 – 700+ Descarbonatação do carbonato de cálcio em óxido de cálcio e água [CaCO3 → CaO + CO2]

720 Segundo estágio de decomposição do C-S-H

800 Substituição da estrutura hidráulica por uma cerâmica – modificação das ligações químicas

900 Decomposição completa do C-S-H 1.150 – 1.200 Início do derretimento do concreto

1.300 – 1.400 Ligação de compostos de cálcio com SiO2 e Al2O3 – concreto parece uma massa fundida

Fonte: Adaptado de Denoël (2007), Khoury et al. (2007) e Mehta e Monteiro (2014).

Os agregados ocupam de 60 a 80% do volume do concreto e, portanto, a variação de suas propriedades durante o aquecimento pode influenciar significativamente as características e as propriedades do material. (KHOURY et al., 2007; LIMA et al., 2004).

Mehta e Monteiro (2014) informam que a porosidade e a mineralogia do agregado influenciam sobre o comportamento do concreto exposto ao fogo. Os autores explicam que, dependendo da taxa de aquecimento e da dimensão, da permeabilidade e da umidade do agregado, os agregados porosos podem ser suscetíveis à expansão destrutiva.

Em decorrência do tipo de agregado utilizado, a partir de 300 °C, é possível observar mudanças físico-químicas microestruturais. (KHOURY et al., 2007). Agregados silicosos contendo quartzo podem causar danos ao concreto a cerca de 573 °C, pois, nessa temperatura, a transformação do quartzo da forma  em  está associada a uma expansão de cerca de 0,85%. (MEHTA; MONTEIRO, 2014). Exemplos de agregados silicosos são cascalho de rio, arenito e quartzito. Os autores adicionam que essa expansão volumétrica pode ter efeito prejudicial ao concreto, já que ocorre o aumento de tensões internas e pode haver contribuição ao desplacamento.

A Figura 6 evidencia a tendência de alguns agregados siliciosos se romperem a 350 °C. Na imagem, é possível visualizar fissuras atravessando a pasta de cimento, prosseguindo pela zona de transição e passando pelo agregado silicioso presente.

Figura 6 – Microestrutura de concreto convencional com agregado silicioso aquecido a 600 °C – aumento 50x

Fonte: Hager (2013, p. 3).

Rochas carbonáticas também podem apresentar expansão a partir de 700 °C em função da descarbonatação. Até 700 °C, tendem a ser estáveis, quando o carbonato de cálcio começa a sua decomposição em óxido de cálcio e dióxido de carbono. O pico dessa decomposição é atingido em cerca de 800 °C e, finalizado aos 898 °C, é endotérmico e tende a retardar a evolução da temperatura em concretos constituídos por agregados desta natureza. (KHOURY et al., 2007; MEHTA; MONTEIRO, 2014).

A temperatura de derretimento dos agregados varia consideravelmente, sendo 1.060 °C para basalto, 1.700 °C para dolerito, 1.210 a 1.260 °C para granito, 1.700 °C para quartzo e 2.570 °C para óxido de cálcio puro. (FERNANDES et al., 2017; KHOURY et al., 2007).