• Nenhum resultado encontrado

1. PANORAMA DAS DROGAS E DO TRÁFICO ILÍCITO DE

1.1.5 Alucinógenos ou Psicotiméticos

Os alucinógenos ou psicoticométicos são drogas que provocam delírios e alucinações54. Cada uma das substâncias que fazem parte deste grupo pode desencadear

reações peculiares, que serão examinadas adiante. Há alucinógenos naturais, encontrados na própria natureza, dentre os quais estão a Cannabis sativa, mais conhecida como maconha, os cogumelos, o cacto Lophora williamsii, e outras plantas brasileiras, dentre as quais a Psychotryia virides ou chacrona e o Banisteriopsis caapi, utilizados em rituais como os do Santo Daime55. Há ainda os alucinógenos sintéticos, fabricados pelo homem em laboratório,

dentre os quais se destacam o LSD (Dietilamida do Ácido Lisérgico) e o ecstasy, enquadrados também no rol dos alucinógenos primários, que produzem seus efeitos sem afetar as demais funções do organismo. Os alucinógenos secundários, dentre os quais estão o Artane (sintético) e a Datura suaveolens, que é um vegetal, provocam alucinações e afetam as demais funções do corpo.

Os alucinógenos também são conhecidos como drogas psicodélicas, já que alteram a percepção e a razão do indivíduo. Estas substâncias foram popularizadas no fim da década de 60, nos Estados Unidos, com o movimento hippie, e a propagação da moda do LSD, seu representante mais conhecido. Esta é uma droga passível de administração por via oral ou parenteral, que produz euforia, e distorção nos sentidos visuais e táteis, provocando a

53Idem. p. 509- 519

54 Alucinações são alterações na percepção sensorial, provocando uma distorção na visão, audição, olfativa,

gustativa e tátil. Sobre o tema merece ser sublinhado este esclarecimento: “ Na avaliação dos efeitos produzidos por essas substâncias, deve-se diferenciar alucinação e delírio, conceitos muitas vezes empregados incorretamente. Delírio é uma construção intelectual mórbida, afastada da realidade e de convicção inabalável do paciente. Caracteriza-se pela estrutura biopsicológica do paciente. De acordo com os dicionários médicos, o delírio ‘é uma perturbação mental de curta duração, acompanhada de alucinações, excitação mental, inquietude física e gira em torno de um determinado assunto- ciúme, perseguição, grandeza.’ Trata-se de uma convicção errônea baseada em falsas conclusões tiradas dos dados da realidade exterior . O delírio pode ser: paranoico (superioridade), esquizoide (introversão), astênico (obsessão), histérico (imaginação), e conter certeza intuitiva, ilusões sensoriais e fenômenos persecutórios. Distingue-se da alucinação por ser independente das impressões sensoriais e por apresentar idéias supervalorizadas, rigidamente ligadas á crença delirante”. C.f CAZENAVE, Sílvia de Oliveira Santos; Costa, José Luiz da. Alucinógenos. In: Fundamentos de Toxicologia., op.cit., p.450.

dilatação da pupila, taquicardia, piloereção, hiperglicemia, e dependência psíquica56. O LSD é

derivado do ácido lisérgico,um alucinógeno presente na ergotamina, produzido por um fungo contido no esporão do centeio, e foi descoberto por acaso pelo Dr. Albert Hofmann, na Suíça, em 1943. Após manuseá-lo em laboratório, o mesmo sentiu vertigens, tendo sido tomado por um estado de “embriaguez”, acompanhado de fantasias com imagens plásticas e coloridas, que só cessaram duas horas após o início do quadro. Após este evento, o médico chegou à conclusão de que teria absorvido pela pele ou engolira a substância que esteve manipulando, e para confirmar a suspeita, regressou ao laboratório e ingeriu o LSD, apresentando as mesmas reações anteriores57.

Esta droga é um pó branco, inodoro e insípido, solúvel em água, que pode ser utilizado por via oral ou injetável. Aproximadamente vinte minutos após a administração surgem seus efeitos, que podem permanecer por até doze horas, e em alguns casos, reaparecem após uma semana ou um mês. A este fenômeno dá-se o nome de “flashback”, que provoca efeitos no usuário mesmo que não tenha havido nova administração da droga, e decorre do acúmulo da substância no organismo. Ao utilizá-la o usuário sente, incialmente, o aumento das batidas do coração, dilatação da pupila, agitação, inquietação, tremores e fraqueza, associadas a alterações mentais. Surgem, então, as alucinações visuais, povoadas por imagens coloridas, atreladas ao erotismo e à desinibição. Em alguns casos podem ocorrer ataques de pânico, que rotineiramente levam o usuário ao suicídio ante a sensação de onipotência. Sob o efeito da droga, durante a “viagem”, o indivíduo tem a sensação de que é outra pessoa, que corresponde à ação “despersonalizante da droga”. Estes episódios são marcados por transtornos de percepção de curta duração, que geram, por exemplo, distorções visuais, emoção intensa, e sensação de movimento de objeto fixo.58

Dentre os alucinógenos também se destacam os cogumelos, integrantes da família Agaricae, presente no mundo todo, e abarca os gêneros Amanita e Psilocybe. Os Amanita englobam os cogumelos utilizados para o consumo humano, bem como os alucinógenos e venenosos. Em virtude de sua similaridade, é possível confundí-los facilmente, o que pode levar a intoxicações. Os vickings se valiam da Amanita muscaria como tonificante antes dos embates, e o seu destemor estava associado ao uso destes cogumelos. Os gregos, reconhecidos por seu apreço pela beleza física, também utilizavam estas substâncias antes dos

56 ALCÂNTARA, Hermes Rodrigues de; BRASIL, Otávio Américo Medeiros. Toxicologia Geral :

envenenamentos, intoxicações, toxicomanias, diagnóstico, tratamento, aspectos forenses. São Paulo:

Organização Andrei Editora, 1974. p.243.

57 KOSOVSKI, Ester., op.cit.,p.40-42 58 Ibidem. p.43

jogos olímpicos. Os cogumelos do gênero Amanita contêm dois alucinógenos, o muscimol e o ácido ibotênico, responsáveis pela estimulação do sistema nervoso central. Sob o efeito destes, o usuário, inicialmente, padece de desorientação, sonolência e ausência de coordenação motora. Posteriormente é acometido por uma euforia intensa, alterações sensoriais (perturbações visuais intensas) e de humor que podem levar a acessos de fúria.59

Os cogumelos do gênero A. Muscaria são menos nocivos que os demais do gênero Amanita, altamente venenosos pela presença da toxina muscarina, que produz efeitos rápidos, embora seja raramente letal. Pode haver envenenamento, de outra sorte, pelas toxinas amatoxina e falotoxina, que produzem efeitos muitas horas após o uso, e há grande incidência de óbitos nestes casos. A muscarina causa intoxicação desencadeando cólicas, náuseas, vômitos, e arritmia cardíaca. Calha registrar ainda a existência do Psilocybe, que já era utilizado pelos astecas em seus rituais, que têm propriedades alucinógenas, e composição similar à serotonina e ao LSD. Dentre os efeitos deste destacam-se sonolência, visão turva e distorcida quanto à percepção das cores e formato dos objetos, dilatação de pupilas , euforia, e eventualmente, ansiedade60.

Outra substância alucinógena bastante conhecida é o “ecstasy”, ou metilenedoximetanfetamina (MDMA), que apresenta potencial de toxicidade superior ao do LSD e da maconha, e cujo uso em dose maiores pode levar a óbito.Esta droga é largamente utilizada por frequentadores de discotecas e raves, geralmente promovidas em locais a céu aberto, que podem durar dias. Trata-se de uma droga consumida por via oral, com a ingestão de comprimidos, e por vezes, em associação com bebidas alcoólicas, o que potencializa seus efeitos, e amplia os riscos. A droga leva a uma estado intenso de euforia e bem-estar, que pode se estender por até dez horas. Isto porque amplia a concentração de dopamina, minorando as dores, e da serotonina, associada a sensações de prazer61.

Mesmo que haja a ingestão substância em doses pequenas ocorre a elevação do ritmo cardíaco, consequentemente da pressão arterial e da temperatura do corpo, podendo desencadear febres altas e desidratação. Além disso, há o ressecamento da mucosa oral, supressão do apetite, náuseas, coceiras, câimbras musculares, contrações oculares, ausência de coordenação motora, insônia, dores de cabeça, espasmo do maxilar, dores de cabeça e depressão62.O Ecstasy ganhou notoriedade nos Estados Unidos ao ser utilizado por alguns

59 LONGENECKER, Gesina L. Drogas: ações e reações. Trad. Equipe Market Books. São Paulo: Market

Books, 2002.p.95-96

60 Id.Ibidem 61Id. Ibidem 62 Ibidem.p.67

terapeutas, supondo-se que poderia ser um atalho ao mundo inconsciente dos pacientes eu sofriam com alguns transtornos psíquicos.Sob efeito deste, supunha-se que seria possível desbloquear as lembranças dolorosas, mantidas numa redoma inconsciente, que inviabilizavam, por vezes, a vida em sua plenitude.

A ayahuasca é um preparado amargo feito à base de cipó, jagube ou mariri (Banisteropsis caapi), e uma erva chamada chacrona ou rainha (Psycotria viridis), que são macerados e levados para ferver por aproximadamente duas horas. A seita do Santo Daime surgiu na Amazônia, e foi criada por Raimundo Irineu da Serra, que aprendeu com os índios andinos a milenar cultura do uso deste chá. Estes rituais, regados a cânticos e danças, podem durar até dez horas e os adeptos se valem do preparado para manter contato com o mundo transcendental, ingressando num processo de busca pelo autoconhecimento. Em virtude da presença da dimetiltripnamina, presente na folha da chacrona, surgem as visões. A sua associação com o cipó, que impede que impede o metabolismo da tripnamina, permite uma maior duração de seus efeitos. Estas “mirações” ou visões, segundo os especialistas, liberam na mente do usuário certos aspectos bloqueados da psique. Uma vez ingerido, o chá provoca vômitos e cólicas abdominais, e seus efeitos são protraídos por até cinco horas, razão pela qual os usuários são supervisionados pelo Xamã63.

Esta bebida causa irritações estomacais e hepáticas, não constando na lista dos alucinógenos, e como tal, o seu uso não é proibido. A legislação brasileira admitiu a utilização deste composto nas cerimônias religiosas, em que pese proíba a veiculação de propaganda da ayahuasca. Alguns estudos têm sido desenvolvidos, e apontam para os benefícios desta substância no tratamento da depressão e ansiedade por seu potencial para afetar o estado de consciência do usuário. O chá seria a via de acesso a um estado mental de reflexão profunda, similar à meditação. Outras pesquisas também indicam seus efeitos benéficos no combate ao alcoolismo e ao abuso de outras drogas pelas alterações comportamentais que provoca. Há de se ressaltar, no entanto, que o uso da ayahuasca não pode ser deliberado simplesmente por ser um produto “natural”, sendo contraindicado para os esquizofrênicos e pessoas que padecem de transtorno bipolar64.

Há registros da utilização da maconha desde os primórdios da civilização, tendo sido referenciada no tratado de ervas medicinais de Pen Tsao, há 4.700 anos na China, por seu

63 ARATANGY, Lidia Rosenberg. Doces Venenos: Conversas e Desconversas sobre as Drogas. 4.ed. São

Paulo: Olho D’água, 1991.p.150-151.

64 Pesquisas testam potencial benefício da ayahuasca contra a depressão e dependência. Associação Brasileira de

Psiquiatria. Disponível em: <http://www.abpbrasil.org.br/medicos/clipping/exibClipping/?clipping=11628>. Acesso: 18 fev.2013.

potencial anestésico. Na Índia o seu extrato era utilizado como medicamento desde a Antiguidade, atuando como hipnótico, analgésico e espasmolítico. Quando houve a colonização do país pelos ingleses, a maconha passou a ser exportada para o mundo inteiro por suas propriedades analgésicas. As fibras do caule do cânhamo eram a matéria-prima utilizada nos tecidos e papéis das velas das embarcações e das pinturas renascentistas. A maconha é um arbusto que se desenvolve facilmente em quase todas as espécies de solo e de clima, no entanto, é preciso uma ambiência favorável para a síntese do seu princípio ativo, que é o tetraidrocanabinol (THC)65.

Ao logo dos séculos o apreço pela cannabis foi propagado pelo mundo, tendo sido utilizada por diversos povos, com múltiplas finalidades. Nos trópicos e nos lugares montanhosos o florescimento desta planta gerava a produção de uma resina viscosa, que é a responsável pelos efeitos psicoativos, e em locais de clima mais rigoroso, suas flores são menos úmidas por haver menor incidência dos raios solares. Por sua premente facilidade de cultivo era muito apreciada pelas camadas mais pobres da sociedade, dentre as quais os escravos, imigrantes, artistas e agricultores, sendo assim, mais suscetível à proibição66. Os

efeitos da maconha variam conforme a quantidade utilizada, a via de administração e a sensibilidade do indivíduo. Dentre as repercussões físicas destacam-se a secura na mucosa oral, a vermelhidão da conjuntiva e a taquicardia.

Esta droga leva ainda ao decréscimo nas taxas de testosterona, reduzindo-se o número de células germinativas masculinas, o que pode implicar em limitação da fertilidade. A descontinuidade do uso, no entanto, permite a reversibilidade do problema após algumas semanas. Há indícios de que o uso da maconha, assim como o tabaco, pode desencadear o desenvolvimento de câncer do pulmão em razão da presença do benzopireno, contido nas folhas do tabaco e da cannabis. É possível que provoque intoxicação, acessos de euforia ou sonolência, associadas a um estado deprimido, podendo ainda haver a perda da discriminação de tempo e espaço, o que compromete a realização de cálculos, bem como a perda de memória a curto prazo67.

Como se depreende do exposto, muitos produtos que são comercializados normalmente como os energéticos, as acetonas, as colas, o tabaco, o álcool etc., malgrado causem dependência e alterem o estado psíquico de seus usuários, não são fiscalizados. Nota- se, então, que a diferença entre os produtos “lícitos e ilícitos” decorre de mero arbítrio

65 BURGIERMAN, Denis Russo. O fim da Guerra : a maconha e a criação de um novo sistema para lidar

com as drogas. São Paulo: Leya, 2011.p.62-64.

66Ibidem. p.66-75.

legislativo e atende a um critério puramente moralizador. As drogas “ não são boas nem más”, podendo oferecer benefícios por um lado, e uma série de efeitos adversos por outro. Muitos adultos, crianças e adolescentes costumam utilizá-las por motivos variados. Problemas associados à desestrutura familiar, à baixa auto-estima, à pobreza, à marginalidade, às inquietações típicas da adolescência e à necessidade de se engajar num determinado grupo são alguns dos fatores que levam ao consumo de substâncias psicoativas. Na adolescência este impacto negativo é ainda mais latente por ser a porta de entrada para a prática de sexo inseguro, à exposição a situações de violência, acidentes de trânsito, e às implicações fisiológicas, pois o organismo ainda se encontra em desenvolvimento68. Sobre estas questões

de foro íntimo que induzem os atores sociais a refugiar-se nas drogas cabe transcrever o seguinte:

(...) cada ser humano consumirá essa ou aquela droga, na medida de suas necessidades subjetivas e sociais. Não são as drogas que fazem os humanos – já foi dito; são os humanos que fazem as drogas ou, se dissermos de outro modo, em função dos buracos/ faltas que constituem a estrutura de nossas histórias. Alguns de nossos filhos terão pequenos espaços para as drogas em suas vidas; outros filhos nossos encontrarão mais facilmente nas drogas a possibilidade de suportar o horror da exclusão pelo nascimento. Entre uma história e outra, há todas as possibilidades- a vida é móbile. Nossos nascimentos não são garantias inelutáveis de destino, mas portam a semente do que poderemos ser. Nesse sentido, o uso de drogas será, sempre, indiscutivelmente, uma questão humana69.

O caminho rumo à libertação das drogas é tenebroso, e nem sempre o êxito é alcançado. A tentação da recaída, por vezes, é mais forte que o propósito de se manter “alforriado”, e a efetividade do tratamento esta diretamente associada ao envolvimento no trabalho e na escola,e à rede de suporte familiar, social e profissional. A política mais racional e efetiva no combate ao uso de drogas, sem sombra de dúvidas, é a de natureza preventiva, que carece, no entanto, de maiores discussões. Adota-se como regra, ao revés, o cômodo proibicionismo, sem que sejam atingidos os efeitos almejados, quais sejam a contenção do consumo e tráfico. O uso de drogas, diferentemente, tem se elevado com o transcurso do tempo, e paradoxalmente, este tem sido o arrimo para o desastrado recrudescimento da ação estatal acompanhado do fortalecimento das organizações criminosas.

A persecução das instâncias formais de controle tem alvejado os “bodes expiatórios” do sistema penal seletivo, perpetuando-se a lógica da impunidade dos mais ricos,

68 MARQUES, Ana Cecília Petta Roselli. Adolescência: fatores de proteção e de risco relacionados ao uso de

drogas. In: Adolescência, Drogas e Violência: Proteger é preciso. Org.Gilberto Lúcio da Silva et al. Recife: Bagaço, 2008. p.26-27.

69 NERY FILHO, Antônio. Por que os Humanos usam drogas? In: As drogas na contemporaneidade:

e sancionamento dos pobres. Estes últimos são elementos descartáveis na teia do tráfico, e como tal, facilmente substituíveis por outros indivíduos em idêntica situação de risco social. De outro lado, os mais aquinhoados, os verdadeiros articuladores das transações ilícitas, são “despenalizados” por força do status social, perpetuando-se o reino da impunidade. Para que melhor se compreenda o quanto afirmado, mister se faz tecer algumas considerações sobre o apogeu das organizações criminosas e a sua afetação social. Neste ínterim buscar-se-á enfocar o modelo de persecução penal adotado pelos Estados ao longo do tempo, seguindo-se à instituição do Direito Penal do Inimigo. Este viés da reprimenda austera e reprovável, particularmente com o incremento da dignidade humana como valor basilar, tem sido adotado como estratégia de combate às drogas no Brasil e em alguns países do mundo.

Documentos relacionados