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Foto 33 – As trocas entre as crianças

4.1 O DESENHO COMO EXPRESSÃO DAS CRIANÇAS SOBRE A EXPERIÊNCIA

4.1.4 Aluno como invenção institucional: conformação pedagógica

“Não são apenas os prisioneiros que são tratados como crianças, mas as crianças como prisioneiras. As crianças sofrem uma infantilização que não é delas. Nesse sentido, é verdade que as escolas se parecem um pouco com as prisões...”

FOUCAULT (1979)

Resgatando do espelho teórico dessa investigação, Reflexions sur L’Éducation, Kant (1974, p. 73) defende o processo de escolarização como necessário à travessia do homem natural para o homem racional, capacitando-o para adequar-se às normas sociais, dotando-o de autocontrole, o que, mediante a coesão social, garantiria sua sobrevivência.

Cabe ressaltar que Kant referia-se à escolarização pública no contexto do iluminismo, cujo pensamento educacional focava a emancipação do homem e a formação do cidadão. Entretanto, estes conceitos de emancipação e cidadania eram norteados por princípios como: respeito, obediência, tolerância, disciplina, prudência,

determinação e, dentre outros princípios morais, o dever em relação à sociedade, distanciando-se das propostas características (em curso) do mundo medieval.

Petitat (1994) considera como o fenômeno mais marcante da história das instituições escolares a instituição e disseminação de colégios a partir do século XVI, incluindo os hospitia, alojamentos para estudantes pobres.

Assim, a dispersão dos ensinos individuais sucedeu um agrupamento de estudantes e de professores em um certo número de estabelecimentos. Importantes transformações no ensino acompanham esse movimento de concentração, referentes ao controle exercido sobre os estudantes, às matérias ensinadas, à criação de graus e classes (PETITAT, 1994, p. 77).

Fica evidente a transformação profunda em relação à disciplina dos estudantes, que passam a ser submetidos a uma contínua supervisão, à gradação sistemática das matérias e à seqüenciação dos saberes. Introduzem-se, desta maneira, as séries, as turmas e os graus escolares e, conseqüentemente, instituições divididas em classes, organizadas segundo a idade e o desenvolvimento dos alunos, os “ritos de instituição” para usar os termos de Bourdieu. De acordo com este autor, falar em rito de instituição é

indicar que qualquer rito tende a consagrar ou a legitimar, isto é, a fazer desconhecer como arbitrário e a reconhecer como legítimo e natural um limite arbitrário, ou melhor, a operar solenemente, de maneira lícita e extraordinária, uma transgressão dos limites constitutivos da ordem social (BOURDIEU, 1998, p. 98).

Essas características de organização escolar aperfeiçoam-se e consolidam-se até hoje, desembocando em instituições para crianças pequenas, crianças, adolescentes, jovens e adultos, privilegiando-se o dever do Estado de atender ao direito de acessar e freqüentar tais instituições.

A inclusão das crianças em uma instituição oficial pública, como é a escola, regida por um conjunto de convenções, normas, programas, graus e saberes

“funciona como códigos de permissão e interdição” (ELIAS, 1989, p. 529), fazendo com que cada um entenda como natural os muros que lhe são impostos ou a que está submetido. Esta questão pode ser visualizada no desenho da Pámela (desenho 18).

Desenho 18 – Pámela: 8 anos.

Esses códigos, em grande parte ainda desconhecidos pelas crianças, supõem a internalização dessas convenções para a transformação delas em uma nova categoria social: a de alunos, assim referida por Milstein e Mendes (1999, p. 100): crianças que internalizarão os modos apropriados de atuar na escola e como condição fundamental para o ensino e aprendizagem dos conteúdos curriculares. Elias, considera ainda que “o código social de conduta grava-se de tal forma no ser humano [...] que se torna elemento constituinte do indivíduo” (ELIAS, 1994, p. 189). O que fica evidenciado no desenho da Caroline e do Ariel (desenhos 19 e 20).

Desenho 19 – Caroline: 8 anos.

Desenho 20 – Ariel: 8 anos.

Os desenhos das crianças denotam que as regras implícitas nas maneiras de estar, mover-se, falar e atuar na escola, são apreendidas no curso das interações

estabelecidas entre adulto-criança, criança-criança, mediante sinais que constituem o que é “naturalmente” a escola, os lugares e momentos da vida escolar, aspectos que se evidenciaram durante as conversas com as crianças.

- Pesquisadora: vocês podem decidir o que querem fazer na sala de aula? - Crianças: não. (respondem com uma só voz)

- Pesquisadora: quem é que decide? - Ariane: a professora.

- Pesquisadora: amanhã terá uma feira de ciências na escola, vocês irão participar?

- Caroline: vamos. A gente fez uma maquete. - Pesquisadora: maquete sobre o quê?

- Caroline: sobre o meio ambiente.

- Pesquisadora: por que vocês escolheram o tema meio ambiente?

- Patrícia: não foi a gente, foi a professora, era o trabalho que ela deu para a gente fazer.

As crianças, de acordo com Tonucci (2005, p. 19),

estão acostumadas a não serem ouvidas ou a serem admiradas sem nunca serem levadas a sério, por isso não as surpreende e tampouco as decepciona excessivamente o desinteresse dos adultos.

Nos dados empíricos, freqüentemente há indícios de que as crianças têm sua liberdade administrada e estão, desde sempre, inseridas num mundo regrado, ao qual elas gradativamente devem submeter-se, e delas se espera e se exige cada vez mais sentido. Kant (1996, p. 34) dizia que: “é preciso habituar o educando a suportar que sua liberdade seja submetida ao constrangimento de outrem [...] sem essa condição [...], terminada a sua educação, não saberá usar sua liberdade”. Nas

expressões de Ariane, Caroline e Patrícia há claras indicações de que o eco das palavras de Kant está ainda hoje muito presente nas escolas e a professora é alguém que controla, administra, e cuja palavra tem força de regra, e que as crianças absorvem o modelo para submissão e não para a criação de autonomia. Ainda com relação à hierarquização dos lugares ocupados pelos interlocutores, Carvalho (1997, p. 171) assinala que

a professora é, na dinâmica discursiva, a representante autorizada da escola e da sociedade. A ela é atribuído não só o poder, mas a responsabilidade de instaurar e assegurar as relações de ensino na sala de aula.

O desenho de Rafaela é revelador desse lugar institucional de onde fala a professora, quando destaca o termo “isso” no sentido de aprovação da ação da criança (desenho 21).

Desenho 21 – Rafaela: 7 anos.

Os processos pedagógicos aqui evidenciados pressupõem que se instala ou se tecem os fios da conformação pedagógica, mediante a cultura de posturas hegemônicas. Segundo Esteban (2004, p. 134) a educação escolar é demarcada por

ações que enfatizam a transmissão e a reprodução de conhecimentos, impedindo e/ou dificultando o diálogo entre os atores sociais circunscritos ao cotidiano escolar. Essa cultura impede a expressão dos conhecimentos que as crianças possuem e desqualifica os saberes das classes populares constitutivas da maioria das escolas públicas. Os atos inscritos na dinâmica do conhecimento têm a “ordem” como eixo norteador, instaurando procedimentos que silenciam e que expressam a impossibilidade de ruptura, de desordem e disciplina.

O silenciamento das crianças está vinculado a processos sociais hierarquizados, onde se diz que “os professores impõem aos alunos normas tão rígidas quanto aquelas a que estão submetidas, tendo os pais como seus fiadores” (GUIMARÃES, 2003, p. 63).

No trecho abaixo seguem as falas de Fernanda, Gabriela e Júlia, que, sentadas na mesa para desenhar, revelam o que elas não gostam de fazer na escola, especificamente, na sala de aula:

- Pesquisadora: quando vocês chegam à sala de aula, o que vocês fazem primeiro?

- Fernanda: a gente fica sentada, primeiro a professora faz a chamada e depois a gente faz atividade.

- Pesquisadora: e o que é fazer atividade?

- Fernanda: a professora escreve no quadro e a gente copia.

O caso de Fernanda indica a crueldade do processo de iniciação a que são submetidas as crianças das primeiras séries que, conforme Guattari (1987, p. 53), “consiste em extirpar da criança o mais cedo possível, sua capacidade de expressão em adaptá-la, o mais cedo possível aos valores, significações e comportamentos dominantes”.

Segue o diálogo:

- Pesquisadora: vocês têm muita coisa para copiar do quadro?

- Gabriela: tem, um monte de coisa. Eu quase não consigo copiar tudo. Eu não gosto de copiar do quadro... eu canso.

- Pesquisadora: mas é tanta coisa assim para copiar? - Gabriela: às vezes tem que copiar um texto.

- Pesquisadora: quantas atividades você acha que deveriam ser copiadas do quadro?

- Gabriela: só ... cinco linhas.

- Júlia (intervém): posso te falar um negócio, Rosana? Eu acho muito chato, coisa que eu não gosto é de montar palavras.

Nas expressões dessas crianças foi relevante o grande valor dado à escrita. Um valor além do exercício de uma competência, ficando claro que para as professoras o ato de escrever é uma “ocupação” e a cópia, do quadro, é o que dá sentido a essa “ocupação”. O ato de permanecer sentado para copiar forja a constituição de uma corporeidade escolar onde a adequação do corpo bio-psíquico- social molda o cotidiano nas escolas, estando aí implícita a conformação pedagógica que dá sentido e sustentação ao desenvolvimento da especificidade, do lugar próprio da escola no interior de nossas formações sociais.

Gabriela e Júlia ao explicitarem o que não gostam de fazer na sala de aula trazem à tona que ler e escrever ainda são preocupações centrais do ensino nas escolas.

Para corroborar o que Gabriela e Júlia manifestam, descrevemos uma cena observada pela pesquisadora:

- As crianças estão copiando atividades do quadro. Uma menina começa a chorar e diz que está muito cansada, que não da conta de escrever como a professora quer. Então a professora olha para ela e diz: “você está fazendo cena por quê? Você sabe fazer sim!” Então aproxima-se da carteira, olha o caderno da menina e fala: “você vai apagar tudo isso e vai fazer de novo, com muito capricho”. Depois a professora volta-se para a turma e adverte: “quem não copiou tudo terá que ficar depois do horário”. E continua: “quem não terminou de copiar, a professora vai escrever no caderno assim: não copiou porque estava andando e fazendo bagunça na sala” (diário de campo, 24/05/2004).

Os desenhos de Bruna, Kamila e Fernanda (desenhos 22, 23 e 24) também manifestam essa exigência.

Desenho 23 – Kamila: 8 anos.

As instituições educativas, ao sobrecarregarem as crianças com atividades de escrita, impedem-nas de fazer aquilo que é próprio delas: brincar. As crianças não brincam ou estão brincando menos, devido às obrigações escolares. Este não brincar tem sido uma opressão consentida e naturalizada por pais e educadores. Iturra (2002, p. 19), buscando características para entender a epistemologia infantil, identifica diferenças em relação à forma de compreender e se relacionar com o real entre crianças e adultos. Se esses últimos executam uma ação pensando nas causas e conseqüências que se vinculam a ela, as crianças, por sua vez, estarão mais motivadas pelo aprazimento imediato que a ação possibilita. O mesmo autor identificou, também em suas pesquisas com crianças, uma tendência que estas possuem de escapar da realidade, em função do real que é apresentado pelos adultos muitas vezes de forma ininteligível, melindrando as crianças.

A seguir, no desenho da Bruna (desenho 25) fica claro que as crianças sabem da importância das tarefas escolares, mas não se fixam e não se contentam com isso, pois desejam continuar a ser crianças, então burlam a vigilância dos adultos e transformam a atividade, que muitas vezes é chata e morosa, em oportunidade para brincar. Desta forma, elas nos ensinam a transformar o que é sério e chato em lúdico e prazeroso, ou melhor, mostram ao adulto “verdades que ele já não consegue ouvir ou enxergar” (PEREIRA; SOUZA, 1998, p. 36). Diante disso, é possível compreender as saídas encontradas pelas crianças protagonistas da pesquisa no sentido de assegurar sua infância na escola.

A relação entre escola e lúdico remete-nos uma vez mais para Tonucci (2005, p. 66) que sugere:

A escola, de qualquer nível e de qualquer país, deveria se interrogar a respeito do tema do jogo, que, de qualquer maneira, representa o interesse maior para os próprios alunos. Deveria procurar compreender se e como o jogo poderia entrar nas turmas, nos programas, nas relações entre

estudantes, entre estudantes e docentes e entre os docentes. Poderia ser uma maneira nova e provavelmente mais eficaz de enfrentar o problema complexo da disciplina e aquele problema aparentemente insolúvel da falta de amor dos alunos em relação à escola.

Desenho 25 – Bruna: 8 anos.

O processo de conformação ao qual são submetidas as crianças é explicitado por Foucault (1979) quando afirma que os mecanismos que atingem os corpos dos indivíduos, inserindo-se em seus gestos, atitudes, seus discursos, sua aprendizagem, sua vida social, são de grande importância para a educação. Segundo o autor em pauta, tomar consciência do funcionamento do processo de conformação poderá provocar transformações na sociedade por não serem, ainda de acordo com Foucault, oriundos do poder único e centralizador do Estado, mas que funcionam fora, abaixo, como aparelho de Estado em um nível elementar, neste caso, a escola.

As expressões das crianças que se seguem, representadas por Júlia, Gabriel, Rejane e Emerson, reforçam que a escola tem sido um local de silenciamento e exclusão para elas.

- Pesquisadora: o que acontece quando vocês fazem bagunça na sala de aula?

- Fernanda: ah! A professora manda falar com a diretora. - Pesquisadora: e o que faz a diretora?

- Júlia: ela briga com a gente, manda bilhetinho para casa, e quando a gente leva bronca um monte de vezes, a gente vai embora da escola.

- Pesquisadora: como assim vai embora da escola? - Júlia: é expulso da escola.

- Pesquisadora: o que é ser expulso?

- Gabriel: é quando a gente faz alguma coisa que não é para fazer... daí a gente é expulso.

Desta forma, na escola, as crianças vão construindo conceitos a respeito do castigo76. De acordo com Silva (2003, p. 122)

a idéia de castigo decorre invariavelmente da concepção de que as condutas das crianças não correspondem a um determinado padrão preestabelecido pela escola e que, portanto, merecem ser punidas, castigadas até que elas aprendam.

Quinteiro (2002, p. 37) denuncia a primazia estabelecida na relação dos adultos com as crianças, pulverizada nas práticas pedagógicas. Escreve a autora que “o potencial de segregação e de autoritarismo presentes nas relações pedagógicas não permitem à criança construir o seu próprio universo,

76 Há ainda uma série de castigos comuns nos ambientes educacionais, muitos deles

relacionados a privações corporais como: poder ou não ir para o recreio, levantar da carteira, ir ao banheiro, tomar água, participar da aula de educação física, entre outros.

desrespeitando, inclusive, a complexidade que tal construção exige”. E fazendo uma crítica, complementa a autora: “a instituição escolar não apenas rouba da criança a sua possibilidade de viver a infância, mas sobretudo coloca-a à margem do processo de escolarização, levando essa a engrossar o contingente da exclusão social”.

Prosseguindo,

- Emerson: eu já fui expulso lá do SESC. - Pesquisadora: por quê?

- Emerson: eu fiz “arte” lá. (risos).

- Pesquisadora: qual foi a arte que você fez? - Emerson: agora eu não vou falar.

Essas regras estão implícitas nas maneiras de estar, mover-se, falar e atuar na escola são ensinadas e aprendidas no curso das interações que formam parte do que “é naturalmente a escola”, inscrevendo nas crianças gradativamente a percepção das diferenças entre o certo e o errado, o adequado e o não adequado, de atos de disciplina e indisciplina em cada momento e lugar da vida escolar.

Podemos observar mais claramente essa dinâmica no seguinte fragmento de diálogo:

- Júlia: a gente só pode brincar na hora do lanche, na sala não. - Pesquisadora: por quê?

- Fernanda (se antecipa): porque a gente tem que fazer tarefa... tarefa... tarefa, tem que fazer tudo o que a professora dá, ler, ficar quieto, não sair da mesa, nem pegar lápis do amigo.

Observa-se, a partir da fala de Júlia e Fernanda, que as marcas do conhecimento-regulação77 são fortes e estão presentes em muitas situações que denotam a construção da conformação pedagógica. Porém, nos espaços possíveis ou criados pelas crianças nos pequenos atos cotidianos, nos encontros e desencontros, nas tentativas de transgressão e ruptura, nas artes tramadas silenciosamente com os colegas, é possível encontrar pistas do conhecimento- emancipação78. Essas práticas são práticas configuradas nas fronteiras em que transitam eu-outro permanência-transformação, visibilidade-invisibilidade, entre tantas outras, formadas por opostos, que representam a tessitura do cotidiano infantil e que podem também serem entendidas como ritos de iniciação para o processo de adultização. O diálogo de Natália e os desenhos de Andresa e Isabela a seguir reafirmam a questão (desenhos 26 e 27).

- Pesquisadora: o que é ser criança?

- Natália: é brincar, não pensar em nada... só brincar. - Pesquisadora: e aluno?

- Natália: é pensar muito, estudar... - Pesquisadora: pensar o quê?

- Natália: como vai passar de ano, ser muito atenciosa... - Pesquisadora: o que é ser atenciosa?

- Natália: é prestar bem atenção em tudo que a professora fala, para passar de ano e ficar inteligente.

Esta questão também pode ser observada na fala da professora, conforme diário de campo de 18/05/2004:

77 Conceito utilizado por Boaventura S. Santos, para indicar a aprendizagem de modos

sociais – conteúdos moralizantes na obra A crítica da razão indolente. Porto: Afrontamento, 2000.

- “hoje vocês não estão colaborando. Sem concentração vocês não irão aprender nada. Olhem para mim, escutem o que eu vou dizer.” E a professora adverte: “Psiu! Primeira série, tem muita conversa, assim não dá! Vocês precisam ter concentração para aprender. (diário de campo, 18/05/2004).

Desenho 27 – Isabela: 7 anos.

Ainda com referência às regras e às normas disciplinares as crianças expressaram que nem sempre respeitam os acordos ou o que é determinado pelos adultos, ou melhor, elas revelam que criam determinadas estratégias para fugir das exigências da professora durante as aulas. Para Arroyo as crianças constantemente nos surpreendem e desarticulam. Diz ele: “a infância nos reeduca, porque consegue escapar até à barbárie dos adultos que tentam esmagá-la” (2000, p. 251).

- Pesquisadora: por que vocês não podem conversar na sala de aula? - Lucas: por que tem que deixar os colegas se concentrarem.

- Pesquisadora: - por quê?

- Lucas: porque quando a gente conversa ou brinca, atrapalha os outros. - Pesquisadora: quem disse que atrapalha?

- Júlia: a professora, porque já é a primeira série. Então às vezes a gente sai para beber água só para a gente brincar, e daí todo mundo quer ir junto... (risos)... a

gente fala assim: vai lá pede para tomar água, daí a gente vai no banheiro e brinca de pega-pega, de correr...

- Pesquisadora: e quando vocês voltam para a sala de aula o que acontece? - Júlia: a professora briga e diz que a gente está incomodando.

- Pesquisadora: o que significa incomodar?

- Gabriel: incomodar é... tipo assim... desobedecer, bagunçar. - Pesquisadora: o que é desobedecer?

- Gabriel: é quando alguém manda e a gente faz outra coisa.

O diálogo com Lucas, Júlia e Gabriel também revela que as crianças atribuem outras significações e sentidos sobre as coisas à sua volta e, sobretudo ao que fazem transcendendo as regras instituídas pelos adultos e instituindo outras com seus pares. Elas utilizam-se dos laços de amizade e cumplicidade para ampliar os pactos, as invenções, as criações, enfim, as culturas infantis.

Os dados coletados também revelam que a criança, enquanto aluno, constituído institucionalmente, vivenciando ações que estamos designando de conformação pedagógica, não perde a especificidade infantil, a criança acaba construindo maneiras de transgredir o espaço de conformação. É justamente isso que demonstra que a criança assume um papel ativo no interior da dinâmica escolar, como representa Cauê (desenho 28).

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