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CAPÍTULO 3 O gênero no processo ensino-aprendizagem

3.3 As metáforas: os simbolismos que conceituam os cursos de Construções Prediais e

3.3.3 Os alunos de Controle Tecnológico de Obras: nada de novo no front

O título desta subseção incorpora o nome de um romance de Erich Maria Remarque,

“Nada de novo no front”, que tem como pano de fundo a indiferença do povo alemão em relação

aos soldados que retornam do front – frente de batalha - na Primeira Guerra Mundial. Nesse sentido esse título, no contexto cultural brasileiro, significa ausência de mudanças diante de uma determinada situação que exigiria de per se modificação. Quando, por exemplo, se debate sobre a estrutura social brasileira pode-se dizer que não há “nada de novo no front”, para explicar que as mazelas sociais, oriundas da concentração de renda, ainda persistem no cenário brasileiro.

Nesta subseção a expressão “nada de novo no front” foi empregada para apontar que, de onde se esperava mais tolerância e contemporaneidade em relação a uma quebra da dominação masculina na engenharia, neste estudo, nada mudou. Essa expectativa era em relação aos alunos. Mas foi entre esses sujeitos, os alunos, que se detectou os maiores entraves à participação feminina, no que diz respeito a idéias e posicionamentos. Em alguns momentos, de maneira acintosa, explícita, ficou marcada a discriminação em relação à mulher. Por sua vez o comportamento das mulheres, no sentido da análise das expressões metafóricas, foi o de se sentirem em uma arena de luta, tal como as professoras, nesse caso, em luta por uma respeitabilidade futura como profissionais da engenharia. A seguir, a exemplo das outras análises, os trechos que mais afloraram como metafóricos no grupo dos alunos de Controle Tecnológico de Obras.

1. O canteiro de obras como exclusividade masculina

Porque tem poeira na obra, é um lugar rústico e a mulher é apegada à beleza. Tem até piadinha com as mulheres com esse assunto de poeira, fizeram até gracinha com as mulheres.Tipo elas não foram feitas para isso, tipo assim.

A expressão “poeira”, usada pelos alunos, fortalece o preconceito em relação à mulher, como se a preocupação com a estética e a apresentação pessoal fosse exclusiva do sexo feminino e não, como é óbvio, de todo ser humano. Evidentemente que “poeira na obra” solidifica o canteiro de obras como espaço excludente para as mulheres, que reforça a manutenção da masculinidade. Em outras palavras, o canteiro de obras pode representar mais um espaço de exclusão das mulheres dentro da engenharia civil. Esse espaço de terreno onde se define uma

edificação seria tão hostil para as mulheres que estas não teriam lugar, ainda que fossem capacitadas como engenheiras civis, tecnologistas ou técnicas de nível médio.

2. O preconceito ancorado nas metáforas

[...] ele fez até um desenho no quadro de uma mulher em uma bancada de cozinha,era esfriar a barriga no tanque e esquentar a barriga no fogão [...]

[...] É porque eu não quis falar da turma do meio [...]

[...] (risos) quero ver a mulher dar palpite. Quem tem a parte intelectual melhor é que predomina

[...]na família quem comanda é o homem, a mulher, ela fica em segundo plano entendeu? A casa que é comandada por mulher é porque não tem marido. Onde tem marido é o marido que manda [...]

Os trechos acima explicitam claramente preconceitos não só em relação à mulher na engenharia, mas também em relação aos homossexuais. O primeiro fragmento discrimina a casa como algo a ser utilizado pela mulher, mas não concebido, projetado. A aluna nesse fragmento aponta a discriminação dos professores em relação ao papel da mulher na engenharia que seria restrito à cozinha, numa afirmação grosseira ao arrepio da constatação de que há engenheiras e arquitetas que projetam casas. O segundo fragmento é uma referência de um aluno aos alunos homossexuais que foi visto sempre de forma pejorativa pelos demais alunos nesse grupo de alunos do curso de Controle Tecnológico de Obras. O terceiro fragmento o aluno considera a opinião da mulher como palpite, preconceito ancorado na metáfora de caracterização da mulher como “palpiteira” que revela o mito de papéis pré-estabelecidos, nesse caso concedendo menos valor para a mulher. Nesse excerto está implícito que a parte intelectual virá dos homens e não das mulheres, ou de ambos, mas exclusivamente dos homens. O quarto excerto é inteiramente afirmativo em relação ao preconceito em relação às mulheres. Transfere para o termo “comando” a hierarquia das relações sociais e a submissão da mulher ao homem. Esse conceito explica, de modo claro que a visão de sociedade, de mundo, do falante ainda é, a grosso modo, comparável aos padrões vigentes nos anos 1950 e 1960, antes da revolução cultural dos anos 1970.

3. As guerreiras do curso de Controle Tecnológico de Obras

[...]existem as guerreiras, essas que pensam dessa forma que é para homem e tal, estão pensando na situação do momento. A hora é de luta e de avançar para as melhorias, talvez as guerreiras somos nós que estamos aqui hoje nesse curso de Controle Tecnológico de Obras.

[...]e são essas as mulheres guerreiras que vêem, que podem modificar, que a gente pode estar lutando para que essa diversidade de gênero realmente aconteça.

[...] se nós não fossemos guerreiras, nós teríamos desistido.

[...] se nós pensamos que vamos ficar no escritório, com ar condicionado com uma cadeira confortável, a gente está totalmente enganada. Tem que aprender a lidar com o batidão

do dia-a-dia.

Os quatro trechos acima falam da luta da mulher para se tornarem visíveis na engenharia. Não se consideram, as falantes, todas alunas, que são vítimas, mas que estão em processo de luta para se estabelecerem como profissionais na construção civil, na engenharia. “Mulheres

guerreiras” e “guerreiras” são expressões que denotam um estado de prontidão das mulheres na

engenharia, como se a construção civil fosse um campo de batalha. Nessas expressões as falantes travestem-se com a adoção de um termo tipicamente masculino na cultura ocidental, por ser de natureza bélica. Talvez por que se tratava de um grupo misto, homens e mulheres, a necessidade de afirmação feminina na engenharia fosse acompanhada de termos que indicavam luta, hostilidade, semelhantes às professoras que falaram de conquistas de espaços, que induzem, também, a cenários de lutas.

4. O conforto de ser “homem” no curso de Controle Tecnológico de Obras

[...]Então para nós além de ter companheiras de fibra, de serem fortes, guerreiras elas também incentivam a gente a estudar. Elas estão juntos, estão presentes entendeu? [...]

[...] Porque elas têm fibra e vontade de mostrar que elas vão vencer custe o que custar, já os homens não estão preocupados com isso. [...]

Os dois trechos acima, fala de alunos do sexo masculino, funcionam como uma espécie de apologia às mulheres que atuam no contexto da construção civil. Contudo é um elogio às avessas. Para atuar nesse espaço as mulheres tem que se travestir – ter fibra, ser guerreira – pois só quem tem fibra e é guerreira pode assumir como tecnóloga ou engenheira. O segundo trecho é mais direto afirma, candidamente, que homens não precisam provar nada além de ser homens para estarem no curso de Controle de Obras. As mulheres precisam demonstrar, “custe o que custar”, que podem ser tecnólogas.