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Os alunos das primeiras séries e suas famílias na ótica dos elementos da escola

e suas relações “com o outro” no espaço escolar

3.1.5. Os alunos das primeiras séries e suas famílias na ótica dos elementos da escola

Mas quem são esses alunos da primeira série?

Tendo apresentado as funções exercidas e as relações estabelecidas entre direção, coordenadora pedagógica e professoras, descrevemos, sob a ótica dos profissionais da instituição, as primeiras séries do estabelecimento de ensino.

A diretora disse que o centro da atenção da escola deve ser com primeira série, por ser a base. Para ela, quando a primeira série é “boa”, o aluno consegue

aprender; a segunda, terceira e demais séries seriam apenas a continuidade.

A pré-escola, conforme esclarece a diretora, não alfabetiza. Portanto, o trabalho de alfabetização na primeira série é muito importante.

A grande maioria dos alunos freqüentou a pré- escola. Das seis salas de primeira série, a diretora acha que poderia tirar uma, cujos alunos não fizeram o ensino pré-escolar.

Perguntei se esse seria um fator que poderia afetar o desempenho da criança e a diretora respondeu que sim, ou seja, no pensamento da diretora, o aluno que não freqüenta a pré-escola pode vir a fracassar em seus estudos.

Explicou que, devido a um problema de ordem estrutural no início do aluno letivo, esta escola ficou com o maior número de vagas para atender crianças de primeira série. Assim sendo, passou a atender crianças também de outros bairros, como Jardim Veneza, Colônia Oscar Pedro que não eram atendidas antes nesta escola.

Criou-se, assim, a primeira série F da professora “2”, que ficou com os últimos alunos a chegar na escola. Em sua maioria, são alunos que não tinham freqüentado a pré-escola, pois os que havia freqüentado, tiveram suas matrículas realizadas automaticamente. Concentraram-se também nesta classe as crianças da colônia Oscar Pedro, uma favela que existe no município, que são alunos com mais dificuldade, porque “a realidade de lá”, nos dizeres da diretora, “não é nada fácil”.

Ao ser questionada se havia na proposta pedagógica da escola ações específicas para as primeiras séries, envolvendo professores, pais e alunos, a diretora

respondeu que não, pois o enfoque hoje não é mais por série e sim por ciclo.

Ainda que a escola administre os ciclos e não mais as séries, acreditamos que algumas ações poderiam ser diferenciadas entre as primeiras e as demais séries. Os pais “novatos” naquele ambiente escolar necessitariam de mais atenção – afinal, não conhecem a instituição de ensino. Além do mais, em ocasiões onde os pais são convidados a comparecer na escola, sem saberem como agir, se misturam aos demais e no atropelo, aprendem a “conviver” na nova ordem escolar, conforme pôde ser observado na primeira reunião de pais promovida pela escola e no Dia Nacional da Família na Escola. Condições estruturais para receber as famílias na escola são de suma importância quando esta tem a intenção de estabelecer interações.

Quanto à docência, segundo a direção as professoras vêm trabalhando com o construtivismo... Mas ela não impõe que deixem de trabalhar de maneira tradicional, até para que elas sintam-se seguras... “Você não pode impor alguma coisa assim tão forte...”.

Esse ano, segundo a diretora, estão encontrando mais dificuldade nas primeiras séries, e acredita que essa dificuldade tende até a “aumentar um pouco”, pois alega que a clientela é muito difícil:

“Nós temos alunos... muitos de Malacacheta... têm alunos de Rondônia... têm alunos de todo o lugar! Então, esse aluno... ele vem com uma história de vida, com... sabe, com... da concepção até os sete anos que é a idade que ele está freqüentando... seis, né, que esse ano nós temos muitos alunos com seis anos... A carga, sabe, de vida desses alunos, as dificuldades, foram muito grandes... isso afeta muito! Então aquele aluno que você trabalha diversificadamente, você... Tem aluno que você trabalha a letra do alfabeto, depois você volta para ele, e fala assim: - Que letrinha, bem... Ele não

entende o que nós estamos falando. E ele fica olhando para você... para a sua cara... Então esse aluno: o pai é drogado... a mãe que bebeu ou fumou durante a gravidez... má alimentação... Tudo isso são coisas, que: hoje ele tem aqui na escola, uma alimentação boa, né... Ele tem! Mas o que ficou... a gente sabe que o que ficou lá atrás afeta! Muita rejeição... E assim, sabe... a auto-estima, zero! Eles não acreditam neles!”

Ao ser questionada se ela chegou a fazer uma sondagem para ver se de fato esses pais são drogados, alcoólatras etc., a diretora disse que acredita nisso em virtude da própria história que eles contam e ela pede para que as professoras abram esse espaço na sala, pois pensa que eles precisam contar. Complementou a informação, dizendo que na entrevista informal que fez com os pais para inscrição no Programa Bolsa Escola, constatou que há muitos filhos de presidiários... Acrescentou que o enfoque não é nem tanto econômico, mas social e cultural. Disse que ainda se ouve os pais dizerem: “Mas minha filha, estudar pra quê?”

Segundo seu relato, enfrenta também problemas de ordem religiosa com as famílias dos alunos. No Carnaval, por exemplo, tiveram problemas terríveis. As professoras trabalhavam com textos, músicas... Conforme disse a diretora, “as crianças não precisam dançar a música. É apenas um texto, que não vai influenciar na conduta delas”. Alguns pais procuraram a escola para reclamar.

“Outra religião não permite a criança desenhar e pintar o seu desenho... A criança não pode assistir televisão...”

Indaguei se há muitas dessas religiões no bairro e a diretora respondeu que não há muita, mas há alguns casos...

Com relação ao como as professoras conduzem uma situação desta natureza, a diretora respondeu que precisam trabalhar com o pai. “Então o pai vem, tem que argumentar, explicar prá ele que isso não tem nada a ver...”

Questionei se eles se convencem, e a diretora disse não ser fácil...

Diante dos problemas expostos pela diretora, com relação às crianças de primeira série e suas famílias, foi levantada a problemática sobre esses “insucessos” e a progressão continuada. A visão da diretora neste sentido é a de que:

“Você não consegue mais aquele sucesso total, mas junto com isso vem o reforço e a recuperação em dois momentos durante o ano...”

Entretanto, para ela os alunos mais distantes não comparecem a essas atividades, apesar de a escola procurar estabelecer um “horário mais conveniente”, de maneira que pudessem sair da aula de manhã, almoçar na escola e já ficar para o reforço, indo embora apenas uma vez, aí o pai poderia vir buscar.

Salientou haver também o problema dos alunos que não vêm à aula e, portanto, ao reforço também, pois há muitos problemas de falta. Esse problema ocorre porquê:

“tem muitas crianças aqui que ficam sozinhas em casa. A mãe sai para trabalhar e a criança fica em casa. Aqui tem o centro comunitário que recebe um bom número de alunos... mas ainda temos alunos que ficam em casa sozinhos... a mãe sai e o filho não vem para a aula... É por isso que temos que trabalhar muito a auto-estima deste aluno e convencê-lo de que a escola é o melhor lugar para ele... Porque ele precisa da escola...”

Ao ser questionada se não achava difícil uma criança de primeira série se conscientizar disso, a diretora disse que não, pois a criança gosta da escola. Disse também, que não encontrou ainda a maneira de atrair a criança à aula e às vezes se pergunta:

“Será que essa escola, que nós estamos oferecendo, que essa aula, é aquilo que a criança espera? Porque da escola ela gosta... A criança vem à escola, assim... pelo fato que tem uma boa merenda, ela tem duas refeições, é um ambiente agradável... Tem muita criança que tem assim, uma história de vida que a mãe bate, sabe? Que tem problema familiar... E aqui na escola ela encontra um ambiente melhor...”

Levantou-se então, a problemática: Se a criança gosta da escola, porque ela não vem?

Segundo a diretora, não enxergando a própria contradição sobre o quê acabara de dizer, colocou que muitas vezes o problema é da família:

“O pai... não todos, mas a grande maioria... eles não têm o compromisso com a educação dos filhos... O acompanhamento... é isso que falta... Nós não podemos esquecer de que é uma criança de seis anos... temos muitas crianças de seis anos de idade... A gente não pode esperar que essa criança, por si, tenha maturidade suficiente para entender, suas necessidades de vir à escola... É preciso esse pai e essa mãe junto. E aqui nós temos um número de famílias totalmente desestruturada... a mãe... Houve uma época em que teve muitas mães adolescentes... e esses filhos estão agora aqui na escola e essa mãe não tem um compromisso... Então muitos... assim... ‘Eu estou morando lá embaixo, meu filho mora aqui com a minha mãe’...”

Quanto a isso prejudicar a aprendizagem da criança, seu ponto de vista é:

“Lógico... Não tem uma pessoa... Você faz reuniões com os pais... um dia vem o pai, outra vez vem mãe, outra vez vem a tia, outra vez vem a avó... ‘agora ele tá morando com a vó’ entendeu? Depois ele vai morar com a mãe... daí não dá certo lá com a mãe, com a família, com o marido da mãe, então ele volta para morar com a avó... Tudo isso... aqui, a gente vai aprendendo a observar todos os pontos e tudo isso vai influenciar.”

Será que as crianças sentem, ou se importam com isso? E a diretora... “Eu acho... eles são muito carentes...”.

E como as professoras lidam com isso? Para a diretora “o que a escola tem pedido é para que elas dêem espaço para a criança se manifestar e que não se assustem com as histórias”. Complementou dizendo que:

“ainda há um vínculo de afetividade muito grande nas professoras de primeira a quarta séries e muitas vezes isso faz com que seja suprido um pouco daquela afetividade perdida em casa.”

A título de exemplo, citou que as professoras cuidam dos alunos, fazendo curativos em seus machucados, levando-os para a casa... Fazendo um chá... Completou com a frase: “A carência afetiva dessas crianças é muito grande e eu acho que isso influi muito...”.

Diante do exposto, buscou-se a sua opinião, sobre como se sentiam as professoras sabendo de todas as dificuldades das crianças... Afinal elas poderiam resolver tais problemas?

A diretora disse que amenizavam essa carência. A escola não pode ficar voltada para toda essa complexidade e esquecer a sua função principal que é a pedagógica. Senão, a escola viraria a sede da assistência social... A direção fala que é preciso ter consciência de tudo isso, mas não