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A alvorada moderna e a expansão marítima

IV. Almada e as suas paisagens ao longo da História

4.4. Almada medieval e as suas gentes

4.4.3. A alvorada moderna e a expansão marítima

45 Escavação revelou quatro silos escavados na rocha e espólio numismático do reinado de D. Fernando

67 A entrada no século XV principia o período de expansão marítima do reino de Portugal, no qual este abraça a sua inegável génese marítima e coloca o a capital e o rio Tejo no centro das redes de comércio mais importantes da Europa.

Vivendo um período de grande prosperidade e vitalidade, a cidade de Almada vai conhecendo sucessivos desenvolvimentos. A ausência de uma cintura fortificada durante este século vai contribuir para o extravasar da malha urbana e da indefinição entre espaço rural e urbano. Por outro lado, o núcleo edificado que se começa a consolidar nas vizindades do Hospital de Santa Maria será o sítio escolhido para a acolher a Praça Nova, confirmado assim a irrevogável perda de importância da zona do Castelo. (António, Henriques, & Rosa, 2017, p. 23). Ademais, o adensar da malha urbana, durante o século XV, nesta zona, é corroborado pelos vestígios de habitações na Rua da Judiaria46, no sítio da Casa do Maestro Leonel Ferreira47, no sítio da Casa Pargana48 (atual Arquivo Histórico

Municipal) e ainda pelo destaque da Praça Nova (nas imediações do atual Largo Luís de Camões), onde viria a ser implementado o edifício dos Paços do Concelho. (Santos, Pereira, & Barros, 2006/2007, p. 39). O incremento demográfico e a expansão urbana estarão também intimamente ligadas ao surgimento de novos templos, como é o caso da Ermida do Espírito Santo (Almada). Esta ermida, mencionada nas fontes desde 1478 e onde o registo arqueológico inclui cerâmica enquadrável no século XV, está inserida nos arrabaldes da Almada baixo medieval e regista uma longa diacronia de utilização. (Henriques, António, Rosa, & Curate, 2011, p. 14).

Durante este período, a paisagem de Almada e do seu termo49 ficou marcada pela progressiva ocupação do território e pela complexificação dos núcleos habitacionais existentes50. A aldeia de Murfacém e o aglomerado da Caparica adquirem uma dimensão renovada com a constituição da Paróquia da Caparica, em 1472, por bula papal. A expansão da zona e a configuração de cinco lugares, entre os quais se destaca ainda a Sobreda, são reveladoras do desenvolvimento local e do seu crescimento face à vila de

46 As primeiras estruturas habitacionais, assentes sobre o nível de lixeira dos silos islâmicos, remontam ao

século XV. (Pequito, 2000a, p. 19).

47 “Alguns materiais recolhidos permitem conjeturar uma proposta de datação mais recuada, centrada em

meados do século XV (…). Esta perspetiva cronológica foi reforçada pelos resultados do estudo numismático.” (Henriques, António, & Rosa, 2014, p. 106).

48 “«Palácio» construído no século XV - XVI, cedido à CMA pela família Júdice Pargana para funcionar

como Arquivo Histórico.”

(http://arqueologia.patrimoniocultural.pt/index.php?sid=sitios&subsid=3182485 – consultada a 11.09.2019)

49 Região administrada pela vila de Almada. 50 Consultar Anexo T.

68 Almada e à sua paróquia de Santiago, onde estava anteriormente inserido. (Silva et al, 2013, p. 11).

Por outro lado, é neste período que se regista um impulso das referências às propriedades rurais e agrícolas nas fontes escritas. Na Ramalha (Almada/Pragal) registam-se várias quintas, entre elas a de S. João da Ramalha, de Tanoeiras e a de Castros. “Pela concentração de várias propriedades num território relativamente reduzido, é possível perceber tratar-se de parcelas de pequenas dimensões que, ao designarem-se como quintas, integrariam estruturas edificadas como casas e lagares”. (Gonçalves E. , 2012, p. 42). Na Trafaria verifica-se uma cada vez maior ocupação do território rural, tendo em conta o conjunto de quintas e capelas que pela zona se distribuíam (Leal, 2013, p. 33).

A descompartimentação geográfica e a expansão marítima tornaram o estuário do Tejo num ponto obrigatório nos trajetos comerciais europeus. O acentuar do comércio, durante o século XV, coloca a vila de Almada em contacto e negócio com grandes polos económicos, dos Países Baixos a Bruges e das cidades marítimas de Itália ao porto fluvial de Sevilha. (Santos, Pereira, & Barros, 2006/2007, p. 39). Os vestígios arqueológicos do sítio da Rua da Judiaria, nomeadamente a análise do espólio de vidros, permitem caracterizar a população de Almada nesta fase de intenso comércio internacionais. O século XV corresponde a um período no qual se constata a presença de classes sociais mais abastadas em Almada, tais como nobres, mercadores, joalheiros, ourives, entre outros, ligados ao comércio internacional e à exploração ultramarina. Os raros e luxosos recipientes de vidro, de origens francesa e italiana, anteriormente desconhecidos do registo arqueológico em território nacional, corroboram a presença e a vivência destas classes. (Medici, 2005, p. 536).

É inegável o papel de destaque que o porto de Lisboa, e por consequência o estuário do rio Tejo, adquirem nesta conjetura de grande dinamismo comercial e tecnológico Como tal, o reino de Portugal foi dos primeiros a desenvolver uma estratégia defensiva marítima. Foi com D. João II que se idealiza o primeiro sistema de defesa da barra do Tejo, para o qual se previa a construção de uma fortaleza na entrada norte (Cascais) e de uma fortaleza em ambas as margens no local de menor distância (Belém e Porto Brandão). Construída entre 1480 e 1486 e implantada verticalmente numa escarpa próxima do Porto Brandão, a Torre Velha51 foi a primeira fortaleza marítima desenhada

69 para acomodar a inovação tecnológica da pirobalística. Funcionaria num sistema que incorporaria nas décadas seguintes a Torre de São Vicente (ou de Belém), a Torre de Santo António (Cascais) e o Botafogo52. (Piedade, 2011, pp. 6-9).

Não obstante o incremento das rotas internacionais, assistimos também durante o século XV ao acentuar da lógica comercial entre Almada e a capital. Surge, nos finais do século XIV, o registo do lugar da Pedreira, na encosta que desce de Almada para Cacilhas, ganhando dinamismo e dimensão durante o século XV. Ainda que utilizada para a construção local foi, acima de tudo, desenhada para abastecer Lisboa, como comprova a literatura coeva, “refere cinco barcas que se dedicavam exclusivamente a essa tarefa, acrescentando: “Afirmaria cada uma [barca] trazer por ano trezentas viagens, cada viagem é de três barcadas […]”. (De Buarcos, João Brandão, A Grandeza e abastança de

Lisboa em 1552, citado em Oliveira, 2016, p. 182).