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IV. Almada e as suas paisagens ao longo da História

4.1. A paisagem Pré-Histórica

4.1.1. Os caçadores recolectores

Os vestígios arqueológicos mais antigos no concelho apontam para a presença de comunidades desde o Paleolítico Inferior. A ocupação humana caracterizava-se pela ocupação das zonas litorais em altura, nomeadamente das arribas da zona Norte e Oeste do concelho30. Os achados arqueológicos recolhidos na Vila Nova da Caparica e na Rua Garcia de Horta, em Almada, assim como nas zonas da Arriba Fóssil, na Fonte da Telha,

53 correspondem aos primeiros vestígios do homem pré-histórico no concelho de Almada. (Barros, 1998, p. 13).

A presença de comunidades do Paleolítico Médio está comprovada pelos vestígios arqueológicos das quintas de São Gabriel e São Miguel, ambas localizadas na Caparica (zona Noroeste do concelho). A fraca expressão material relativa a esta fase não comprova qualquer alteração a estratégias de ocupação, permitindo, no entanto, confirmar a utilização de sílex, a par do quartzito, nas indústrias líticas. (Barros, 1998, p. 14).

O Paleolítico Superior corresponde a uma fase à qual ainda não foi possível atribuir qualquer sítio arqueológico. No entanto, alguns dos vestígios materiais encontrados em diversas estações arqueológicas, que carecem de estudo mais aprofundado, apontam para a ocupação humana coincidente com este período. (Barros, 1998, p. 14). Este vazio material poderá ter também sido condicionado pelas alterações climáticas e geomorfológicas associadas à última glaciação, Würm. O rigoroso clima obrigou as comunidades humanas a adaptarem-se e a migrarem para regiões mais abrigadas, verificando-se a ocupação de grutas e cavernas, especialmente em zonas de calcário, das quais são exemplo as regiões próximas de Lisboa e da serra da Arrábida. A par dos constrangimentos climatéricos, a inexistência no concelho da principal matéria- prima para as indústrias líticas desta fase, o sílex, terá certamente favorecido os movimentos migratórios destas comunidades. (Duarte & Barros, 1984, p. 10).

A descoberta de materiais líticos Languedocenses, na zona da Caparica, nos sítios de Brielas e Ponta do Cabedelo, e na zona da Cova da Piedade, no sítio da Ramalha, apontam para o período do Epipaleolítico. Os sítios de Brielas e da Ponta do Cabedelo situam-se na zona da Arriba Fóssil da Caparica onde se deveria situar a linha de costa, providenciando meios de subsistência que tornavam atrativa a ocupação litoral. O sítio da Ramalha, inserido numa zona onde as dinâmicas fluviais proporcionavam proximidade com a bacia do Tejo, consequência do aumento do nível das águas, resultante do fim do período glaciar, apresentava igualmente condições favoráveis de subsistência e de ocupação. (Barros, 1998, p. 15).

O período do Mesolítico apresenta-se como uma das grandes incógnitas arqueológicas no concelho. Ainda que extensamente representado na zona interior dos estuários do Tejo e do Sado, especialmente em contexto de concheiros, em Almada regista-se uma total inexistência de vestígios correspondentes a este período. A falta de estudos compreensivos de espólio e de investigações arqueológicas no concelho, a par da

54 intensa ocupação do solo podem ter condicionado a recolha de materiais associados ao mesmo. (Barros, 1998, p. 16).

4..2. As comunidades agropastoris

A progressiva intensificação da domesticação animal, associada a um crescente domínio sobre o cultivo e a produção vegetal provocou profundas alterações nas comunidades humanas, imprimindo novas dinâmicas ao tecido social, económico e cultural, “(...) refletindo-se no incremento da diversificação e complexidade tecnológico

material, assim como nas alterações de estratégias de ocupação.” (Barros, 1998, p. 18),

anunciado o início do período Neolítico.

A paisagem do concelho, alterada no seguimento do fim da glaciação Würm, é marcada pela existência de um vale alagadiço, fruto dos degelos e consequente subida do nível das águas, no eixo Costa de Caparica – Cova da Piedade. (Duarte & Barros, 1984, p. 12).

Na fase do Neolítico Antigo a paisagem do concelho de Almada é definida pelos sítios do Alto do Índio (Sobreda) e Marco do Pacheco (Feijó), onde se estabeleceram, na margem sul do estiro fluvial, aglomerados populacionais caracterizados pela grande dispersão de vestígios materiais, com pontuais concentrações associadas a lareiras e a cabanas. A cultura material reflete as novas realidades tecnológicas, na qual se verifica a existência de mós, referentes à farinação de cereais ou frutos (bolota, entre outros), de cerâmicas, que representam necessidades de armazenamento e transporte de variados produtos (água, bagas, sementes, entre outros) e de polidores líticos, utilizados no fabrico de machados e enxós, por sua vez destinados ao abate florestal e à criação de área para cultivo. (Barros, 1998, p. 18).

A paisagem sofre durante o Neolítico Médio algumas alterações, fruto da deslocalização destas comunidades para zonas de maior potencial agrícola, especialmente terrenos argilosos, próximo de fontes de água doce, mantendo a proximidade com o mar ou o rio, fontes importantes de alimento e subsistência31. Nesta fase as ocupações humanas caracterizam-se por explorações de carácter misto, agregando produção agrícola e pecuária com recoleção e caça, sobretudo de fauna malacológica (bivalves e moluscos). (Barros, 1998, p. 19). São enquadráveis nesta fase as estações arqueológicas da Ramalha,

55 Rua Manuel Febrero e Avenida Bento Gonçalves (Cova da Piedade); Quinta da Torre (Caparica); e Pera de Baixo (Trafaria). Os vestígios materiais descobertos nas intervenções arqueológicas comprovam uma “intensificação de atividades como a olaria, ligada ao armazenamento e preparação de alimentos, e também, indiretamente, à sua produção”. A par da olaria, os materiais líticos, micrólitos, utilizados no fabrico de arpões ou foices, e mós, utilizados na farinação, assim como os vestígios de fauna malacológica (mexilhão, ostras, entre outras) e mamalógica (especialmente de animais domésticos), permitem-nos compreender a dieta, a economia e o quotidiano destas comunidades. (Barros, 1998, p. 20).

A morte e os seus ritos, elementos indissociáveis da condição humana, são um elemento caracterizador das ocupações do Neolítico e variam substancialmente durante as várias fases deste período. Não foram ainda encontrados vestígios arqueológicos correspondentes às fases do Neolítico Antigo e Médio, o que se deve principalmente à inexistência de formações geológicas em gruta no território de Almada, as quais se constituíam, nesta fase, como locais de enterramento por excelência. É apenas na fase do Neolítico Final que podemos confirmar a existência de uma estrutura funerária, a Necrópole de S. Paulo, a qual se supõe ter associado um núcleo habitacional ainda não explorado. (Duarte & Barros, 1984, p. 13).

A necrópole de S. Paulo é composta por duas grutas artificiais. A sua ocupação inicial data do Neolítico Final, verificando-se 6 enterramentos na gruta 1. Na gruta 2 constata-se uma longa diacronia de ocupação, sendo utilizada como necrópole até à Idade do Bronze, onde se contabilizam cerca de 180 enterramentos. Associado a estes enterramentos foram descobertos diversos objetos de cariz votivo e de prestígio, nomeadamente pontas de seta, micrólitos, taças de cerâmica carenada, taças e pratos em calote, contas de colar em xisto e mesmo placas de xisto, comuns aos ritos funerários dolménicos alentejanos. (Barros, 1998, pp. 20-23).