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CAPÍTULO 3

Origens

O advento do islamismo e a história de seu fundador e de seus primeiros companheiros e discípulos são conhecidos apenas através das escrituras, tradições e memórias históricas muçulmanas. Só tempos depois é que esses eventos chamaram a atenção do mundo exterior e evocaram o testemunho de observadores imparciais ou não diretamente envolvidos nos fatos. Nesse sentido, o islamismo assemelha-se ao judaísmo, ao cristianismo e a outras grandes religiões da humanidade e cria um problema semelhante para o historiador. Já nos tempos medievais, alguns devotos eruditos muçulmanos, mais rigorosos do que outros, questionaram a exatidão ou mesmo a autenticidade de algumas tradições biográficas e históricas, conquanto ainda aceitassem sem reserva a validade e perfeição da mensagem religiosa. A pesquisa erudita moderna, a salvo dessas limitações, levantou mais dúvidas, e até que provas independentes, sob a forma de inscrições da época ou outros documentos e registros, se tornem conhecidas, grande parte da narrativa tradicional dos primórdios da história islâmica terá que permanecer problemática, enquanto que a histórica crítica será, na melhor das hipóteses, provisória.

No que interessa aos muçulmanos, os pontos essenciais da história são claros e inegáveis. A missão, as lutas e o triunfo final do Profeta, a fundação da comunidade muçulmana, as vicissitudes de seus fiéis e sucessores, são conhecidos pelas escrituras e pelas recordações dos que participaram desses episódios e formam o núcleo da percepção histórica por parte de muçulmanos em toda parte. Segundo a tradição, recebeu a missão de Profeta Maomé, filho de Abdallah, quando se aproximava dos 40 anos de idade. Certa noite, no mês de Ramadã, conta-se, o anjo Gabriel apareceu a Maomé, que dormia sozinho no monte Hira, e disse: “Recita!” Maomé hesitou e três vezes o anjo insistiu, até que Maomé perguntou: “O que recitarei?” O anjo então disse: “Recita em nome de teu Senhor que criou todas as coisas, criou o homem a partir de coágulos de sangue. Recita, pois teu Senhor é o mais generoso, que ensinou com a pena, que ensinou ao homem o que ele não sabia.” Essas palavras, formam os primeiros quatro versículos do capítulo 96 das escrituras muçulmanas, conhecidas como

Corão. Esta é uma palavra árabe que combina os significados de “leitura” e “recitação”. Denota o livro que contém as revelações, as quais, segundo a crença muçulmana, foram outorgadas por Deus a Maomé. Após esta primeira mensagem, seguiram-se muitas outras, que o Profeta levou ao povo de sua terra natal, instando com ele para que renunciasse às crenças e práticas idólatras e que adorasse um Deus único e universal.

Maomé nasceu, segundo a tradição, mais ou menos no ano 571 d.C. em uma família da tribo árabe de Quraysh, na pequena cidade-oásis de Meca, na região conhecida como Hijaz (Hedjaz), no oeste da Arábia. Nesse tempo, a maior parte da península consistia de deserto vazio, interrompido por alguns oásis dispersos e cruzado por umas poucas rotas de caravanas. A maior parte do povo era constituída de nômades, que tiravam sustento da criação de ovelhas, cabras e camelos e, ocasionalmente, de sortidas contra as tribos rivais e os povos dos oásis e das terras fronteiriças. Alguns viviam do cultivo do solo nos poucos lugares onde isso era possível; outros, do comércio, quando os fatos do mundo externo permitiam a volta dos mercadores às rotas transarábicas. O reinício da guerra entre Roma e Pérsia no séc.VI constituiu uma dessas épocas e, por um breve período, floresceram algumas pequenas cidades ao longo da rota de caravanas entre o Mediterrâneo e o Oriente. Uma dessas cidades era Meca.

Nos primeiros anos de sua missão, Maomé fez certo número de conversos, inicialmente entre membros de sua própria família e, mais tarde, em círculos mais amplos. Com o passar do tempo, essas novas idéias e o movimento inspirado por elas despertaram suspeitas e oposição entre as principais famílias de Meca, que viam no Profeta e em seus ensinamentos uma ameaça à ordem existente, tanto religiosa quanto material, e à sua própria importância. A historiografia tradicional fala de pressões e mesmo de perseguições, a ponto de alguns dos conversos deixarem o lar e se refugiarem no outro lado do mar Vermelho, na Etiópia. No ano 622 d.C., mais ou menos 13 anos após a data que a tradição atribui ao primeiro Chamado, o Profeta fez um acordo com emissários de uma pequena cidade chamada Yathrib, situada em outro oásis a 350km de Meca. O povo de Yathrib deu as boas-vindas da cidade a Maomé e a seus fiéis e ofereceu-se para nomeá-lo árbitro de suas disputas, e a defendê-lo, e aos conversos que deixassem Meca e o acompanhassem, como defenderiam seu próprio povo. Maomé enviou à frente 60 famílias de fiéis e, finalmente, foi juntar-se a elas no outono do mesmo ano. Essa migração do Profeta e seus fiéis, de Meca para Yathrib, é conhecida em árabe como hijra (hégira), literalmente a migração, e considerada pelos muçulmanos como o momento decisivo do apostolado de Maomé. Mais tarde, ao ser criado, o calendário muçulmano foi contado a partir do ano árabe em que ocorreu a hégira. Yathrib tornou-se o centro da fé e da comunidade muçulmana e, com o tempo, veio a ser conhecida simplesmente como Al-Madina (Medina) — a Cidade. A comunidade recebeu o nome Umma, uma palavra cujo significado

evoluiu, como também a própria comunidade.

Em Meca, Maomé fora uma pessoa comum, que lutara inicialmente contra a indiferença e, em seguida, a hostilidade dos governantes locais. Em Medina, tornou-se o governante, exercendo autoridade política e militar, além de religiosa. Antes de muito tempo, a nova sociedade organizada de Medina entrou em guerra com os governantes pagãos de Meca. Após uma luta que durou oito anos, Maomé coroou sua carreira ao conquistar Meca e estabelecer a fé islâmica no lugar da (nesse momento) ab-rogada adoração de ídolos de seus conterrâneos da cidade.

Há, destarte, uma diferença fundamental entre a carreira de Maomé e a de seus predecessores, Moisés e Jesus, da forma contada nos escritos de seus seguidores. Moisés não teve permissão de entrar na Terra Prometida e morreu quando seu povo nela penetrava. Jesus foi crucificado e a cristandade continuou a ser uma religião minoritária, perseguida durante séculos, até que um imperador romano, Constantino, abraçou a fé e fortaleceu os que a propagavam. Maomé conquistou sua terra prometida e, enquanto viveu, obteve vitória e poder nesse mundo, exercendo autoridade não só profética, mas também política. Como Apóstolo de Deus, trouxe e ensinou uma revelação religiosa. Mas, simultaneamente, como chefe da Umma muçulmana, promulgou leis, dispensou justiça, arrecadou impostos, dirigiu a diplomacia, fez a guerra e a paz. A Umma, que começara como uma comunidade, transformara-se em Estado. E logo depois se transmutaria em império.

Ao falecer o Profeta, o que ocorreu, segundo a tradição, no dia 8 de junho do ano 632, ele completara sua missão de arauto de Deus. O objetivo de seu apostolado, para os muçulmanos, fora restaurar o verdadeiro monoteísmo ensinado pelos antigos profetas, e desde então abandonado ou deturpado, abolir a idolatria e trazer a revelação final de Deus, que corporificava a verdadeira fé e a lei santa. De acordo com a crença muçulmana, ele foi o último — o Selo — dos Profetas. À sua morte, completou-se a revelação da finalidade de Deus para a humanidade. Após ele, não mais haveria profetas nem mais revelações.

Encerrava-se, assim, a missão espiritual e a função espiritual chegava ao fim. A função religiosa, no entanto, permaneceu — a de manter e defender a Lei Divina e levá-la ao resto do mundo. O cumprimento efetivo dessa função requeria o exercício contínuo de poder político e militar — em suma, de soberania — em um Estado.

O próprio Maomé jamais alegou ser mais do que um homem comum, o Apóstolo de Deus e o líder do povo de Deus, mas nem divino nem imortal. “Maomé”, diz o Corão, “não é senão um Mensageiro. Outros Mensageiros vieram antes dele. Acaso, se ele morrer ou for morto, voltareis para trás?” (3:138). O Profeta estava morto e não haveria mais profetas. O chefe da comunidade e

do Estado muçulmano estava morto e tinha que ser substituído. Nessa emergência, o círculo interno dos seguidores do Profeta escolheu um de seus membros, Abu Bakr, um dos primeiros e mais respeitados dos conversos. O título que ele usou como líder, segundo a tradição historiográfica, foi de “califa” (khalifa), uma palavra árabe que, graças a uma feliz ambigüidade, combina as idéias de sucessor e representante. Segundo uma tradição, ele era o Khalifatu

Rasul Allah, o sucessor do Profeta de Deus; de acordo com outra, o Khalifat Allah, o Representante de Deus — alegação esta de conseqüências de largo

alcance. Na época da elevação de Abu Bakr, é improvável que ele ou seus eleitores alimentassem tais idéias. Mas, do ato de improvisação que praticaram, nasceu a grande instituição do califado — o cargo soberano máximo do mundo islâmico.

O início da história do califado muçulmano, como aliás a do próprio Profeta, é conhecido principalmente através de fontes maometanas e só tempos depois é que historiadores de outras terras começaram a escrever sobre a ascensão e evolução do novo Estado e da nova fé. As versões muçulmanas eram transmitidas oralmente durante gerações, antes de serem consignadas à escrita. Tornaram-se viciadas não só pela falibilidade da memória humana, problema de menos importância em uma sociedade pré-letrada do que seria agora, mas também, e mais significativo, pelas muitas disputas pessoais, familiares, tribais, sectárias e partidárias que dividiram os primeiros muçulmanos e, conseqüentemente, coloriram as diferentes versões historiográficas que chegaram até nós. Até mesmo alguns dos fatos mais concretos, tal como a seqüência e resultado de batalhas, podem variar com versões diferentes.

Por ocasião da morte do Profeta, segundo historiadores muçulmanos, a religião que fundara restringia-se ainda a apenas algumas partes da península arábica. Os árabes, a quem a revelara, viviam analogamente em espaço restrito, talvez com alguns povoados nas terras fronteiriças do Crescente Fértil. As vastas terras do sudoeste da Ásia, do norte da África e de outras regiões, que em épocas posteriores constituiriam as terras do islã, os reinos de califas e, em linguajar moderno, o mundo árabe, falavam nessa ocasião outras línguas, professavam outras religiões e obedeciam a outros governantes. Em pouco mais de um século após a morte do Profeta, toda a área havia sido transformada no que foi, com certeza, uma das mais rápidas e mais espetaculares mudanças em toda a história humana. Em fins do séc.VII, o mundo exterior reconheceu a emergência de uma nova religião e um novo poder, o império muçulmano dos califas, que se estendia para leste na Ásia até, e às vezes além, as fronteiras da Índia e da China; a oeste, ao longo da costa sul do Mediterrâneo, até o Atlântico; ao sul, na direção dos povos negros da África; enquanto ao norte penetrava nas terras dos povos brancos da Europa. Nesse império, o islamismo era a religião oficial e a língua árabe estava rapidamente substituindo as demais e se tornaria o principal meio de

comunicação na vida pública.

Hoje, mais de 14 séculos após o alvorecer da era muçulmana, o império árabe dos califas há muito desapareceu. Mas em todos os países conquistados pelos árabes, com exceções apenas da Europa, no Ocidente, e do Irã e Ásia central, no Oriente, o árabe coloquial, em uma grande variedade de formas, continua a ser a língua falada pelo povo e o árabe literário permanece como instrumento principal do comércio, da cultura e do governo. Como língua da religião — da escritura, da teologia e da lei divina — o idioma árabe espraiou-se muito além das terras de fala árabe e, mais tarde, além dos limites da conquista, penetrando em numerosas regiões da Ásia e da África que jamais conheceram o domínio árabe.

A expansão da fé islâmica e do império árabe foi em muito facilitada pelos próprios povos das províncias conquistadas, que, em números cada vez maiores, adotaram a primeira e cerraram fileiras em torno do segundo. No Ocidente, os berberes do norte da África, após uma feroz resistência inicial aos conquistadores árabes, juntaram-se a eles na conquista e colonização da Espanha e, mais tarde, eles mesmos colonizaram e converteram ao islã numerosos povos negros ao sul do Saara. No Oriente, os persas, seu Estado imperial destruído e sua hierarquia sacerdotal tornada impotente, reencontraram estrutura e significado no islã e ajudaram-no a levar a nova fé, que adotaram, às populações mistas iranianas e turcas da Ásia central. E, no centro, os povos do Crescente Fértil, predominantemente cristãos e de idioma aramaico, e os povos cristãos que falavam o cóptico no Egito, e que eram há muito tempo súditos dos Impérios persa e bizantino, trocaram uma dominação imperial por outra e acharam seus novos senhores menos exigentes, mais tolerantes e, acima de tudo, mais acolhedores do que os antigos.

Nesses países, a transição para o islamismo e o arabismo ocorreu de modo relativamente fácil. Os impostos cobrados pelos árabes eram mais baixos do que os arrecadados pelos bizantinos, especialmente para os muçulmanos, mas também para a população em geral. O Estado árabe estendeu a mesma tolerância, legalmente definida, a todas as formas de cristianismo, sem preocupar-se com os pontos mais sutis da ortodoxia, que haviam criado tantas dificuldades aos cristãos não-ortodoxos e às suas Igrejas sob o governo de Constantinopla. Os judeus, que haviam desfrutado uma boa medida de tolerância religiosa sob os partas e os imperadores romanos pagãos, viveram em situação pior sob os menos tolerantes sassânidas e bizantinos cristãos e acharam que sua posição melhorava um pouco sob o Estado muçulmano árabe.

Os governantes do Estado e os comandantes dos exércitos árabes foram, em sua maioria, naturais das cidades-oásis de Meca e Medina. Mas não estavam longe de suas origens no deserto, e o grosso dos exércitos que realizaram as conquistas era da mesma procedência. A estratégia dos árabes nas guerras de conquista baseava-se em parte muito considerável no emprego hábil do poder do

deserto, que lembra o uso do poder marítimo na construção de impérios posteriores por povos do Ocidente. Os árabes sentiam-se em casa no deserto, o que não acontecia com seus inimigos. Para os primeiros, o deserto era amigo, familiar e acessível; para os inimigos, um ermo remoto e terrível, inçado de dificuldades e perigos, que temiam tanto como o morador de terra teme o mar. Os árabes podiam usá-lo como rota de comunicação para enviar mensagens, suprimentos e reforços, como refúgio em casos de emergência, a salvo de molestação ou perseguição — e como estrada para a vitória nas ocasiões de sucesso. O Império árabe tinha também seu canal de Suez — a trilha do deserto que cruzava o istmo de Suez, a ponte de ligação entre a Ásia e a África.

Em todos os países que conquistaram, os árabes estabeleceram a principal base militar e centro administrativo em cidades à beira do deserto e de lavouras. Nos casos em que já existiam cidades convenientemente situadas, como Damasco, usaram-nas como capitais. Com maior freqüência, porém, tiveram que construir novos centros, que se transformaram em novas cidades, para atender às necessidades estratégicas e imperiais. As mais importantes dessas guarnições foram Kufa e Basra, no Iraque, Qomm, no Irã, Fustat, no Egito, e Qayrawan, na Tunísia.

Elas foram as Gibraltares e as Cingapuras, as Bombains e Calcutás do início do Império árabe. O termo pelo qual são chamadas em árabe é misr, plural

amsar, uma antiga palavra semítica que originariamente parecia denotar fronteira

ou limite e, daí, zona fronteiriça ou província. O mesmo termo, incidentalmente, deu nome ao Egito no hebraico bíblico, no aramaico e no arábico. Os amsar foram de importância fundamental para o governo e eventual arabização das províncias. Nos primeiros dias, os árabes constituíam uma minoria pequena, isolada, embora dominante no império. Nos amsar predominavam habitantes de fronteira de origem árabe e o respectivo idioma. O núcleo de cada amsar consistia do acantonamento militar, no qual os guerreiros-colonos árabes se integravam em suas formações tribais. Em volta desse núcleo crescia uma cidade externa de artesãos, lojistas e outros profissionais, recrutados entre a população nativa, que atendiam às várias necessidades dos governantes árabes, dos soldados e de suas famílias. Essas cidades externas cresceram em tamanho, riqueza e importância e passaram a abrigar números sempre maiores de servidores públicos nativos, a serviço do Estado árabe. Todos eles tinham forçosamente que aprender o idioma e eram influenciados pelos gostos, atitudes e idéias dos seus senhores.

Afirma-se algumas vezes que a religião islâmica foi propagada pela conquista. Essa declaração induz a erro, embora a disseminação da religião fosse, em grande parte, tornada possível pelos processos paralelos da conquista e colonização. O objetivo militar principal dos conquistadores, porém, não era impor pela força a fé islâmica. O Corão é explícito nesse ponto: “Não há compulsão na religião” (2:256). Essas palavras em geral significavam que os que professavam uma

religião monoteísta, e reverenciavam escrituras reconhecidas pelo islã como estágios anteriores da revelação divina, podiam ter permissão de praticá-la, sob as condições impostas pelo Estado e a lei islâmica. Nos casos de religiões que não eram monoteístas nem possuíam escrituras reconhecidas, as alternativas tornavam-se mais duras, mas poucas, se é que algumas, foram impostas nas regiões governadas pelos primeiros conquistadores. Aos povos conquistados eram oferecidos vários tipos de incentivos, tais como taxas mais baixas de tributação, para que adotassem o islamismo, mas não se os obrigava a assim agir. Ainda menos tentou o Estado assimilar os povos submetidos e transformá-los em árabes. Muito ao contrário, as primeiras gerações de conquistadores erigiram rigorosas barreiras sociais entre árabes e não-árabes, mesmo quando estes últimos aceitavam o islamismo e adotavam o idioma. Desestimulavam casamentos entre mulheres árabes e homens não-árabes — embora não de convertidos — e também não concediam aos novos muçulmanos plena igualdade social, econômica e política, até que as mudanças revolucionárias ocorridas no segundo século do islamismo puseram fim aos privilégios de árabes natos e, dessa maneira, aceleraram fortemente os processos de arabização.

A arabização e islamização dos povos das províncias conquistadas, e não a conquista militar em si, é que constituem a autêntica maravilha do Império árabe. O período em que eles exerceram supremacia política e militar foi muito curto e, logo depois, viram-se obrigados a entregar o controle do império, e mesmo a liderança da civilização que haviam criado, a outros povos. A língua, a fé, e a lei, no entanto, permaneceram — e ainda permanecem — como um monumento duradouro a seu domínio.

A grande mudança ocorreu principalmente através dos processos paralelos de colonização e assimilação. Segundo uma opinião largamente aceita, uma das forças propulsoras das conquistas foi a pressão demográfica na estéril península arábica. Nos primeiros anos do reino árabe, muitos foram os que cruzaram as defesas derrubadas de antigos impérios e se instalaram nas terras férteis conquistadas. No início, chegaram apenas como minoria governante — um exército de ocupação com uma classe dominante de soldados, altos funcionários e donos de terras. O Estado árabe confiscou as terras públicas dos regimes anteriores, as dos inimigos da nova ordem e as dos que fugiram com a aproximação dos conquistadores. O governo, por isso mesmo, dispunha de extensos domínios, muitos dos quais foram doados ou arrendados em condições favoráveis a árabes. Estes indivíduos pagavam uma taxa de imposto muito mais baixa do que os proprietários de terra locais que permaneciam. Os grandes latifundiários árabes cultivavam geralmente suas terras com mão-de-obra nativa e residiam nas cidades-guarnições.

Dessas cidades, a influência árabe irradiou-se para o campo em volta, tanto diretamente quanto através da população, em rápido crescimento, de conversos

nativos, muitos dos quais serviam no exército. Embora as reivindicações desses conversos à igualdade econômica e social fossem arrogantemente rejeitadas pelos que podiam alegar ascendência árabe pura, um número cada vez maior deles aceitou a fé dos conquistadores e, com ela, a língua que falavam.

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