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Com a conquista de Constantinopla, durante tantos séculos a cobiçada meta das armas islâmicas, encaixou-se a última peça do jogo. O sultão Mehmed II, daí em diante conhecido como Fatih, o Conquistador, selara a união dos dois continentes, Ásia e África, que faziam parte de sua herança, e de duas tradições, o islã e a fronteira, que os moldara. O principado dos guerreiros da fronteira se transformara em um império, e seu chefe em imperador. A vitória tornou o sultanato muçulmano a ponta de lança voltada para o Ocidente e lhe trouxe imenso prestígio no mundo islâmico.

Mehmed dedicou o restante de seu reinado a uma série de campanhas militares, tanto nas fronteiras européias quanto nas asiáticas. Na Europa, exércitos otomanos subjugaram as últimas tiranias gregas na Moréia, reduziram a Sérvia e a Bósnia à condição de províncias e conquistaram várias ilhas gregas. Na Ásia, tomaram Amasra dos genoveses, Sínope do emir muçulmano e Trebizonda do imperador grego. E, o que é muito importante, o sultão recusou-se a ceder à tentação de prosseguir na direção leste e atacar outros soberanos muçulmanos. Ao ser desafiado por Uzun Hassan, governante muçulmano da Anatólia oriental e Mesopotâmia, derrotou-o em batalha em 1373, mas absteve-se de explorar a vitória. Em uma conversa citada por Kemalpashazade, historiador do séc.XVI, o sultão explicou seus motivos. Era correto castigar Uzun Hassan por sua temeridade, mas teria sido errado destruir-lhe a linhagem, pois “procurar a destruição de dinastias antigas de grandes sultões do povo do islã não é uma boa prática”.1 Mais a propósito, ter-lhe-ia distraído a atenção de assunto mais sério: a

jihad na Europa.

Os sultões muçulmanos, todavia, não podiam dar-se ao luxo de negligenciar as terra muçulmanas além das fronteiras sul e leste, onde ocorriam nesse momento importantes mudanças. Uma delas era a decadência evidente do sultanato mameluco, que governara o Egito e a Síria desde meados do séc.XIII. Em certo sentido, o sultanato egípcio se tornara, nos últimos anos, uma espécie de Bizâncio árabe. No norte e no leste, no platô da Anatólia e Irã, entre turcos e persas que haviam assumido a liderança política e cultural do islã, surgiam novos Estados e

sociedades, paralelamente ao desenvolvimento de uma nova civilização, que se expressava principalmente nos idiomas persa e turco. No Egito e na Síria, não obstante as influências poderosas e cada vez mais intensas do Oriente, sobrevivia a velha ordem. A antiga cultura islâmica, em sua forma árabe, iniciara a longa idade de prata. Soldados mamelucos defendiam o reino e protegiam de invasões o vale do Nilo. Escribas e eruditos egípcios e sírios, muitos deles filhos e descendentes de mamelucos, mantinham e encarregavam-se da administração do Estado e, simultaneamente, preservavam e interpretavam; dessa maneira, enriqueciam a herança do islã clássico.

O sultanato sírio-egípcio já fora debilitado por um complexo de causas internas e externas — entre elas a guerra devastadora contra Timur, a drenagem de recursos ocasionada por malversação financeira e subversões econômicas, os impactos de pragas, seca e fome, e o esfacelamento da ordem e da sociedade mamelucas.

Os golpes finais vieram de fora, do oeste e do norte. O primeiro, econômico, com o aparecimento dos portugueses nas águas do Oriente. Ao abrir rotas marítimas diretas entre a Europa e a Índia, os portugueses ladearam o comércio egípcio. Os efeitos a longo prazo de tudo isso, porém, não foram tão grandes como se pensou em certa ocasião, e o séc.XVI presenciou uma considerável reativação do comércio através do Levante. Os efeitos imediatos, no entanto, tiveram caráter sério e confrontaram Qansawh al-Ghawri (1500-1516) com uma crise, sob a forma de comércio decadente e receita em queda. Estimulado por Veneza, ele enviou uma esquadra egípcia à Índia. Após alguns sucessos iniciais, essas forças foram derrotadas pelos portugueses, que, em seguida, iniciaram a destruição sistemática dos navios mercantes muçulmanos que navegavam no oceano Índico. Alguns navios portugueses aventuraram-se mesmo a entrar no golfo Pérsico e no mar Vermelho.

O segundo — o golpe mortal — foi militar. As relações entre os sultanatos mameluco e otomano haviam sido por algum tempo relativamente cordiais. Deterioraram-se, no entanto, na segunda metade do séc.XV. Entre 1485 e 1490, os dois Estados travaram uma guerra inconclusiva, na qual os mamelucos, no geral, saíram-se melhores do que os otomanos.

O equilíbrio militar, no entanto, mudava rapidamente em favor dos otomanos. Neste particular, surgiu um fator de importância crucial — armas de fogo portáteis e canhões —, que os otomanos adotaram imediata e extensamente e com grande eficácia. Os mamelucos, por seu lado, demonstraram grande relutância em adotar as novas armas. Ao contrário das terras muçulmanas, os domínios mamelucos eram pobres em metais, que tinham que ser importados. Mais grave do que qualquer dificuldade prática, no entanto, eram as atitudes social e psicológica dos emires mamelucos, que se apegavam às armas “legítimas” e “honradas” do passado e desprezavam as armas de fogo e os que as usavam,

considerando-os indignos e contrários aos costumes nobres da cavalaria. Nos últimos anos no poder, os mamelucos fizeram alguns tíbios esforços para adotá- las. Mas as destinaram a unidades especialmente criadas para esse fim, constituídas de escravos negros, filhos nativos de mamelucos e mesmo uma espécie de milícia que incluía artesãos recrutados localmente e uma miscelânea de mercenários estrangeiros. Essas unidades pouco efeito produziram e os lanceiros armados, espadachins e arqueiros que constituíam a nata do exército mameluco foram irremediavelmente superados pela infantaria armada de mosquetes e pela artilharia otomana.

Antes de lançar o ataque final contra os mamelucos, no entanto, os otomanos tiveram que enfrentar outro inimigo muçulmano muito mais perigoso. Meio século após a conquista de Constantinopla, a posição otomana foi desafiada não por um rival cristão, mas muçulmano, a nova dinastia safávida dos novos xás do Irã. Havia ela ascendido ao poder levada por um movimento xiita radical e, pela primeira vez em séculos, criou um Estado unificado e poderoso que abrangia toda a área entre as terras do Mediterrâneo e os acessos à Ásia central e Índia. O surgimento de um novo e militante poder no Irã, inspirado por doutrinas xiitas radicais e tendo por núcleo a área noroeste próxima das fronteiras otomanas, foi interpretado na Turquia como simultaneamente ameaça e desafio, e deu caráter religioso a esse recrudescimento da antiqüíssima rivalidade entre os governantes da Anatólia e do platô iraniano. Havia ainda milhões de muçulmanos sunitas no Irã, talvez a maioria. E ainda pelo menos centenas de milhares de xiitas em terras otomanas, que poderiam ser considerados suspeitos de simpatizar com o novo regime xiita a oeste. Tanto o sultão otomano como o xá safávida se consideravam mutuamente como hereges e usurpadores, além de qualquer possibilidade de se tolerarem. A ameaça safávida aos otomanos tornou-se ainda mais séria e mais próxima por causa da origem turca da família safávida e do grande apoio com que contava na Anatólia turca.

A reação otomana à suposta ameaça começou cedo. Em 1502, o sultão Bayezid II ordenou a deportação dos xiitas, da Anatólia para a Grécia, e mobilizou forças ao longo da fronteira iraniana. Em 1511, os otomanos enfrentaram uma perigosa revolta xiita na Anatólia central. No ano seguinte, o idoso sultão abdicou em favor do filho, Salim I (1512-20), conhecido como “Yavuz Selim” (Salim, o Cruel). Não se passou muito tempo antes que a rivalidade e hostilidade entre o sultão Salim da Turquia e o xá Ismail, do Irã, se transformasse em guerra declarada. É irônico que na correspondência cada vez mais colérica entre os dois monarcas, que precedeu o início das hostilidades, o sultão escrevesse ao xá em persa, a língua dos cavalheiros corteses, educados, e o xá respondesse ao sultão em turco, a língua de suas origens rurais e tribais.

A guerra terminou com a vitória decisiva, mas não conclusiva, dos otomanos. No dia 23 de agosto de 1514, na planície de Chaldiran, perto da fronteira entre os

dois impérios, os janízaros e a artilharia otomanos infligiram uma derrota esmagadora às forças iranianas e, no dia 7 de setembro, o sultão ocupou a capital do inimigo, Tabriz. Tal como seu predecessor, Mehmed II, o sultão Salim não explorou a vitória avançando para leste, preferindo retirar-se para a Turquia, deixando o xá derrotado e enfraquecido, mas ainda como governante do Estado xiita do Irã. Seguiu-se uma longa e renhida luta entre os dois impérios, na qual a repressão sangrenta dos xiitas na Turquia e dos sunitas no Irã irrigaram o ódio e o medo mútuos com o sangue de mártires. A luta resultante tinha por objetivo tanto a liderança do islã quanto o controle do Oriente Médio. E foi travada não só nos campos de batalha, mas também na arena da propaganda entre as fés sunita e xiita, das quais o sultão otomano e o xá safávida eram respectivamente os paladinos. A luta acabou com uma vitória limitada dos otomanos, que conseguiram conter, mas não destruir, o império do Irã. Esse sucesso abriu caminho para a fase seguinte — a absorção pelo reino otomano dos países de fala árabe ao sul. Em uma curta e violenta guerra em 1516-7, os otomanos derrubaram o cambaleante sultanato mameluco, que dominara o Egito, Síria e Arábia ocidental durante dois séculos e meio e submetera essas terras. A partir dessas recém-adquiridas possessões, a soberania e suserania otomanas foram estendidas em várias direções — a oeste, através do norte da África até as fronteiras do Marrocos, ao sul, pelas duas margens do mar Vermelho, à África e Arábia, e, a leste, às águas do oceano Índico e, mais tarde, no séc.XVI, ao Iraque, que os otomanos, após demorada luta, conseguiram tomar dos governantes iranianos e, dessa maneira, levar suas armas até o golfo Pérsico. Os sultões otomanos reinavam nesse momento sobre as duas cidades sagradas, Meca e Medina, e os centros políticos, militares e econômicos do islã. As primeiras lhes expandiram consideravelmente o prestígio; as segundas, as responsabilidades.

Com os persas dominados e os mamelucos derrotados, os otomanos estavam nesse momento preparados para reiniciar a principal tarefa, a guerra na Europa. No reinado de Suleiman, o Magnífico (1520-66), o império atingiu o auge do poder. Em 1526, na decisiva batalha de Mohacs, os otomanos trituraram o exército do reino da Hungria. Kemalpashazade celebrou a vitória otomana em prosa quase épica:2

Com espadas relampejantes que pareciam chamas, que a tudo devoravam, eles atacaram os já condenados à derrota, mas valentes infiéis, que estavam formados em vistosos esquadrões que pareciam montanhas cobertas de tulipas. Em um festival de disputas, eles foram imediatamente tingidos de vermelho, como cálices de vinho, suas cabeças cortadas parecendo a flor da árvore-da-judéia, seus olhos brilhando como cornalina, suas mãos rubras como coral… [a batalha continuou] até que a borda do hipódromo celestial foi tingida pelas manchas de sangue do poente… o perverso rei [húngaro]… avançou para o campo de batalha em meio a uma nuvem de poeira que toldou leste e oeste… indiferente aos tiros de canhões e mosquetes e, com um coração valente insensível ao medo, liderou a carga de sua brava cavalaria, acometeu de um único salto os janízaros, os mais bravos dos bravos… chegou às baterias, onde os

mosqueteiros saudaram-no com uma chuva mortal de fogo, que secaram as flores no jardim da existência inútil do perverso inimigo…

Após um luta longa e desesperada, o rei foi finalmente derrotado:

Ao comando do sultão, os mosqueteiros janízaros despejaram saraivadas de fogo contra o inimigo… e, em um instante, enviaram centenas, ou melhor, milhares deles diretamente para o Inferno… O pergaminho do tempo [do rei] foi finalmente enrolado, o circuito de seus dias de comando se concluiu, e o registro de sua vida transitória foi selado com a perda deste mundo e do próximo.

Após a vitória, os exércitos de Suleiman avançaram pela Hungria e, em 1529, pela primeira vez, sitiaram Viena. No leste, esquadras otomanas desafiaram os portugueses no oceano Índico. No oeste, o controle do norte da África trouxe o poder naval muçulmano ao Mediterrâneo ocidental — poder que também fez incursões ao Atlântico e em toda costa da Europa ocidental. Mais uma vez, o avanço do islã constituía um perigo mortal para a cristandade. As Cruzadas haviam terminado e recomeçara a jihad. Richard Knolles, o historiador elisabetano que escreveu sobre os turcos, expressou o sentimento comum da Europa ao referir-se ao império turco como “o atual Terror do Mundo”.

No séc.XVI, ocorreu a preamar da maré turca e o início da baixa-mar. Na Europa central, a primeira tentativa frustrada de tomar Viena deu início a um século e meio de lutas sangrentas e inconclusivas, que terminaram com o segundo sítio abortado de Viena em 1683. Desta vez, a derrota turca foi total e final. No leste, os otomanos, de suas bases no Egito e, um pouco mais tarde, no Iraque, consolidaram seu poder naval no golfo Pérsico e no mar Vermelho e, durante algum tempo, governadores seus mandaram no Iêmen e no chifre da África. Em certa ocasião, chegaram mesmo a enviar um contingente de artilheiros otomanos ao sudeste da Ásia para ajudar governantes locais muçulmanos em luta contra inimigos cristãos europeus. Mas em vão. Nem mesmo as frotas otomanas eram adversárias à altura dos navios de guerra portugueses e de outros países do Ocidente e, a despeito de ajuda local de governantes muçulmanos, os otomanos foram obrigados a abandonar o sul e o sudeste da Ásia às potências cada vez mais fortes da Europa ocidental.

No Mediterrâneo, os otomanos sofreram sua primeira grande derrota na batalha naval de Lepanto, em 1571. Lutfi Paxá deixou registrado que, na qualidade de grão-vizir, discutiu a questão do poder naval com Suleiman, o Magnífico, e que lhe disse: “Sob os sultões anteriores, foram muitos os que governaram a terra, mas poucos os que governaram o mar. Na conduta da guerra no mar, os infiéis são superiores a nós. Temos que derrotá-los.”3 Os turcos não os

venceram, mas passou-se algum tempo antes que as conseqüências da batalha se tornassem claras. Embora celebrada em toda a Europa cristã como uma grande vitória, a batalha de Lepanto, no entanto, teve muito menos importância do que a

derrota e destruição das esquadras otomanas em águas asiáticas. Antes de muito tempo, os otomanos conseguiram restabelecer seu poder naval no Mediterrâneo e proteger de ataques suas conquistas na Europa. Um historiador turco registra uma conversa entre o grão-vizir Sokollu Mehmed Paxá e o sultão Salim II (1566-74) sobre a construção de uma nova frota para substituir os navios destruídos em Lepanto. O sultão perguntou qual seria o custo e o grão-vizir respondeu: “O poder de nosso Império é tal que se fosse desejado equipar toda a frota com âncoras de prata, cordames de seda e velas de cetim, nós poderíamos fazer isso.”4

A esquadra foi, de fato, reconstruída, ainda que com equipamento menos luxuoso, e o poder naval muçulmano, a partir de bases no Oriente Próximo e no norte da África, continuou a dominar o Mediterrâneo e a aventurar-se pelo Atlântico até bem dentro do séc.XVII. Embora o poder real do mundo islâmico, em comparação com a Europa cristã, já houvesse declinado em aspectos importantes, essa decadência escapava à vista de cristãos e muçulmanos pela imponente panóplia do poder militar otomano.

Em meados do séc.XVI, Busbecq, embaixador do Sacro Império romano à corte de Suleiman, o Magnífico, manifestou profundas apreensões com a sobrevivência da Europa cristã, sob a ameaça do esmagador poderio otomano, e observou:5

Apenas a Pérsia se interpõe em nosso favor, pois o inimigo, enquanto se apressa para atacar, tem que manter um olho nessa ameaça à sua retaguarda… Mas a Pérsia está apenas retardando nosso destino final e não pode nos salvar. Quando os turcos resolverem seu caso com a Pérsia, eles se lançarão contra nossas gargantas, apoiados pelo poder de todo o Oriente. O quão despreparados estamos, não ouso dizer. Os otomanos, contudo, não “resolveram seu caso com a Pérsia”. Continuaram a lutar com o vizinho e rival oriental até princípios do séc.XIX, tempos em que nem Turquia nem Pérsia estavam mais em condições de ameaçar o Ocidente. Os governantes do Irã, tal como os sultões mamelucos do Egito, sentiam nojo de armas de fogo e, no início, pouco fizeram para adotá-las nas forças armadas. Ainda como os mamelucos, o erro de suas idéias lhes foi mostrado no campo de batalha pelos mosqueteiros e artilheiros otomanos. Mas, ao contrário dos mamelucos, eles sobreviveram para lutar em outro dia e aplicar as lições aprendidas. No séc.XVII, mas principalmente no XVIII, os xás do Irã tomaram medidas para adquirir armas portáteis e peças de artilharia e reequipar suas forças. Tal como antes e em tempos posteriores, os reis do islã sempre conseguiram encontrar fabricantes, mercadores e especialistas cristãos europeus para lhes fornecer, equipar e treinar as forças, e mesmo mercenários europeus que com eles arriscaram sua sorte. Aparentemente, suas principais fontes de suprimento foram Veneza, Portugal e Inglaterra.

fabricar e usar armas de fogo. Um enviado veneziano, Vincenzo di Alessandri, em relatório apresentado ao Conselho dos Dez, em 24 de setembro de 1572, observou:6

Eles usavam como armas espadas, lanças, arcabuzes, que todos os soldados podem usar, mas as armas deles são também superiores e mais bem temperadas do que as de qualquer outra nação. Os canos de seus arcabuzes têm em geral seis palmos de comprimento e disparam uma bala de pouco menos de três onças de peso. Usam-nos com uma facilidade que não os impede de manejar também arcos ou espadas, mantendo estas últimas nos arções interiores das selas, até que a ocasião as requer. O arcabuz é então guardado atrás da sela, de modo que uma arma não impede o uso da outra.

Essa descrição do cavalariano persa, equipado para uso quase simultâneo de arco, espada e arma de fogo, simbolizava muito bem a complexidade das mudanças que nesse tempo ocorriam. Nos sécs.XVI e XVII, os governantes da Pérsia, por mais relutantes que se mostrassem, usaram cada vez mais armas de fogo e equiparam com elas grandes números de soldados. Tal como os otomanos, embora em nada parecido com a mesma extensão, utilizaram também artilharia de sítio. O emprego de artilharia de campanha, no entanto, era limitado e, no geral, ineficaz.

Entre os mais notáveis sucessores do xá Ismail destacou-se o xá Abbas (1587- 1629) que, como primeira grande tarefa, resolveu formar uma nova infantaria e artilharia segundo o modelo otomano. Neste trabalho, teve grande ajuda de dois irmãos ingleses, Anthony e Robert Shirley, que seguiram para o Irã em 1598 acompanhados por 26 aventureiros, permanecendo a serviço dos persas durante alguns anos. A primeira campanha de Abbas consistiu em deter os usbeques, da Ásia central, que tinham invadido e conquistado certo número de cidades nas províncias orientais do Irã. A fim de ficar com as mãos livres para esse fim, negociou a paz com os otomanos, abandonando a Geórgia e o Azerbaijão, incluindo a antiga capital safávida de Tabriz. Após uma campanha bem-sucedida contra os usbeques e a retomada das províncias perdidas no leste, voltou a atenção novamente para o oeste. Em 1603, seus exércitos recapturaram Tabriz, prosseguiram no avanço para obter outras vitórias e capturar novos territórios, incluindo grande parte do Iraque, perdido anteriormente para os otomanos. Outro grande evento no seu reinado foi a entrada em cena, em 1616, da Companhia das Índias Orientais, inglesa, que operava a partir de Surat, na Índia. Os portugueses, que até então exerciam virtual monopólio do comércio ocidental no Irã, tentaram em vão deter a intrusão inglesa e, em 1622, mercadores ingleses ajudaram um exército persa a recapturar o porto de Hormuz, no golfo Pérsico, que estava em mãos portuguesas desde 1514. Essa vitória do exército persa ganhou um poema épico, composto especialmente para a ocasião.

O reinado do xá Abbas, ocasionalmente cognominado de “O Grande”, constituiu, de muitas maneiras, o auge do período safávida. As rivalidades

comerciais das potências ocidentais — Portugal, Holanda e Inglaterra — no golfo

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