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2.3 PANORAMA GERAL DAS PESQUISAS EM ZOOARQUEOLOGIA NO

2.3.1 América do Norte

Até o final do século XX os vestígios mais notáveis da presença humana na América do Norte no Holoceno Inicial eram derivados dos sítios associados às culturas Clóvis e Folsom, as quais foram relacionadas à especialização em caça de megafauna. Entretanto, com o desenvolvimento da arqueologia e o progresso das pesquisas nas últimas décadas emergiram discussões relacionadas à variabilidade das estratégias de subsistência adotadas pelas populações que viveram nesse período (Erlandson, 2001; Rick et al., 2001; Butler, 2004; Da-Gloria; Larsen, 2017).

Grande parte das evidências que questionam o modelo de caçador-coletor especializado na caça de megafauna emergiu de sítios localizados na parte Leste da América do Norte (Rick et al., 2001; Hicks, 2004; Erlandson, 2001; Rick et al., 2013).

Hill Jr. (2008) realizou um extenso estudo comparativo utilizando dados zooarqueológicos de 69 coleções oriundas de 46 sítios arqueológicos localizados no centro da América do Norte, nas regiões das Grandes Planícies e das Montanhas Rochosas, com datações do Pleistoceno Final e do Holoceno Inicial. Neste estudo o autor questiona a concepção que opõe caça especializada em megafauna e subsistência de amplo-espectro. As coleções analisadas são oriundas de contextos ditos de acampamento (40 coleções) e de matança e/ou processamento de animais (29 coleções), incluindo materiais recuperados manualmente (de 11 coleções) e com auxílio de peneiras (58 coleções). O autor utilizou o NISP para quantificar os vestígios, considerando em sua análise a amplitude da dieta relacionando-a ao tamanho das presas (<22kg; 22-340kg; >340kg) e o índice de abundância (para quantificar a estimava de dificuldade e de risco enfrentado pelos caçadores para capturar as presas). Com base nos resultados obtidos nestas estimativas o autor conclui que a função do sítio e o habitat em que o mesmo está inserido têm um efeito significativo na composição do conjunto faunístico, pois os sítios de matança geralmente estão localizados nas planícies de pastagem e em seu conjunto faunístico predominam os vestígios de megafauna, enquanto os sítios de acampamento estão localizados em ambientes onde há grande diversidade biológica (vales e contrafortes e montanhas) e em seu conjunto faunístico há maior diversidade taxonômica (Hill Jr., 2008). Sua conclusão de que a diversidade taxonômica está correlacionada ao habitat no qual o sítio está localizado e, consequentemente, aos taxa localmente disponíveis é corroborada por trabalhos desenvolvidos em outros sítios arqueológicos da América do Norte, como Daisy Cave (Rick et al., 2001) e Marmes Rockshelter (Butler, 2004).

Embora os dados do NISP apresentados por Hill Jr. (2008) deixem evidente a discrepância na quantificação entre as diferentes coleções, que variam de dezenas até milhares de espécimes entre um sítio e outro, o autor aponta que a não utilização da peneira durante as coletas de algumas amostras não influencou os atributos das coleções, não apresentando, no entanto qualquer parâmetro métrico (peso ou volume) para comparar as diferentes coleções.

O sítio arqueológico Daisy Cave está localizado no estado da Califórnia (EUA), na ilha de San Miguel, na costa do Oceano Pacífico. A Costa do Oceano Pacífico é um dos ambientes marinhos mais produtivos do mundo, com ampla diversidade biológica. A datação dos estratos mais antigos do sítio localiza-se temporalmente entre 11.500 e 8.500 anos cal AP. Nesse sítio arqueológico foram encontradas evidências da exploração de uma variedade de nichos ecológicos e da utilização de distintas tecnologias para capturar vários tipos de peixes (Rick et al., 2001), indicando que as pessoas que ali viveram usufruíam de ampla tecnologia marítima.. Rick e colaboradores analisaram 27.000 ossos de peixes recuperados em 165 m². Para quantificar a amostra faunística os autores utilizaram os índices NISP e Número Mínimo de Indivíduos (NMI, em inglês Minimun Number of Imdividuals). Entre os 27.000 espécimes foram identificados pelo menos 252 indivíduos, os quais representam 18 taxa, sendo que 16 taxa pertencem a peixes ósseos e apenas 2 a peixes cartilaginosos. Foi verificada a ocorrência de marcas de corte e de processamento em alguns espécimes e indícios de ação do fogo em apenas 10% dos ossos identificados. Ainda que menos representativos do que os peixes foram recuperados no mesmo sítio e analisados em outro estudo espécimes pertencentes a moluscos, aves e mamíferos marinhos. A análise da diversidade taxonômica dos peixes combinada com o estudo dos artefatos recuperados no sítio permitiu aos autores inferir que as atividades pesqueiras provavelmente foram realizadas sazonalmente, tanto em águas abertas quanto em costões rochosos nas adjacências do sítio, utilizando tecnologias que incluem barcos, redes e pesca com linha e anzol do tipo biponta. É pertinente mencionar que foram recuperados pelo menos 30 anzóis desse tipo, fragmentados ou completos, os quais são reconhecidos como os mais antigos exemplares artefatuais da tecnologia de pesca com anzol e linha para a Costa Pacífica das Américas (Rick et al., 2001).

Também no Leste dos EUA, no Sudeste de Washington, o sítio arqueológico de Marmes Rockshelter está localizado próximo ao rio Palouse. Este sítio possui datações que atestam 11.000 anos de ocupação humana (Hicks, 2004). Butler (2004) estudou duas antigas coleções de ossos de peixes oriundas desse sítio. Essas coleções foram recuperadas em escavações realizadas na década de 1960, com pouco controle da localização espacial dos vestígios e dos métodos empregados na coleta dos mesmos. Uma das coleções é proveniente da área

abrigada e outra da área da várzea do rio. Para recuperação dos vestígios de peixes na escavação da área do abrigo foi utilizada peneira com malha de 6.4 mm, que não recupera os pequenos espécimes, e na área da várzea a coleta foi realizada com peneira com malha de 1 mm, mas talvez os vestígios de peixes grandes tenham sido separados dos demais espécimes e se perdido com os anos de laboratório. Para a área abrigada, no total foram analisados 668 vestígios de peixes, destes 420 espécimes foram classificados taxonomicamente, os quais representam 8 taxa. Já na área do sítio localizada na várzea do rio foram recuperados 2.481 vestígios de peixes, sendo que 1.762 espécimes foram classificados taxonomicamente, representando 14 taxa. A autora efetua uma revisão dos agentes tafonômicos humanos e não-humanos que podem ter depositado esses vestígios e indica que muitos fatores sugerem que a coleção é fruto de atividades humanas, pois embora os ossos de peixes encontrados possam ser produto da atividade de outros animais, como o coiote, a autora salienta que nos demais ossos pertencentes a outras Classes de animais não foram evidenciadas marcas de dentes de carnívoros, tampouco padrões indicativos de processos digestivos, além de que entre os taxa identificados em ambas as coleções estão representados peixes de água doce e estuarinos que estão disponíveis tanto no rio próximo ao sítio quanto em fontes de águas mais distantes. Com relação aos ossos de mamíferos recuperados no sítio, foram constatadas diferenças nos graus de fragmentação e de queima entre os vestígios recuperados nas duas áreas do sítio. Segundo Butler (2004) a dessemelhança entre as coleções podem ser produto de diferenças culturais, de distinção entre as duas áreas ou dos métodos de coleta empregados pelos arqueólogos.

Ainda que não haja clara diferenciação entre os vestígios de peixes recuperados em cada estrato de ocupação com diferentes datações para as amostras recuperadas em Marmes Rockshelter (Butler, 2004), entre os vestígios faunísticos recuperados no estrato 1, com datas de 10.810 anos AP a 9.820 anos AP (Shepperd, 1987) foram encontrados espécimes pertencentes a mamíferos grandes e médios, peixes e moluscos e não há evidência da exploração de megafauna (Hicks, 2004). Este sítio é aqui referenciado como mais um indicativo de que a diversidade taxonômica entre os vestígios faunísticos de sítios com datações

localizadas temporalmente próximas ao Holoceno Inicial está correlacionada ao habitat no qual o sítio está localizado.

No documento Zooarqueologia da Lapa Grande de Taquaraçu (páginas 40-44)

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