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HISTÓRICO DAS PESQUISAS NA REGIÃO

No documento Zooarqueologia da Lapa Grande de Taquaraçu (páginas 61-64)

3. CARACTERIZAÇÃO REGIONAL E HISTÓRICO DAS PESQUISAS

3.1 HISTÓRICO DAS PESQUISAS NA REGIÃO

Lagoa Santa foi privilegiada por ser visitada por muitos naturalistas no século XIX. O dinamarquês Peter W. Lund contribuiu com o estudo da fauna vivente e da extinta e visitou centenas de abrigos e cavernas da região, tendo escavado alguns deles, tornando Lagoa Santa conhecida internacionalmente (Araujo et al., 2012; Neves, Piló, 2008). No sítio Sumidouro Lund encontrou esqueletos humanos e fauna extinta em uma mesma camada estratigráfica e propôs que estes estavam associados e possuíam o mesmo grau de fossilização (Neves et a., 2007). Com essa descoberta, o naturalista levantou as primeiras questões sobre a antiguidade do ser humano na América e também sobre a contemporaneidade do ser humano com a megafauna (Neves; Piló, 2008).

A presença de Lund em Lagoa Santa permitiu que outros naturalistas conhecessem a região (Neves; Piló, 2008). Entre as importantes visitas que a região recebeu no século XIX destaca-se o também dinamarquês Johannes Theodor Reinhardt, que chegou a Lagoa Santa a convite de Lund. Reinhardt coletou muitos peixes no Rio das Velhas e os enviou à Dinamarca, onde Christian Frederik Lütken analisou os exemplares e descreveu 55 espécies de peixes, publicando em 1875 a obra Velhas-Flodens Fiske (Alves; Pompeu, 2010). Com esta obra, quando se conhecia pouco mais de 40 espécies de peixes para toda a bacia do Rio São Francisco, Lütken apresentou a ocorrência de 57 espécies de peixes para o rio das Velhas (Alves; Pompeu, 2010a). A obra de Lütken ainda hoje é uma importante referência no que concerne à ictiofauna da bacia do Rio das Velhas, pois mais de 100 anos após sua publicação foram acrescentadas pouco mais de 50 descrições de espécies de peixes para a região.

Após a morte de Peter Lund em 1880 as pesquisas arqueológicas em Lagoa Santa só foram retomadas no século XX, destacando-se os trabalhos de Wesley Hurt e Oldemar Blasi, na década de 1950. Hurt e Blasi escavaram os abrigos Lapa das Boleiras e Cerca Grande VI, gerando as primeiras datações absolutas para a região e comprovando que os seres humanos já estavam em Lagoa Santa no começo do Holoceno, há cerca de 11.200 anos cal AP (Araujo et al., 2012).

Na década de 1970 a região foi pesquisada pela Missão Franco-Brasileira, liderada por Annette Laming-Emperaire (Araujo et al., 2012; Neves, Piló, 2008), cujo

trabalho de maior destaque em Lagoa Santa foram as escavações conduzidas na Lapa Vermelha IV, quando foi comprovado que no final do Pleistoceno já havia ocupação humana na região e onde ossos de Catonyx cuvieri Lund 1839, uma preguiça já extinta, foram datados entre 11.450 a 10.250 anos cal AP (Araujo et al., 2012). Na Lapa Vermelha IV, em camadas datadas entre 11.264 e 15.145 anos cal AP, foi encontrado um esqueleto humano, considerado um dos mais antigos das Américas e, posteriormente, batizado como Luzia por Walter Neves (Araujo et al., 2012; Neves; Piló, 2008).

Em 1974 a Missão Franco-Brasileira expandiu as pesquisas para uma área externa ao carste de Lagoa Santa, a Serra do Cipó, onde foi escavado o Grande Abrigo de Santana do Riacho (Prous, 1991b) (Figura 1). Com o fim da Missão Franco-Brasileira este sítio continuou sendo pesquisado pelo Setor de Arqueologia da UFMG, com escavações sob coordenação de André Prous e Paulo Junqueira. Ainda que esteja situado a norte do carste de Lagoa Santa, o sítio possui ocupações humanas com datações do Holoceno Inicial [entre 11.960 anos cal AP e 8.620 cal AP (de Sousa et al., 2016)] e apresenta vestígios arqueológicos que indicam afinidades com os sítios localizados na área cárstica, como a predominância do quartzo como matéria-prima lítica (Prous, 1991e), a ocorrência de líticos semi- polidos (Prous, 1991d) e a presença de sepultamentos humanos (Prous, 1992/1993b). Em Santana do Riacho foram recuperados os mais diversos vestígios arqueológicos (Prous, 1991a; 1992/1993a), pois o local apresenta condições excepcionais de preservação, entre o material recuperado estão vestígios faunísticos, botânicos (Resende; Prous, 1991), pigmentos (Prous, 1991f) e até mesmo têxteis (Lara; Moresi, 1991).

Após muitos anos sem pesquisas arqueológicas de campo na região e com a retomada da análise dos esqueletos provenientes de Lagoa Santa por Walter Neves entre os anos de 2000 e 2008 foi desenvolvido pelo Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH), o projeto Origens e Microevolução do Homem na América: Uma Abordagem Paleoantropológica que contou com o apoio financeiro da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

O projeto Origens teve como guia seis eixos principais de pesquisa: 1) buscar evidências da presença humana em Lagoa Santa antes de 11 mil anos AP; 2) reforçar a tese de que o continente americano foi povoado na transição

Pleistoceno/Holoceno por duas populações distintas; 3) reconstituir como viviam os grupos humanos que habitaram a região; 4) compreender os processos de formação de sítios; 5) buscar interpretações paleoambietais para o carste de Lagoa Santa nos últimos 12 mil anos; 6) confirmar ou não a tese da contemporaneidade do ser humano com a megafauna (Neves; Piló, 2008).

Neste sentido o projeto Origens integrou profissionais de várias disciplinas do Brasil e do exterior. A retomada dos trabalhos de campo em Lagoa Santa consistiu no mapeamento e recadastramento de sítios arqueológicos já conhecidos e na localização de novos sítios por meio de prospecções arqueológicas, também foram realizadas sondagens em alguns sítios com o objetivo de avaliar o potencial informativo e estabelecer cronologias para a região selecionando alguns destes sítios para escavações intensivas (Neves; Piló, 2008). As maiores escavações do projeto Origens em locais com datações do Holoceno Inicial foram nos sítios a céu aberto Sumidouro e Coqueirinho, nos quais foram encontrados apenas líticos e carvões, e nos abrigos rochosos calcários Lapa das Boleiras, Lapa do Santo e Lapa Grande de Taquaraçu, os quais apresentam excelente preservação de vestígios de origem biológica (Araujo et al., 2012).

A Lapa das Boleiras (Figura 1) é um abrigo rochoso de 280 m², medindo 43 m de comprimento e 12 m de largura, está localizado de frente para duas dolinas, uma das quais ativa sazonalmente na atualidade. Neste abrigo entre 2001 e 2003 foram escavados 21 m². Foram obtidas datações radiocarbônicas para a ocupação humana no Holoceno Inicial entre 12.380-11.240 cal AP e 8.560-8.160 cal AP (Araujo; Neves, 2009b; Araujo et al., 2012). Este sítio foi escavado porque já era conhecido e nos trabalhos foram recuperados materiais líticos (Pugliese, 2007; Araujo; Pugliese Jr, 2009), botânicos (Melo Jr; Cecantini, 2009; Nakamura et al., 2009), faunísticos (Kipnis et al., 2009a; 2009b) e sepultamentos humanos (da Gloria; Neves, 2009).

O abrigo rochoso Lapa do Santo (Figura 1) possui em média 70 m de comprimento e 20 m de largura, totalizando 1.300 m² de área abrigada com abertura para Oeste. Os trabalhos de escavação neste sítio no âmbito do projeto Origens foram realizados entre 2001 e 2009, totalizando 44 m² (Araújo et al., 2012). Em 2011 as escavações foram retomadas pelo projeto As práticas mortuárias dos primeiros americanos e continuam até o presente momento (Strauss, 2016). As datações para

a ocupação humana no Holoceno Inicial situam-se entre 12.700-11.700 cal AP e cerca de 8.000 anos cal AP (Strauss, 2016).

Na Lapa do Santo foram exumados 40 sepultamentos humanos (Strauss, 2016; Strauss; Oliveira, 2017), os quais são caracterizados por uma diversidade de padrões até recentemente desconhecida para o Holoceno Inicial (Strauss, 2016). Essas escavações também possibilitaram a recuperação de materiais líticos (Pugliese, 2007; De Sousa, 2014), botânicos e zooarqueológicos, artefatos em materiais perecíveis, como osso e madeira (Neves et al., 2008) e arte-rupestre (Neves et al., 2012).

O sítio arqueológico Lapa Grande de Taquaraçu (Figura 1) também apresentou ocupação com datações semelhantes (Ver Tabela 1, página 26), localizado às margens do rio Taquaraçu, foi escavado com a finalidade de testar o papel da disponibilidade de água nas escolhas de lugares de assentamento humano (Araujo et al., 2012) (Ver item 4.1 A Lapa Grande de Taquaraçu).

No documento Zooarqueologia da Lapa Grande de Taquaraçu (páginas 61-64)

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