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Ao ingressar no doutorado me vinculei ao NEOS (Núcleo de Estudos Organizacionais e Sociedade) e juntamente com meu orientador formulamos um plano de estudo que previa a realização de diferentes disciplinas, entre as quais aquelas que priorizavam a análise do discurso como abordagem teórico- metodológica. Optamos por realizar quatro disciplinas que priorizavam essas abordagens, sendo que uma delas foi cursada na Faculdade de Letras da UFMG.

Durante a nossa passagem por essas disciplinas tomamos conhecimento da Análise Crítica de Discurso, que passou a servir de fonte inspiradora para o desenvolvimento desta tese.

Neste caminhar, nos dedicamos muito para compreender em profundidade os postulados e axiomas teóricos desta abordagem. Cumprir o percurso não foi fácil, mas foi muito instigante, pois a partir do contato com a referida abordagem passamos a ver o mundo de maneira mais crítica e reflexiva. O estudo de diferentes

obras e autores, o contato com os docentes do CEPEAD e com o orientador fortaleceu a nossa consciência da relevância do engajamento na pesquisa de cunho qualitativo.

Este estágio inicial do rito de passagem do doutorado em administração marcou de modo determinante a nossa compreensão do mundo, a ponto de optarmos pela ACD como lente teórico-metodológica para investigar as estratégias de uma organização cooperativa. Essa “troca de lente” em relação ao projeto apresentado para concorrer à vaga no curso de doutorado nos permitiu formular questões de pesquisa que foram sofrendo alterações na medida em que amadurecíamos intelectualmente.

Este processo exigiu reformulações de concepções ontológicas e epistemológicas, reflexões sobre escolhas de métodos e técnicas de pesquisa e aprendizagem de novo modo de pensar a ciência das organizações. Paralelamente, ao cumprimento das exigências de créditos e publicações fomos reformulando, sob a orientação do professor Alexandre de Pádua Carrieri, o nosso projeto de tese que já não era o mesmo. Ele ganhara consistência e coerência que não foram suficientes para evitar as críticas dos membros da banca de exame de qualificação.

Registramos que este momento do rito de passagem foi significativo, pois as contribuições acadêmicas que recebemos dos avaliadores também contribuíram para que melhorássemos a nossa capacidade de refletir e repensar o conteúdo do nosso projeto de tese. Contudo, não abandonamos a nossa ideia inicial de pesquisar as estratégias da organização cooperativa como práticas sociodiscursivas. Apenas trocamos de lente e optamos por apreender essas práticas estratégicas sob o olhar da Análise Crítica de Discurso. Acreditamos que tal escolha abriu novas janelas e possibilidades que se materializam na apresentação dessa tese.

Estas escolhas implicaram em nova problematização do tema e na configuração de novo percurso teórico-metodológico que privilegiou a interdisciplinaridade. A nova versão do projeto abrigou as sugestões dos membros da banca de qualificação. Convém registrar que muitas horas de trabalho (leituras de dezenas de artigos e livros, conversações com testemunhas-chave e pesquisas bibliográficas) foram dedicadas a este esforço, que não se limitou aos aspectos técnicos inerentes à

prática científica, mas também a repensar a nossa própria postura ontológica e epistemológica. Esse processo nos estimulou a buscara interdisciplinaridade.

Percebemos que a Análise Critica de Discurso não foi concebida de modo hermético. Na reformulação feita reconhecemos o caráter interdisciplinar e a possibilidade de aplicação no estudo que levamos a cabo. Partimos da premissa de que o discurso ou parte dele encontram-se imbricados em práticas situadas de modo sócio-histórico em diferentes dimensões da realidade socialmente construída (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 2010; FAIRCLOUGH, 2003; FAIRCLOUGH, S., 2005), ou seja, na situação imediata, na dimensão organizacional ou institucional e no plano societal. (PHILLPS; OSWISCK, 2012).

A adoção desta premissa nos levou a enfocar nossa investigação em diferentes níveis de análise: micro, meso e macro. Essa escolha implicou em reconhecer, como recomendam Chouliaraki e Fairclough (2010), que o texto ou parte dele reproduzem elementos das práticas discursivas e do contexto social em que eles são constituídos (práticas sociais). Isso equivale dizer que, ao adotarmos a proposta tridimensional do referido autor, passamos a compreender que o processo de apreensão e Análise Crítica de Discurso envolve: i) o exame da linguagem em uso (dimensão textual); ii) a identificação dos processos de produção, consumo e distribuição dos textos (dimensão da prática discursiva); iii) a análise do contexto sócio-histórico em que o discurso foi produzido, particularizando as especificidades da rede discursiva, incluindo as ordens do discurso e seus efeitos políticos e ideológicos(dimensão da prática social).

O reconhecimento da tridimensionalidade da proposta de Fairclough (2003) exigiu também que passássemos a observar: i) a concepção relacional/dialética do discurso que permite a compreensão do contexto como algo amplo e contingente que mantém articulações discursivas com outros "momentos" da prática social; ii) a orientação integracionista das diferentes dimensões da vida social; iii) o enfoque teórico-metodológico da ACD que aborda a linguagem como um momento da prática social.

A leitura de diversos artigos também evidenciou a possibilidade de aplicação desta abordagem no campo dos estudos organizacionais (HARDY; PHILLIPS, 2004; LEITCH; PALMER, 2010; MUMBY, 2004), incluindo aqueles que investigaram o tema estratégia como pratica discursiva. (HODGE; CORONADO, 2006; LEVY et al., 2003; MANTERE; VAARA, 2008; VAARA; KLEYMANN; SERISTÖ, 2002; VAN LEEUWEN; WODAK, 1999). Esses estudos também serviram de fonte de inspiração para o nosso trabalho. A partir da leitura cuidadosa dos trabalhos observamos o potencial explicativo da Análise Crítica de Discurso, especialmente quando aplicados em nossa área de conhecimento, ou seja, os estudos organizacionais.

Destacamos que, segundo Phillips e Oswisck (2012), muitos pesquisadores da área de administração têm sido criticados por não cumprirem o protocolo de pesquisa recomendado por Chouliaraki e Fairclough (2010) e Fairclough (2005) e por não enfatizarem o contexto sócio-histórico ou interpretarem de modo equivocado esta dimensão de análise. (LEITCH; PALMER, 2010). Os autores defendem o desenvolvimento de protocolos de pesquisa que imprimam maior rigor e sejam mais compatíveis com a análise crítica do discurso.

Acreditamos que o aprofundamento teórico-metodológico realizado nesta fase da pesquisa e nosso amadurecimento acadêmico dele decorrente potencializaram nossa capacidade de compreender os fundamentos ontológicos e epistemológicos da Análise Crítica de Discurso, que serviram de referência para a nossa entrada no campo e desenvolvimento da próxima fase da pesquisa.