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A segunda importante influência na formação de Borsoi deu-se na vivência da cidade do Rio de Janeiro que tinha atravessado um período de modernização com reformas urbanas e construção de edifícios monumentais. Essas mudanças, nas duas primeiras décadas do século XX, foram marcadas por uma política baseada em três princípios: higienizar, provida através de vacinação, desinfecção de casas e melhorias nos serviços de água e esgotamento, reorganizar a circulação e infraestrutura, por meio da modernização dos portos, criação de ferrovias de conexão, reformas urbanas nos portos e nos centros das cidades, e embelezar, por meio de exemplares arquitetônicos luxuosos, bulevares e jardins, necessários tanto economicamente como simbolicamente para uma capital de um país em ascensão.190

A reforma urbana do centro do Rio de Janeiro, empreendida pelo prefeito e engenheiro Pereira Passos foi a concretização desses anseios. Um símbolo da civilização no Brasil, a Avenida Central, caracterizou-se pela aparência com um boulevard, sua conformação foi definida por edifícios com fachadas ecléticas e clássicas promovendo a ambiência afrancesada desejada pela elite da época. Nela é constituído o “pentágono das artes”191 são eles: o Supremo Tribunal Federal, a Escola Nacional de Belas Artes, o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o Palácio Pedro Ernesto. Borsoi conviveu diariamente com esses edifícios os quais reforçaram a tradição Beaux-Arts no arquiteto. Os edifícios foram idealizados por arquitetos de renome da cidade e do exterior, como Adolpho Morales de los Rios, autor do Supremo Tribunal Federal (1907) e da Escola Nacional de Belas Artes (1908), Francisco de Oliveira Passos, autor do Teatro Municipal (1909), o francês Hector Pepin arquiteto da Biblioteca Nacional (1910) e Archimedes Memória e Couchet, projetistas do Palácio Pedro Ernesto (fig. 29).

Na volumetria, esses edifícios tinham em comum a composição tripartide, com a base, destacada pela cor e peso da pedra que eleva os edifícios, o corpo, definido pelo ritmo

190 MOREIRA, Fernando, 2004, p.234-292.

191 Expressão utilizada pelo vereador Ricardo Maranhão em seu livro “Retorno ao Fascínio Passado”

(2003) In ABREU, Jonas da Silva. O papel do cinema na construção da identidade da Cinelândia.

Rio de Janeiro: FGV, 2009. Disponível em:

http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/4156/CPDOC2009JonasdaSilvaAbreu.p df?sequence=1, acesso em 08 dez. 2012.

das colunatas ou das aberturas de janela e o coroamento, marcado pelas cúpulas. Destaca-se a ambiência urbana que eles promoviam, cada volume convidava ao acesso por meio das arcadas, no entanto, definiam-se como espaços diferenciados tendo na escada frontal a monumentalização do acesso. Em conjunto, formavam um todo harmônico com relação de modenatura, cor, materiais e elementos compositivos convenientes para a formação da identidade carioca como cidade “moderna”, por meio da forma mentis eclética de espetacularizar o espaço urbano.192

Figura 29 – Localização do Pentágono das artes: 1 - Supremo Tribunal Federal, 2 - Biblioteca Nacional, 3 - Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro, 4 - Teatro Municipal, e 5 - Palácio Pedro Ernesto.

Fonte: imagens 1 – Google maps, 2 e 3- carolgelmini.zip.net e imagens 4, 5 e 6 – Amanda Casé (2012).

192 FABRIS, Annatereza. Arquitetura Eclética no Brasil: o cenário da modernização. Anais do Museu

Com a justificativa de organizar um espaço para a Exposição Internacional e para melhorar a aeração e circulação do Rio de Janeiro, em 1922, Carlos Sampaio transformou novamente o cenário do centro carioca com a derrubada do morro do Castelo. Após a derrubada, seguiram-se muitos planos e projetos para essa área, entre eles o projeto do urbanista francês Alfred Agache. Entre suas proposições, definiu a área central baseada no desenho Beaux-Arts criando uma cidade com gradação de tipos e alturas que resultaria numa silhueta mais densa e alta no centro, o espaço mais importante e representativo de cidade moderna.193 Apesar de oficialmente ter sido abandonado em 1934, o projeto de Agache continuou a inspirar decretos e projetos urbanísticos posteriores como os implementados na Esplanada do Castelo.

No período de 1928 a 1938, o Rio de Janeiro tornava-se cada vez mais uma vitrine de modernização devido às novas e grandes avenidas e prédios modernos. No entanto, até 1930, a ocupação do aterro do morro do Castelo acontecia de forma lenta, sendo completada apenas com a ascensão de Henrique Dodsworth a prefeitura, em 1937, que tomou a urbanização da área como ação central do seu mandato.

A ocupação da área ocorreu por meio de edifícios de escritório em altura, os quais no primeiro momento caracterizaram-se pelo art decó, em seguida, pelo modernismo. Dos exemplares art decó, tem-se como exemplo o Ministério de Finanças (1943, fig. 30) projeto realizado pelo arquiteto Luiz Eduardo Moura e o engenheiro Ari Fontoura. O edifício tem composição neoclássica, com ordens dóricas presentes no portal de entrada, ornamentação simbólica relacionando com sua função de edifício público e ênfase no caráter nacional através da utilização de pedras brasileiras nos revestimentos.194

193 MOREIRA, F.D. Urbanismo, modernidade e projeto nacional: Reflexões em torno do Plano Agache.

Disponível em:

http://www.docomomo.org.br/seminario%206%20pdfs/Fernando%20Diniz%20Moreira.pdf, acesso em 29 out. 2012.

Figura 30- Edifício-sede do Ministério das Finanças Fonte: Fernando Diniz (2004, p.315 e 316).

Destacam-se dos exemplares modernistas os edifícios-sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI, fig. 31), projetado em 1936 pelo escritório M.M. Roberto, e o já comentado Ministério de Educação e Saúde. O edifício da ABI respeitou bastante o contexto em que estava inserido, pois sua composição segue as linhas de sua quadra, enquanto apresenta uma fachada coberta de brises para proteção da fachada. Nesse edifício se encontram influências de J. Guadet, pelo incentivo ao uso da composição com leis clássicas imutáveis, e de Le Corbusier, pelo uso dos cinco pontos adaptados as necessidades do programa e terreno.195 O Ministério, conforme já explicado no capítulo 2, representou um passo essencial na afirmação da concretização da arquitetura moderna brasileira com suas características de utilização de materiais modernos a uma linguagem adaptada as peculiaridades locais, como o uso de elementos de proteção, a integração com as demais artes e a valorização do nacional através dos azulejos e plantas nativas.

195 PEREIRA, Cláudio. Os irmãos Roberto e o prédio da ABI: uma história da modernidade arquitetônica

brasileira. ARQtextos, Porto Alegre, 2002.

http://www.ufrgs.br/propar/publicacoes/ARQtextos/PDFs_revista_2/2_Claudio%20Calovi.pdf, acesso em 29 out. 2012.

Figura 31- Edifício-sede do ABI Fonte: Amanda Casé (2012)

Essa breve reconstituição dos espaços urbanos e edifícios do centro do Rio de Janeiro serviu para apresentar o contexto onde se formou o jovem Acácio. O arquiteto sempre andou pelo centro do Rio e pela Cinelândia, quando criança conheceu os interiores art nouveau da Confeitaria Colombo, o mobiliário para o Salão Assírio do Teatro Nacional e as divisórias para a Biblioteca Nacional todos desenhados por seu pai. Quando adolescente e adulto bebericou no Bar Amarelinho, estudou no edifício da Escola de Belas Artes e conheceu o arvorecer de um Rio de Janeiro polivalente passando do ecletismo classicizante ao neocolonial, do art decó ao modernismo, como por obras de Archimedes Memória e de M.M. Roberto e Lúcio Costa.

Nesses edifícios do centro o arquiteto pode compreender que independentemente de estilos, existe na arquitetura elementos e composições imanentes que declaram valores de civilidade, democracia e acima de tudo urbanidade, compreendo que o espaço e edifícios públicos educam e civilizam a sociedade. Acácio Gil Borsoi sempre entendeu que existia uma arquitetura transcendente e seguiu buscando-a em dois caminhos: a tradição e modernidade. A tradição aprendida com seu pai foi revestida de modernidades, sua cidade, sua escola, seus estágios e trabalhos estiveram no limite desses dois percursos.