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2.3 Caminho para uma Nova Monumentalidade

2.3.1 Monumentalidade Brasileira

O Ministério de Educação e Saúde foi fruto de um concurso, originalmente vencido por um projeto acadêmico. No entanto, como era de desejo do ministro um edifício associado ao ideal de modernidade, ele anulou o concurso e convidou Lúcio Costa, que tinha um dos projetos modernistas, para projetar a nova sede do ministério. O projeto desenvolvido pela equipe brasileira atingiu esta monumentalidade por meio da associação dos princípios da tradição clássica com os da nova monumentalidade.

Lúcio Costa associado a Affonso Reidy, Carlos Leão e Jorge Moreira e completando o grupo Ernani Vasconcellos e Oscar Niemeyer, desenvolveu o projeto baseado nos ensinamentos do mestre Le Corbusier. Contudo, os brasileiros mudaram a implantação, deslocando o volume contendo o foyer e o auditório para os limites do terreno, e o bloco dos serviços foi implantado no centro e verticalizado (fig. 24). Com isso, “transforma-se assim o pavimento térreo numa grande esplanada, adequada a cerimônias cívicas, sem

167 GIEDION, Sigfried, 1952, p.58.

168 A short outline of the Core: extracts from statements prepared during the 8yh Congress of CIAM. The

que a implantação do prédio no centro alterasse sua continuidade, graças ao pilotis”.169 Após definirem o partido, seguiram para a planta do pavimento-tipo caracterizada por salas divididas ao meio por um corredor central, nos pavimentos com acesso ao público havia duas circulações, a pública e a dos funcionários.

Figura 24 - Planta e perspectiva de Le Corbusier (acima) e da equipe brasileira (abaixo) Fonte: Exposição do Palácio Gustavo Capanema (2012).

O vínculo com a tradição clássica esteve presente por meio de composições prototípicas buscadas na Grécia e Roma e nos princípios clássicos. A composição do templo grego foi revisitada na composição tripartide do volume (fig. 25), sendo a base o pilotis (amarelo), o corpo o bloco administrativo (vermelho) e o ático os volumes curvilíneos implantados no terraço (azul). Outra referência grega, observada por Comas, foi o pórtico de entrada formado pelos pilotis que definiu “um vazio entre dois cheios, feito um propileu de cinco intercolúnios como o da Acrópole de Atenas.” 170

169 BRUAND, Yves, op. cit, p.86.

170 COMAS, Carlos Eduardo. Protótipo e monumento, um ministério, o ministério. Projeto, São Paulo, n.

Figura 25 - Divisão tripartide do MES e relação do propileu e o pilotis do ministério

Fonte: Cavalcanti, Lauro (2006, p. 61), Le Corbusier (2006, p.135) e Amanda Casé (2012, editado pela autora)

A inserção do edifício lembra a ornamentação do fórum romano basearam a inserção (fig. 26), pela implantação definindo uma praça pelo edifício do MES e seu entorno, e a ornamentação pelos monumentos inseridos na praça, nesse caso esculturas e os painéis em azulejos.

Figura 26 - Praça do MES e seus “monumentos” (obras de arte) Fonte: Google maps (2012,editado pela autora)

A inspiração clássica também esteve nos princípios de composição como a simetria em planta. No entanto, como alerta Comas, ela organiza o projeto não a experiência do deambulador.171 O ritmo proporcionado pela estrutura e apresentado pelo pilotis. A

171 COMAS, Carlos Eduardo. Protótipo e monumento, um ministério, o ministério. Projeto, São Paulo, n.

ordem foi regulada na fachada pelo brise-soleil que guia a modulação dessa. O decoro foi alcançado por meio dos materiais nobres utilizados na obra, os quais também responderam a economia, pois segundo Lúcio Costa, “a boa qualidade do material de acabamento, além de satisfazer às conveniências de uma aparência digna resulta, afinal, com o tempo, em economia, porquanto sendo ele melhor, mas será sua duração.”172 De acordo com Giedion quatro princípios guiariam ao Monumento Moderno, foram: o simbolismo, a utilização de materiais modernos expressando nobreza, integração das artes e a capacidade de constituir um centro cívico acolhedor. O simbolismo foi conseguido nesse edifício por meio da “síntese do comum, pública e legítima dentro de uma tradição”173, tradição esta também presente na continuidade construtiva, como explicou Comas:

O piloti se aproxima das palafitas em encosta, a estrutura independente de concreto armado da estrutura em madeira vedada por taipa de sebe ou grandes caixilharias contínuas envidraçadas ou treliçadas, assimiláveis sem dificuldade ao pano de vidro e ao brise-

soleil. O conselho corbusiano de emprego de pedras brasileiras e

painéis de azulejos para revestimento de paredes era justificável não só pela disponibilidades locais e facilidade de manutenção em clima úmido, como por atualizar precedentes da construção colonial e imperial do país.174

Outro princípio seria prover um caráter imanente e nobre a materiais como concreto, vidro e aço. Isto seria alcançado por duas estratégias: pela exploração de suas qualidades plásticas (esbelteza das colunas e a transparência do vidro) e pela associação de materiais e elementos tradicionais (a pedra e os azulejos).

O desejo de integração das artes, incentivada por Giedion, foi alcançado por meio dos jardins de Burle Marx apresentando a vegetação nativa, dos painéis de azulejos dos mares brasileiros de Cândido Portinari, das esculturas de Bruno Giorgi e de Celso Antônio Silveira representando a sociedade por meio de sua juventude e mulheres, da escultura de Jacques Lipschltz refletindo a política internacional expressa pela tragédia de Ésquilo (fig. 27). Observa-se assim, que as artes presentes no edifício incorporaram a

172 COSTA, Lúcio, apud CAVALCANTI, Lauro. Moderno e Brasileiro: A história de uma nova

linguagem na arquitetura (1930-60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.57.

173 BRANDÃO, Carlos Antonio. O lugar do monumento na arquitetura republicana. Revista de Pós-

Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, São Paulo, v.01, n.21, junho 2007. p.53

174 COMAS, Carlos Eduardo. Protótipo e monumento, um ministério, o ministério. Projeto, São Paulo, n.

sociedade brasileira como tema, fazendo o brasileiro se ver no edifício, e levantou reflexões sobre o contexto político da época.175

Figura 27 - Terraço-jardim com paisagismo de Burle Marx, escultura de Bruno Giorgi e painel de Portinari. Fonte: Amanda Casé (2012)

A praça do MES não era igual ao “espaço verde” almejado pelos primeiros modernistas com o pilotis liberando o solo para um parque contínuo livre para os pedestres. As massas vegetais não somente estruturaram como balancearam os cheios e vazios e as proporções com o todo. A forma delineada era o acesso pelas diagonais, desenho lógico e mais rápido para o pedestre passante e a melhor visualização do todo arquitetônico e paisagístico, segundo Comas,

a rota preferencial oblíqua e o impacto das visões diagonais de esquina, as únicas em que a composição pode ser percebida quase por completo e em que a interseção dos blocos aparece em foco, denunciando a localização correta da entrada principal.176

A esplanada além de ser uma praça de convívio, era um convite a contemplação pela função cultural e educativa, segundo Capanema, Getúlio Vargas e Lúcio Costa esse edifício ajudaria a "preparar, compor e aperfeiçoar o homem do Brasil”, formar a nação brasileira.177 Assim como Brandão observou templo grego, em sua arquitetura, veiculava mensagens de historia, ética e cultura como oportunidade da comunidade se firmar para si e para os outros, da mesma forma aconteceu no MES. As obras de arte contidas durante todo o edifício tinham essa função de criar uma nação brasileira e apresentá-la ao mundo, o que aconteceu no pós-guerra.

175 SEGRE et al. O edifício do Ministério da Educação e Saúde (1936-1945): museu “vivo” da arte

moderna brasileira. Arquitextos, São Paulo, feb 2006. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.069/376, acesso em 30 out. 2012.

176 COMAS, Carlos Eduardo. Protótipo e monumento, um ministério, o ministério. Projeto, São Paulo, n.

102, p.140, ago.1987.

177 MOREIRA, F.D. Shaping cities, building a nation: Alfred Agache and the Dream of modern urbanism

Esse edifício conseguiu desenvolver um centro cívico que representasse o desenvolvimento social e comunitário da sua sociedade pela sua esplanada aberta, uma praça de convívio. Segundo Segre, com o objetivo de se distanciar o máximo possível das demais sedes dos outros ministérios que eram volumetricamente pesados. Assim, o edifício criou um espaço de dimensões agradáveis, de escala íntima e adequada aos pedestres.178 Somado a isso, “esse entorno livre caracteriz(ou) uma moldura ao edifício, atribuindo ao conjunto monumentalidade não derivada das formulações tradicionais [...] mas resultante do contraste da imponência da escala da obra e dos vazios criados no distanciamento entre o volume prismático do MES com os edifícios adjacentes.” 179 A partir disso, observa-se que o edifício inaugural da arquitetura moderna brasileira foi também inovador por já conter respostas aos anseios modernos de uma arquitetura capaz de emocionar, de representar a sociedade, de convidar a comunidade a participar da vida pública.180 Isso foi atingido pelo desejo dos arquitetos a monumentalidade e ao civismo, alcançado não somente por um edifício, mas através de um contexto urbano de centro cívico.

O Ministério da Educação foi um objeto-símbolo da construção de uma sociedade, um edifício público que a fim de se transformar em monumento, primeiro mostrou-se digno de sua função, traduzindo “de forma adequada a ideia de prestígio e dignidade logicamente sempre associada à noção de coisa pública”181. Ele tinha esse compromisso de representação pública e monumental que foi apresentado por meio de dois artifícios, a utilização de princípios arquitetônicos prototípicos imanentes, como os greco- romanos, e o desejo de alcançar a nova monumentalidade. A tradição clássica como carga simbólica e compositiva foi associada aos novos materiais e ao vocabulário modernista, juntos formaram um fórmula que identificou um tipo: o edifício público monumental moderno. O qual foi revisitado diversas vezes na arquitetura brasileira e no qual se encaixa os edifícios públicos de Acácio Gil Borsoi.

178 SEGRE et al. O edifício do Ministério da Educação e Saúde (1936-1945): museu “vivo” da arte

moderna brasileira. Arquitextos, São Paulo, feb 2006. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.069/376, acesso em 30 out. 2012.

179 SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Edusp, 1998, p.91.

180 Isso ocorre de maneira contraditória dentro da ditadura ora caça direitos civis ora valoriza essa mesma

sociedade que deve ficar muda.

181 COMAS, Carlos Eduardo. Protótipo e monumento, um ministério, o ministério. Projeto, São Paulo, n.

3.0 Acácio Gil Borsoi

Este capítulo evidencia a articulação entre tradição clássica e modernidade na formação do arquiteto Acácio Gil Borsoi, incluindo a influência de seu pai, Antonio Borsoi, a sua infância e juventude na ambiência carioca, a sua formação acadêmica na Faculdade Nacional de Arquitetura e, por fim, o seu percurso profissional até os primeiros grandes projetos dos edifícios públicos.

Partindo do pressuposto que a construção do conhecimento ocorre de diversas maneiras e depende de muitos fatores, acreditamos que a experiência de vida e a transmissão social podem ajudar a entender sua visão de arquiteto.182 Borsoi sofreu influências de pessoas, ambientes e ações que refletiram em sua obra como um todo, em especial a pública.

Quando se fala em influências em Arquitetura, ela pode ser entendida como modelo, tipo, teoria e/ou método. A influência inspirada em um modelo parte de um “objeto cuja forma pode ser imitada”, como os revivals no século XIX. A referência ao tipo pode ser por meio de “constante que se transmite através das mudanças históricas” 183, como a tradição clássica é revisitada na arquitetura moderna. A teoria pode servir como influência baseando-se num conjunto de regras, como, por exemplo, os cinco pontos da arquitetura de Le Corbusier. A referência a um método advém pelo ensinamento de certos princípios norteadores que facilita a realização de um produto, como o método Beaux-Arts que definiu um sistema de composição arquitetural.

Perceberemos que a formação de Borsoi foi influenciada pelos tipos do passado os quais são refletidos em sua obra, a teoria da tradição clássica e da arquitetura moderna (a partir dos textos e obras de Le Corbusier) e do método de projetar de seu pai e da Faculdade Nacional de Arquitetura, onde estudou.

182 A experiência entendida como dois tipos distintos: a física, que consiste no conhecimento adquirido a

partir dos próprios objetos e a lógico-matemática a partir das ações do indivíduo sobre esses objetos. A transmissão social é o conhecimento adquirido pela linguagem e pelo ensino formal. FERRACIOLI, F. Aspectos da construção do conhecimento e da aprendizagem na obra de Piaget. In http://www.fsc.ufsc.br/cbef/port/16-2/artpdf/a5.pdf, acesso em 29 out. 2012.

183 ARGAN, Giulio Carlo, op. Cit., p.199.