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SUSTENTABILIDADE, A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E AS RELAÇÕES BRASIL-FRANÇA

2.4 História das relações Brasil-França: primórdios das questões ambientais e bilaterais

2.4.3 Ambiente e iluminismo entre os séculos XVIII e

Uma significativa marca do cenário internacional no século XVIII foi o rearranjo das prioridades estabelecidas pelas forças conflitantes a Portugal, uma vez que os principais rivais - Inglaterra, França e Holanda – estavam centrados sobre a conquista de territórios no Caribe e nas Guianas (DROULERS, 2001, 2006).

A primeira metade do século XVIII é caracterizada como um período de silêncio ou escuridão nas relações territoriais franco-brasileiras, tendo em vista que nenhum grande projeto de povoamento esteve em disputa direta entre os dois países. Além disto, o início deste século testemunhou invasões bélicas que acirraram as disputas militares e comerciais de ambos os lados. Neste sentido, alguns episódios marcantes foram as invasões dos corsários Duclerc (1710) e Duguay-Trouin (1711) no Rio e a tomada de Fernando de Noronha (1736).

A declaração de guerra feita por Portugal à França no início do século XVIII incentivou o corsário Jean-François Duclerc a planejar a reconquista da Baía de Guanabara em nome do Rei Luís XV, sobretudo devido ao acesso portuário desta região para transporte do ouro das Minas Gerais. A missão de Duclerc fracassou ele foi feito refém até ser assassinado alguns meses depois.

Sob pretexto de “vingança” à morte de Duclerc, os franceses se revoltaram e

René Duguay-Trouin assumiu nova missão composta por dezessete navios e quase seis mil homens que invadiram o Rio de Janeiro em 12 de dezembro de 1711, partindo de La Rochelle (TAVARES, 1973; TROTTEIN, 1996).

A cidade do Rio de Janeiro, considerada até então inconquistável, foi tomada pelo pânico e permaneceu por dois meses sob o domínio das tropas de Duguay-Trouin que apenas se retiraram após o pagamento de resgate de mais de seiscentos mil cruzados, além de diversos produtos cedidos pelo governo local. Duguay-Trouin foi recebido com honras de Estado na França, ganhando carta de nobreza do rei Luís XIV.

A intervenção do grupo de Duclerc foi posteriormente representada pelo Barão de Rio Branco, dados de 1711, no mapa das áreas invadidas na Baía de Guanabara.

90 Mapa 03 – Invasões no Rio de Janeiro

Fonte: MRE on ligne, 2012; autoria Barão do Rio Branco baseado em documentos de 1711.

A conquista de Fernando de Noronha se deu pacificamente por meio de ocupação da área pela Companhia Francesa das Índias Ocidentais em 1736, sob comando do capitão Lesquelin que denominou o arquipélago de Île Dauphine. A referida invasão foi expulsa por uma força de duzentos homens sob o comando de João Lobo de Lacerda em 06 de outubro de 1737 e levou a capitania de Pernambuco a adotar a construção dos três fortes que circundam a ilha até hoje (VIEIRA, 2011; DONATO, 1996).

Percebemos que nas experiências citadas, a perspectiva territorial encontra-se extremamente reduzida aos interesses comerciais diretos e, desta forma, não representam mais um projeto francês de colonização do Brasil, configurando-se como um período conflituoso nas disputas franco-brasileiras. Em contrapartida, ao passo que as disputas bélicas franco-brasileiras se tornavam cada vez menos frequentes, outra

91 marca da influência francesa se intensificava no Brasil ao longo do século XVIII, determinando novos padrões de racionalidade no uso do espaço, na urbanização e na economia das cidades, tratava-se do Iluminismo e do ideal de modernidade. Por isso, a segunda metade do século XVIII, bem como os cem anos posteriores, são compreendidos como o período das luzes da influência cultural europeia, sobretudo francesa, no Brasil, conforme discutimos no capítulo anterior.

Símbolo maior da presença das perspectivas modernas europeias no estado brasileiro foi a idéia de progresso, marca central da modernidade, estampada no maior símbolo do país, a bandeira nacional, sob o desígnio modernizador “Ordem e

Progresso”. A maior parte dos movimentos intelectuais brasileiros entre os séculos

XVIII e XX, bem como as revoltas populares e os ideais de trabalho estavam inspirados

em ideias iluministas. A “conspiração mineira”, por exemplo, foi planejada por três

alunos seguidores de Montesquieu (THÉRY, 1987).

A presença teórica francesa se impunha como fundamento prioritário da educação nacional, mesmo que as práticas políticas vigentes no Brasil fossem extremamente contraditórias com muitos dos preceitos iluministas. O poder moderador do Império, por exemplo, configurava-se como um dentre os muitos cadafalsos entre a inspiração e a prática iluminista no Brasil.

A reprodução de hábitos culturais e indumentárias francesas também marca a

paisagem das cidades brasileiras do século XIX, instaurando uma “coqueluche française”. Assim, o ambiente das cidades que o Brasil construía lentamente se baseava

nos ideais franceses de urbanização e paisagem.

Naquela época, a distribuição geoespacial do Brasil ainda apresentava um frágil processo de integração nacional. Logo, as cidades de regiões litorâneas [Rio de Janeiro, Recife, Salvador, São Luís, Belém] funcionavam como células de um arquipélago continental cujas vias de comunicação e os contatos comerciais internos eram precários (DROULERS, 2001). Tais cidades estavam voltadas às relações fora do Brasil e para os

negócios d’além-mar. Neste contexto, as relações com os países europeus, na maioria

das vezes, eram mais acessíveis do que os contatos com as outras cidades do Brasil. Enquanto os fenômenos da modernidade efervescente atuavam culturalmente no litoral brasileiro, as fronteiras interiores viviam outras relações com os países europeus,

92 baseadas nas disputas finais pela demarcação do traçado político na América do Sul. Foi nesta dimensão que Brasil e França vivenciaram sua última disputa territorial, na qual o cenário central não se situava mais nas áreas urbanas ou nos grandes portos comerciais, e sim numa região despovoada da Amazônia: a fronteira do Rio Oiapoque.