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Ambiguidade na convivência conjugal como situação suscitada na prevenção do câncer do colo do útero

US 2 - Ambiguidade na convivência conjugal como situação suscitada na prevenção do câncer do colo do útero

Para Heidegger (2008, p.240), há um modo ontológico da presença desvelar-se. Um modo fundamental de ser da cotidianidade, que ele denomina decadência, na qual a falação, a curiosidade e a ambiguidade caracterizam o modo como a presença realiza cotidianamente o seu “pré”, a abertura de ser-no-mundo. A palavra decadência não exprime qualquer avaliação negativa, pretende apenas indicar que, numa primeira aproximação, e na maior parte das vezes, a presença está junto e no mundo das ocupações.

Essa unidade de sentido se estruturou na consideração heideggeriana, em que a ambiguidade não diz respeito apenas ao dispor e ao tratar com o que pode estar acessível, mas, já se consolidou no compreender como um poder-ser, no modo do projeto e da doação preliminar de possibilidades da presença. Ela já subsiste na “convivência enquanto convivência lançada num mundo” (HEIDEGGER, 2008 p.239).

As gestantes desvelaram que, ao realizar o papanicolaou, o fizeram numa perspectiva não só de precaução, mas, também, porque há sempre uma suspeita de que o parceiro possa contaminá-la com alguma DST/IST, por exemplo:

Relacionamento[...] aí já é uma forma de vim a doença não é isso? [...] tem a AIDS, tem escorrimento, coceira, as que eu conheço é essa [...]. Margarida.

[...] Tô sempre com um parceiro só, mas a gente tem que

tá sempre vigiando, usando preservativo sempre! Orquídea.

Em Ser e Tempo, Heidegger (2008, p.239) descreve que a presença é e está sempre “por aí” de modo ambíguo, ou seja, por aí na abertura pública da convivência. No depoimento de Orquídea, manifesta-se a preocupação de estar sempre vigilante no relacionamento, pois, a qualquer momento, pode surgir uma situação de saúde que envolva a sexualidade, e isso a deixa na ambiguidade da confiança na convivência sexual.

No cotidiano da ambiguidade, estamos inseridos em uma compreensão mediana e superficial e, devido a isso, na convivência, temos a impressão de que conhecemos plenamente o outro, mas, não conhecemos sequer nós mesmos; estamos sempre no âmbito do outro, somos o que nos ditam, nunca olhamos para nós mesmos. Nunca procuramos saber quem realmente somos o que nos é próprio, e aquilo que realmente é nosso (SOUSA; RIBEIRO, 2007).

A fala de Violeta aponta para a pré-compreensão que ela tem do mundo feminino nos relacionamentos conjugais, pois há sempre a possibilidade da infidelidade conjugal e, com ela, o despertar para a prevenção e o tratamento de doenças ginecológicas, esse reafirmado pela expressão [...] se cuidar direitinho [...]:

[...] A gente mulher tem que se proteger de tudo né? Aí você tem que se cuidar direitinho [...] Violeta.

Para Sousa e Ribeiro (2007), estamos sempre preocupados com a vida dos outros, com o que usam e o que fazem. Então, à forma ambígua em que se dá a presença cotidiana, de pensarmos que conhecemos a nós e aos outros, mas no fundo isso não se dá, não podemos distinguir o próprio do impróprio. Ou seja, no cotidiano, temos a pretensão de que tudo é compreendido e visualizado propriamente.

Isto é, aquilo que compreendemos e visualizamos é feito de forma original, única. Mas, apesar de nos empenharmos pela singularidade, o que temos é uma compreensão mediana, na qual se compreende tudo, porém, de maneira superficial, ambígua, pois não temos contato com o fundamento, a origem daquilo com que lidamos e nem nos apropriamos das coisas.

Nesta unidade de sentido, o modo da desconfiança, como nos diz Ferreira (2011a), rege muitas vezes a convivência recíproca da presença o caráter de fechamento da afinação da liberdade e, concomitante, o caráter de fechamento da afinação do amor. O caráter ambíguo da prevenção está associado à sexualidade que diz respeito, também, à possibilidade da infidelidade conjugal. A mulher coloca-se muitas vezes atenta, referindo-se ao uso do preservativo nas relações sexuais, tentando estabelecer, com o parceiro, uma relação de proteção, que está perceptível na fala:

(silêncio inicial, como se estivesse elaborando a resposta) Prevenir, prevenindo... é, usar camisinha, eu acho assim!

[...] tomar cuidado, usar camisinha, conhecer o parceiro. Angélica

Na minha compreensão, há um velamento próprio no cotidiano que permeia as relações conjugais, pois, ao dizer [...] tomar cuidado [...], ela refere à possibilidade de ter indagações que aparecem, também, na falação, que podem estar fundadas em leituras de material impresso, em informações veiculadas na mídia ou em outras formas de se obter conhecimento, e, a partir desse contexto, ter formulado, em seu cotidiano, a compreensão de que a prevenção do câncer do colo do útero envolve situações sexuais, as quais devem ser cuidadosamente analisadas, por exemplo, a transmissão do HPV.

Portanto, nessa base de informações, podem-se originar incoerências e inconsistências que fundam modos de ser de gestantes na prevenção do câncer do colo útero, fazendo com que os estados de saúde e de adoecimento, sejam polos constituintes da totalidade da existência.

Para Forghieri (2004), essas são maneiras de existir de certo modo opostas, paradoxais e ambíguas, que se alternam constantemente no decorrer da nossa existência e às vezes tão próximas que chegam a se entrelaçar. Reflito, nesta tese, que a gestante, mesmo sabendo das possibilidades da infidelidade conjugal e da possível ocorrência de IST‟s, mantém-se com o parceiro, vivenciando a maternidade, mas atenta às peculiaridades da ambiguidade no existir. O depoimento adiante desvela o modo de ser na ambiguidade, pois a gestante compreende que não basta realizar o papanicolaou, deve estar também atenta ao parceiro e à possibilidade de ser contaminada:

[...] Porque prevenir não é só fazer os exames. Às vezes a mulher fala: Ah! Eu conheço meu esposo, eu sei que ele não me trai [...] Porém, a gente tem que tá usando preservativo sempre [...]. Orquídea

A ambiguidade está implícita nesse discurso, por quanto o que temos é uma compreensão mediana, na qual se compreende tudo, porém, de maneira superficial, na forma do caráter ambíguo, pois não temos contato com o fundamento (origem) daquilo com que lidamos e nem nos apropriamos das coisas (SOUSA; RIBEIRO, 2007).

No cotidiano das relações conjugais, no modo da falação há sempre as conversas sobre as possibilidades da infidelidade conjugal por parte do homem, o que favorece o modo de ser da gestante na ambiguidade.

Assim, segundo Sousa e Ribeiro (2007), em relação ao que realmente acontece, a ambiguidade oferece a interpretação comum aos discursos sem questionamentos e embasamentos, desvalorizando as ações e os acontecimentos. Nessa ambiguidade, também

ocorre a possibilidade da presença, além de saber falar sobre o que ocorre, falar também do que vai acontecer e o que se deve fazer. Todos já compreenderam e pressentiram o que os outros compreenderam e pressentiram, esse estado de existência demarca então, o modo de existir na ambigüidade, como ficou desvelado nessa unidade de sentido.

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