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Amor I love you

No documento Videoclipe: a canção para os olhos (páginas 66-107)

trecho da obra O Primo Basílio , do escritor português Eça de Queirós, recitado por Arnaldo Antunes. Neste capítulo pretende- se verificar e analisar como ocorre a intertextualidade entre o videoclipe e a obra literária. A canção pode ser encontrada no álbu m “Memór ias, crônicas e declarações de amor” de 2000 e o videoclipe foi dirigido por Breno Silveira e Lula Buarque de Hollanda: Lu l a B u a r q u e d e H o l a n d a – C i n e a s t a e p r o d u t o r , u m d os s ó c i o s - f u n d a d o r e s d a C o n s p i r a ç ã o F i l m e s , d i r i gi u o d o c u m e n t á r i o P i e r r e V e r ge r , m e n s a g e i r o e n t r e d oi s m u n d o s ( 1 9 9 9 ) , r e t r a t o d o f o t ó gr a f o f r a n c ê s q u e v i a j o u p e l o p l a n e t a e s e f i x o u n a B a h i a . O d o c u m e n t á r i o t r a z a ú l t i m a e n t r e v i s t a d e V e r g e r a n t e s d e m o r r e r , um a c o n v e r s a c o n d u z i d a p o r G i l b e r t o G i l . Lu l a t a m b é m f o i p r o d u t o r d e o u t r a p a r c e r i a c o m G i l , o d o c u m e n t á r i o V i v a S ã o J o ã o ! ( 2 0 0 2 ) d e A n d r u c h a W a d d i n gt o n , q u e a c o m p a n h a o c a n t o r e c o m p o s i t o r e m um a t u r n ê n o r d e s t i n a d u r a n t e o p e r í o d o d a s f e s t a s d e S ã o J o ã o . F o r m a d o e m a n t r o p o l o gi a p e l a U F R J , f e z m e s t r a d o e m e s t u d o s c i n e m a t o gr á f i c o s n a U n i v e r s i d a d e d e N o v a Y o r k . D i r i gi u e p r o d u z i u e s p e c i a i s m us i c a i s s o b r e M a r i s a M o n t e , G i l b e r t o G i l , M i l t o n N a s c i m e n t o , C a e t a n o V e l o s o e o gr u p o T i t ã s , a l é m d e v i d e o c l i p e s p a r a d i v e r s o s a r t i s t a s n a c i o n a i s e f i l m e s p u b l i c i t á r i o s . Em 2 0 0 3 f e z s u a e s t r e i a c o m o d i r e t o r d e u m l o n ga d e f i c ç ã o c o m C a s s e t a & P l a n e t a - O f i l m e . E m p a r c e r i a c o m C a r o l i n a J ab o r d i r i gi u O m i s t é r i o d o s a m b a , d o c u m e n t á r i o s o b r e a V e l h a G u a r d a d a P o r t e l a c o m r o t e i r o d e M a r i s a M o n t e . O l o n ga , c o m p a r t i c i p a ç ã o d e P a u l i n h o d a V i o l a e Ze c a P a go d i n h o , f o i ex i b i d o n a m o s t r a C i n e m a n a P r a i a d o F e s t i v a l d e C a n n e s 2 0 0 8 e f o i e l e i t o o m e l h o r d o c u m e n t á r i o d e 2 0 0 8 p e l a A c a d e m i a B r a s i l e i r a d e C i n e m a . S e u n o v o p r o j e t o é a a d a p t a ç ã o p a r a o c i n e m a d e O v e n d e d o r d e p a s s a d o s , r o m a n c e d o e s c r i t o r a n go l a n o J os é E d u a r d o A gu a l u s a. B r e n o S i l v e i r a – F o t ó gr a f o d a n o v a ge r a ç ã o , d e s p e r t o u a t e n ç ã o l o go n a s u a e s t r e i a e m l o n ga - m e t r a ge m , n o f i l m e C a r l o t a J o a q u i n a ( 1 9 9 5 ) , d e C a r l a C a m u r a t i . V e n c e d o r d o G r a n d e P r ê m i o C i n e m a B r a s i l 2 0 0 0 d e f o t o gr a f i a p o r E u t u e l e s , d e A n d r u c h a W a d d i n gt o n , é s ó c i o d a C o ns p i r a ç ã o F i l m e s d e s d e 1 9 9 6 . C a r i o c a d e 1 9 6 4 , f o r m a d o n a É c o l e Lo u i s Lu m i è r e d e P a r i s , j á t r a b a l h o u e m m a i s d e 2 0 f i l m e s d e l o n ga - m e t r a ge m c o m o a s s i s t e n t e o u c o m o d i r e t o r d e f o t o gr a f i a , s e m p r e

d o c u m e n t á r i o p a r a t e l e v i s ã o M a r s e m f i m , s o b r e o n a v e g a d o r A m yr K l i n k . F e z a i n d a a f o t o gr a f i a d e La s e r v a p a d r o n a ( 1 9 9 8 ) , d e C a r l a C a m u r a t i , B u f o & S p a l l a n z a n i , d e F l á v i o T a m b e l l i n i , G ê m e a s ( 1 9 9 9 ) , d e A n d r u c h a W a d d i n gt o n , T r a i ç ã o ( 1 9 9 8 ) , d e A r t h u r F o n t e s , C l á u d i o T o r r e s s e J o s é H e n r i q u e F o n s e c a , e O h o m e m d o a n o ( 2 0 0 3 ) , d e J os é H e n r i q u e F o n s e c a . E s t r e o u n a di r e ç ã o d e l o n ga - m e t r a ge m c o m D o i s F i l h o s d e F r a n c i s c o : a h i s t ó r i a d e Ze z é di C a m a r go e Lu c i a n o , o f i l m e m a i s v i s t o n o p a í s e m 2 0 0 5 e o n ú m e r o u m d o r a n k i n g d a r e t o m a d a c o m m a i s d e c i n c o m i l h õ e s d e e s p e c t a d o r e s . D u r a n t e a C o p a d e 2 0 0 6 , f i l m o u c o m A n d r u c h a W a d di n gt o n um a s é r i e d e d o c u m e n t á r i o s p a r a a t e l e v i s ã o s o b r e o s í d o l o s d o f u t e b o l . E m 2 0 0 7 , f i l m o u E r a um a v e z ( 2 0 0 8 ) , s e u s e gu n d o l o n ga - m e t r a g e m n a di r e ç ã o , e p r o d u z i u A m u l h e r d o m e u a m i go ( 2 0 0 8 ) , d e C l á u d i o T o r r e s . La n ç a d o e m 2 0 0 8 , E r a u m a v e z f o i s e l e c i o n a d o p a r a o F e s t i v a l d e T o r o n t o . 6

Com base nesta curta biografia dos diretores, pode- se inferir que eles possuem bastante experiência, não somente com videoclip es, mas tamb ém com outras linguagens pertencentes ao meio audiovisual, conferindo maior credibilidad e ao seu trabalho. O videoclipe que será analisado ganhou o prêmio de melhor videoclipe de MPB na edição de 2000 do VMB, o Video

Music Brasil, premiação realizada pela MTV Brasil.

Abaixo, tem- se a letra da canção:

1 ) D e i x a e u d i z e r q u e t e a m o D e i x a e u p e n s a r e m v o c ê Is s o m e a c a l m a , m e a c o l h e a a l m a Is s o m e a j u d a a v i v e r 5 ) H o j e c o n t e i p r a s p a r e d e s C o i s a s d o m e u c o r a ç ã o P a s s e i n o t e m p o C a m i n h e i n a s h o r a s M a i s d o q u e p a s s o a p a i x ã o 1 0 ) É u m e s p e l h o s e m r a z ã o Q u e r a m o r f i q u e a q u i 6http://www.filmeb.com.br/quemequem/html/QEQ_profissional.php?get_cd_profissional=PE258 e http://www.filmeb.com.br/quemequem/html/QEQ_profissional.php?get_cd_profissional=PE55 acessado em 11 de maio de 2009.

É o a m o r q u e m e s t á a q u i 1 5 ) A m o r I l o v e yo u A m o r I l o v e yo u A m o r I l o v e yo u 1 8 ) A m o r I l o v e yo u P ri m o B a s í l i o - E ç a d e Q u e i r o z ( 1 8 7 8 ) ( . . . ) Ti n h a s u s p i r a d o , t i n h a b e i j a d o o p a p e l d e v o t a m e n t e ! E r a a p r i m e i r a v e z q u e l h e e s c r e v i a m a q u e l a s s e n t i m e n t a l i d a d e s , e o s e u o r gu l h o d i l a t a v a - s e a o c a l o r a m o r o s o q u e s a í a d e l a s , c o m o u m c o r p o r e s s e q u i d o q u e s e e s t i r a n u m b a n h o t é pi d o ; s e n t i a u m a c r é s c i m o d e e s t i m a p o r s i m e s m a , e p a r e c i a - l h e q u e e n t r a v a e n f i m n u m a e x i s t ê n c i a s u p e r i o r m e n t e i nt e r e s s a n t e , o n d e c a d a h o r a t i n h a o s e u e n c a n t o d i f e r e n t e , c a d a p a s s o c o n d u z i a a u m êx t a s e , e a a l m a s e c o b r i a d e um l u x o r a d i o s o d e s e n s a ç õ e s !7

Por razões metodo lógicas, primeir amen te será analisada a letra da canção, em seguida o trecho de O Primo Basílio , e então, o videoclip e. Inicialmen te, o título da canção chama bastante a atenção, uma vez que apresenta uma frase em língua inglesa: I love you. Esta frase significa “Eu te amo” e é amplamente conhecida, inclusive por quem não domin a o idio ma estrangeiro, uma vez que é uma frase muito utilizada em canções e filmes norte-americanos. Há um indício de que esta canção possui uma temática amorosa. Entretan to, por se tratar de uma canção pertencente ao gênero MPB, música popular brasileira, esta escolha por uma frase em inglês causa certo estranhamento, ainda mais se tratando de uma frase que pode ser considerada um clichê.

Quanto à letra da canção, pode-se afirmar que ela é composta por quatro estrofes, sendo que a primeira e a última têm quatro versos, a segunda estrofe tem sete versos e a terceira, três versos. O número de sílabas poéticas varia e os versos são livres, ou seja, a estrutura da canção não é fixa.

Na primeira estrofe, “Deixa eu dizer que te amo ”, já é desvelado o interlocutor, por inter médio do pronome pessoal do caso reto, “eu”, e o

pedido do interlocu tor. Cabe também ressaltar que esta relação (entre interlocutor e interlocutár io) encontra- se no mesmo nível hierárquico, ou seja, o interlocu tor não coloca seu interlocu tário acima dele, mas no mesmo nível. Assim, este interlocutário não é idealizado, como era costume, por exemplo, nas cantigas trovadorescas. Isto pode ser comprovado co m o uso do pronome “te” e “você”, no primeiro e segundo versos, respectivamente.

Ainda na primeira estrofe, é possível encontrar dois paralelis mos: entre o primeiro e segundo versos e entre o terceiro e quarto verso. Nos dois primeiros versos, há o mesmo início, “deixa eu”, e nos dois últimos versos há o pronome demonstr ativo “isso”, que reto ma os dois primeiros versos, seguidos de ações reflexivas: “me acalma”, “me acolhe a alma”, “me ajuda a viver”. Desta forma, na primeir a estrofe há uma relação de causa e consequência, ou seja, a permissão do interlocu tário afeta diretamente o interlocutor.

Na segunda estrofe, por sua vez, o interlocu tor revela suas ações passadas. Isto pode ser notado com os verbos no pretérito perfeito, o que indica ações já concluídas. Além disso, também há, no início da segunda estrofe, um dêitico temporal, “hoje”, o que indica que as ações concluídas pertencem a um passado próximo, e, portanto, mantêm- se, atuais. Entretanto, esta não é a única referência temporal: no sétimo e oitavo versos, “Passei no tempo / Caminh ei nas horas”, o interlocutor parece interagir com este tempo, ao se referir à sua memória. E, ao final da estrofe, há um dêitico espacial: “aqui” em “Quer amor fique aqui”, indicando também um apelo ao interlocutár io.

Após este apelo, na terceira estrofe, os verbos estão no presente do indicativo: mais uma vez há uma relação de causa e consequência, mas agora entre a segunda e a terceira estrofes, reforçado pelo dêitico temporal “agora”. Nos versos doze e treze, o interlocutor procurar explicar como se sente: “Meu peito agora dispara / Vivo em constante alegria”. E no verso quatorze, explica o porquê: “É o amor quem está aqui”. Assim, a temática amorosa é reforçada, pois no primeiro verso o que “dispara” é o coração, ou seja, o coração bate num ritmo mais acelerado devido a emoção causada pelo interlocutário.

o interlocutár io é o amor.

E, ao final, Arnaldo Antunes cita um trecho da obra O Primo Basílio , de Eça de Queirós. Esta obra pertence ao movimento realista português e, em linhas gerais, conta a história de Luísa, uma mulh er casada e superficial que tem um caso extraconjugal com um primo, enquanto seu marido está viajando. Sua empr egada Juliana, por sua vez, guarda todas as evidências desse relacionamen to para depois chantagear a patroa, que, ao final, adoece e morr e.

Luísa, segundo a teoria de Forster sobre personagens planas e redondas, pode ser considerada uma personagem plana, uma vez que não apresenta qualquer complex idade ou mudança ao longo da narrativa: pelo contrário, ela não consegue enfrentar a chantagem de sua empreg ada, mas adoece. A escolha por uma personagem plana deve-se ao fato de que o realismo, dentre outras características, pretendia mostrar a realidad e de deter min ada sociedade, no caso, a sociedade portuguesa do século XIX.

O trecho recitado apresenta uma passagem em que Luísa fica envaidecida ao ler uma carta de Basílio, ou seja, este trecho relata como ela se sentiu com as palavras de Basílio.

No videoclip e, por sua vez, a história contada reporta- se ao passado. No início, a câmera foca a casa e, então, após um corte, abre- se a porta principal onde se encontra um casal de idosos. O homem está à frente lendo um livro e a mulher, no fundo da cena, bordando. Então, há um corte e a figura da mulher é focada - neste momento, sabe- se que é a intérprete caracterizad a. Este corte ocorre após a introdução da música, ou seja, quando efetivamente a intérprete começa a cantar (entretanto a personagem não canta).

Esta personagem deixa o bordado, pega uma foto antiga e fecha os olhos, entrando, então, no tempo da memória. Assim, quando a canção diz “Deixa eu pensar em você”, ela está olhando a fotografia e depois começa o

roupas das personagens. Além disso, a posição da intérprete/personagem, no meio, porém mais próxima a um dos homens, parece indicar que se trata de um triângulo amoroso.

Na primeir a parte do flashback , as três personagens estão sentadas à mesa conversando e um dos homens, o que se encontra mais próximo à mu lher na imagem acima, pega na mão da mulher, que corresponde com um sorriso. E, na próxima cena, ela faz uma mala e ele se despede dela com um beijo na testa e ela, o abraça. Até este momen to, há a impr essão de que a canção é sobre este casal, uma vez que tanto o beijo na testa quanto o abraço podem ser entendidos como sinal de afeto. Até este mo mento do videoclip e, o enunciatário ouve as duas primeiras estrofes da canção e a repetição da primeira estrofe.

Porém, quando a segunda estrofe começa a ser repetida, a terceir a personagem entra em cena. Luísa sai com este personagem, interpretado por Arnaldo Antunes, e parece tentar se esquivar dele ao mes mo tempo. Durante todo o tempo desta estrofe, estas duas personagens se encontram em um ambien te ao ar livre, o que é contraditório, pois o roman ce entre elas é proibido e secreto.

“Passei no tempo ” é representado imag eticamen te pela carruagem na qual as duas personagens se encontram e, “Caminhei nas horas”, é representado pelo caminhar das personagens em um gramado. Deste modo, pode-se verificar que estes dêiticos tempor ais não são esquecidos no campo imagético.

tamanho pequeno em relação ao resto da cena. Assim, o andar da carruagem em direção às árvores, ou seja, ao ar livre parece representar um marco em sua vida, talvez a coragem para um relacionamento proibido.

Já na segunda imagem, representação de “Caminhei nas horas”, o casal encontra- se um pouco distante um do outro, porém o que chama a atenção é o jogo de luz e sombra. As personagens encontram- se de roupas escuras e a imagem apresenta uma parte na sombra e outra no sol. O casal caminha sob o sol e na mesma direção, mais uma vez reforçando a contradição já mencionada de que, por ser um romance proibido, ele deveria ser secreto e não ao ar livre,

mesmo sendo proibido.

Esta última hipótese é reforçada com os versos “Quer amor fique aqui”, cuja representação é, em primeiro plano, a de uma árvore:

Como pode ser observado, a parte da árvore mostrad a são as raízes. Assim, o amor é representado como as raízes de uma imensa árvore, ou seja, como um sentimen to grande e profundo. Ao notar o tamanho das personagens em relação a estas raízes, pode- se concluir que a ideia passada é a de que o sentimen to que as une é maior que elas próprias, ou pelo menos é esta a impressão das personagens.

Quando a terceira estrofe começa, o cenário muda. As personagens não estão mais ao ar livre, mas em um local fechado e escuro, somente ilu minado por velas, como se elas tivessem então to mado consciência da inviabilidad e do roman ce. Entretanto, há uma diferença entre o que está sendo cantado e a imagem. Como já explicado nos capítulos anteriores, uma das características do videoclipe é a possibilidad e de criar, ou seja, esta linguagem não tem a obrigação de representar exatamente o que está sendo cantado; o que a limita, porém, é o tempo da canção.

Deste modo, nos versos “Meu peito agora dispara/ Vivo em constante alegria”, tem- se a seguinte imagem:

personagem, por ser casada, não dever se relacionar co m outro homem. Assim, ela não pode mostrar o que realmente sente, por isso há esta contradição entre canção e imagem.

E este sofrimento dela também é compar tilh ado pela personagem masculin a: ele sabe que o roman ce é proibido, e isto só pode ser notado no videoclipe.

Entretanto, cabe ressaltar que, na letra da canção, não há qualquer indício de que o sentimen to nutrido do interlocu tor em relação ao interlocutár io seja proibido. Isto só pode ser inferido a partir do trecho do

escolhido não menciona, propriamente dito, a traição da personagem Luísa. E a última estrofe, que contém o título da canção, se inicia ao mesmo tempo em que a personagem femin ina, ao perceber que a outra personagem se aproxima dela, afasta- se subitamente, primeiramente entra em um quarto e depois sai do amb iente fechado para o amb iente ao ar livre. Porém este ambien te ao ar livre está mod ificado : não há mais sol, ou seja, já está escurecendo, o que pode ser tanto um dêitico tempor al quanto uma representação do estado de espírito da personagem, dividida entre seus sentimen tos e o que é socialmente correto.

Além disso, pode-se notar também o uso de cores frias que criam um contraste com o ambiente anterior: o céu torna- se roxo e o verde do gramado e das árvores dá lugar ao preto, como se agora fossem apenas sombras. Portanto, pode- se identificar uma progressão deste sentimen to proibido e a luta interna contra o que ela sente. Cabe também ressaltar que a própria personagem aparece nesta paisagem também como uma sombra, o que completa este quadro. Além disso, o refrão da música é composto da repetição do título, Amor I love you , o que reforça ainda mais a luta interna da personagem: ela sabe o que sente, mas tamb ém sabe que não deve sentir isso.

versos da canção, como pode ser visto abaixo:

Há, portanto, uma transcrição da letra da música, o que inverte os papéis: a voz que canta é feminin a, mas as palavras são escritas pelo homem. O trecho do livro pode, então, indicar como a personagem femin ina se sentiu ao ler aquelas palavras, ou ainda, como ele gostaria que ela tivesse se sentido. Desta forma, a personagem feminin a do videoclipe apresenta semelhan ças com a Luísa, de Eça de Queirós, no que se refere ao caso extraconjugal e em como ambas se sentiam, o que é confirmado pela imag em, que mostra a mu lher lendo aquelas palavras.

E, após este trecho ser recitado, a canção termina com a repetição do refrão. O foco volta a ser a fotografia observada pela personagem feminina, já mais velha. Ou seja, a fotografia marca o início e o final do flashback , funcionando, neste contexto, como um dêitico temporal para o enunciatário e também para a interlocutora, uma vez que é a fotografia que traz a lembr ança. Na primeira cena em que aparece a fotografia, a câmera mostra primeiramente o casal, para depois focar a terceira personagem; e, para concluir esta narrativa, na cena em que a fotografia aparece, o movimento é inverso: primeiro é focada a terceira personagem e depois o casal.

No videoclipe, também há indícios da diferença da relação entre marido x esposa e entre amante x esposa. Conforme já mencion ado no início do

nutre um sentimen to não per mitido, mais especificamen te no final, quando Arnaldo Antunes recita “a alma se cobria de um luxo radioso de sensações”, a imagem é a de um beijo no pescoço:

Deste modo, pode- se inferir que o sentimen to da mu lher pelo homem que não é seu marido é baseado na paixão e no desejo, enquanto o sentimen to dela por seu marido apresenta traços de carinho e companheiris mo. Ao final do videoclipe, depois de terminado o flashback , é a mulh er que dá um beijo na testa do marido:

Assim, este sentimento de respeito e cumplicidad e parece ser mútuo e mais forte que a paixão e o desejo. E isso tamb ém ocorre do ponto de vista do

dentro do livro que estava lendo, uma foto na qual estão a esposa e uma outra mulher, sendo que o movimento da câmer a, que foca esta outra mu lher, acaba por revelar isto e, assim, surpreender o enunciatár io. E o marido esboça um sorriso, indicando que se trata de uma boa lembr ança.

Esta “revelação” também não ocorre na canção: na verdade, a canção não revela muito sobre o interlocutário ao enunciatár io, como já mencionado anteriormente neste capítulo. E tampouco há indícios de que, na obra de Eça de Queirós, o marido de Luísa tivesse qualquer relacionamento extraconjugal, pelo contrário. Deste modo, pode-se afirmar que o videoclipe pretende ir além da canção, e não somen te representá- la.

Outro aspecto curioso e que diverge dos outros dois videoclipes analisados neste trabalho é que a intérprete/personagem não canta, a canção é tocada ao fundo da narrativa imagética, assemelh ando- se a uma trilha sonora. Esta característica pode ser justificad a como uma tentativa de separar as figuras da intérprete e da personagem caracter izada por ela. Deste modo, as figuras do enunciador, enunciatár io, interlocutor e interlocu tário estão, no videoclipe, claramente distintas.

Tanto a canção quanto o videoclipe também convergem para o título do CD no qual a canção foi gravada: “Memór ias, crônicas e declarações de amor”. A “declaração de amor” é encontrada logo no título da canção, cujo

Pode-se verificar que este videoclipe pretende ir além da canção, criando, a partir dela, uma narrativa não presente na letra da canção, mas mantendo a temática amorosa. Além disso, a canção, ao apresentar um trecho de uma obra pertencen te à literatura portuguesa, mostra um outro lado da literatura ao seu público. E o videoclip e, cujo público não é o mes mo, amplia ainda mais o alcance desta obra. Talvez isto ocorra com o intuito de despertar no enunciatário, tanto da canção quanto do videoclipe, o interesse pela obra de Eça de Queirós, ou então seja para mostrar que esta obra do século XIX pode ser atual.

Portanto, a canção mostra um pequeno trecho da obra realista portuguesa que o videoclipe amp lia, semelhante a um filme. Cabe também ressaltar que, n’O Primo Basílio , as personagens eram planas, deste modo, eram classificadas de maneira simplista: Luísa era superficial e seu marido, virtuoso. No videoclipe, porém, as personagens não podem ser classificadas de forma maniqueísta, ou seja, elas não são totalmente boas ou más. E esta complex idade das personagens é representada pelo jogo de luz e sombra presente no videoclipe: todas as personagens têm nuances e são incapazes de ser rotuladas como “más”, “coitadas” etc. Neste sentido, pode-se afir mar que os diretores deste videoclip e fazem uma crítica ao moralismo presente na obra de Eça de Queirós, concluindo a narrativa com uma ironia e surpreendendo o enunciatário.

Este videoclipe, portanto, atualiza a obra portuguesa, uma vez que a complex idade das personagens é uma característica da contempor aneidad e, como pode ser confirmado com a ineficiência de rótulos como “personagem plana” ou “personagem redonda”. Além disso, mesmo sendo uma narrativa que se desenvolve em um tempo passado ( flashback ), as personagens tomam atitudes com as quais o enunciatário se identifica, ou seja, atitudes que podem ocorrer no nosso universo e tampouco há qualquer indício de que essa narrativa se passe em Portugal, como a obra literár ia. Pelo contrário, ao interpretar o trecho da obra, Arnaldo Antunes o faz com sotaque brasileiro e não português.

A intenção deste capítulo é examinar comparativamente a canção “Segue o Seco” e a sua tradução para a linguagem do videoclipe. A proposta é pertinente na medida em que, hoje, a multiplicidad e de meios de comun icação gera, como consequência, uma diversidade de códigos e, por extensão, uma diversidade de traduções de uma mes ma realidade para esses respectivos códigos. “Se, conforme o postulado instaurador de Peirce – ‘o significado de um signo é um outro signo’ - , a proliferação incalculáv el dos signos, com a segunda revolução industrial - a automação- , promoveu uma circular idade sígnica jamais vista, crescente com a tecnologia avassaladora.”, afir ma Latuf Isaías Mucci para explicar o conceito de intersemioticid ade (online). Este mesmo autor não consegue deixar de mencion ar, paralelamente a esse cotejo de códigos diferentes, a prática da tradução, não mais concebida exclusivamente como passagem de um língua para outra. Paulo Leminski (2001, p. 81) também cita Peirce para dizer que “a possibilidade da tradução está na própria raiz da natureza do signo”, pois este se caracter iza como sendo ‘qualquer coisa que possa ser entendida através de outros signos’. Leminski sintetiza a concepção de tradução aproximando- a de um tipo de paródia (com intenções burlescas ou não), da adaptação ou da diluição de uma mensagem original em (quase)-similares, mais ou menos afastados do seu protótipo. (Id, p. 82).

No caso desta canção interpretad a por Marisa Monte, é impor tante saber em que medida o videoclipe mantém o conteúdo semântico do texto original ou afasta- se dele; que acréscimos, se é que eles existem, os diretores do clipe fazem ao texto matricial. Havendo poucas ou muitas aproximações ou divergências, de qualquer modo o que se procurará fazer aqui é uma leitura intersemiótica, ou seja, uma verificação de como o código imag ético traduz ou complementa o verbal (isto sem falar nos outros códigos que coexistem no

corpus deste trabalho, como o gestual, o facial, o plástico etc.)

Nesse sentido, o interesse inicial é analisar o texto poético criado por Carlinhos Brown para a interpretação de Marisa Monte. Esta canção integra o álbum Barulhinho Bom, uma viagem musical , produzido pela própria cantora

Carlinhos Brown, tamb ém reconhecido por seu engajamento social: ele criou projetos em Salvador para jovens carentes e, inclusive ganhou prêmios como

reconhecimen to. Um exemp lo é a associação Pracatu m.8

No documento Videoclipe: a canção para os olhos (páginas 66-107)

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