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PARTE I – OS PERCURSOS BIFURCADOS DA SEXUALIDADE

4 NO COMEÇO DA EXPERIÊNCIA ANALÍTICA: O AMOR

4.2 Amores lacanianos: a dimensão significante

Os amores lacanianos são vistos em perspectivas diferenciadas e Lacan aponta o amor transferencial como aquele que estava no princípio da experiência analítica. Ao ler O

Banquete, o argumento lacaniano para tal tipo de amor (LACAN, 1960- 1961) se sustenta na

74 É interessante afirmar que, em Freud, o amor abarca o sexual, ou seja, a dimensão sexual se encontra presente

no amor. Nos relacionamentos entre casais, por exemplo, os laços afetivos se associam aos laços sexuais, enquanto que nos grupos, nas relações familiares ou em outras condições, o sexual é recalcado e dá lugar aos laços afetivos e sociais. Por exemplo, é o que acontece com certas crianças; elas demonstram na clínica a existência de uma dimensão sexual por vezes ainda não recalcada. Assim, uma criança de quatro anos, em atendimento psicanalítico, ao relatar à sua mãe sua ereção: “Mamãe, meu lulu está com ciúmes de você”.

hipótese de que havia ali uma teoria do amor, enunciada por Sócrates e Alcebíades. É com base nas duas formulações que Lacan elaborará a teoria do amor como falta e é na falta que o amor encontra-se com o desejo. No comentário lacaniano, a entrada barulhenta de um Alcebíades embriagado é o prenúncio da declaração de seu amor a Sócrates. Segundo Lacan, Alcebíades pensa amar Sócrates, mas é o agalma, o objeto precioso, causa de seu desejo, que ele visa. Quando Alcebíades propõe que, ao invés de um elogio do amor os convivas exercitassem o amor, através do elogio ao outro que estava ao lado, há uma passagem do público ao privado e com isso, cria-se uma estratégia de fazer aparecer o signo de desejo no outro.

Conforme Freud afirma, Lacan também sustenta a idéia de que o amor não é só narcísico, mas tem também a função do restabelecimento de uma homeostase, de fazer existir a relação sexual. É oportuno lembrar que o termo utilizado por Lacan – rapport – refere-se, em francês, à equivalência, a uma relação de completude, a uma proporção, a uma relação de medida. Assim, o aforismo lacaniano de que “Não há relação sexual” refere-se à proporção, à uma inscrição simbólica da medida do par sexual, ou seja, de uma incompletude que não encontra ponto de ancoragem para fazer UM. Dessa maneira, Lacan apresenta a noção do amor enquanto uma suplência da falta da equivalência sexual, sendo, portanto, uma ilusão. A falsidade característica do amor refere-se à sua reciprocidade intra-subjetiva, uma vez que a dimensão narcísica do amor aponta para o seu essencial: amar é querer ser amado, é demanda de reconhecimento e, portanto, de amor.

Assim, para uma psicanalista lacaniana, como Rosa, tanto a escolha narcísica quanto a anaclítica encontram-se apoiadas em elementos imaginários:

[...] se a primeira é obviamente imaginária, a segunda, fundada em uma inversão identificatória, provoca uma verdadeira subdução do simbólico, uma espécie de anulação, de perturbação da função do Ideal do Eu. Na medida em que o Ideal do Eu é o outro enquanto tem com o sujeito uma relação simbólica, sublimada, se ele vier a se situar no mundo dos objetos ao nível do eu-ideal produzir-se-á uma captação narcísica” (ROSA, 2006; p.117).

Nesse sentido, segundo a autora, ocorre uma confusão, em que faltará uma regulação possível do aparelho do simbólico e uma espécie de loucura se instalará, a loucura do enamoramento: “[...] quando se está apaixonado, se é louco, como diz linguagem popular” (LACAN, 1973; p.166-7). O que se constata, desse modo, é que a esfera imaginária do amor não comporta qualquer imagem ou qualquer parceiro, mas uma imagem que promove um reconhecimento por parte do sujeito e promove uma série de investimentos.

Todavia, o amor não é apenas ilusão, mas ele também é signo, gozo e Compromisso, mas com a mesma função de suprir a falta de equivalência sexual. Enquanto signo, o amor é visto como algo que se difere do sentido e encontra-se em um pára-além. Dessa maneira, Lacan sustenta que “[...] sem a palavra, enquanto ela afirma o ser, há somente Verliebtheit, fascinação imaginária, mas não há amor. Há o amor sofrido, mas não o dom ativo do amor. [...]. Não se pode falar de amor senão onde a relação simbólica existe como tal” (LACAN, 1979; p.314-5). É a posição simbólica que permitirá que o amor, enquanto dom ativo, vise o amado, sua particularidade e até mesmo sua opacidade.

Segundo Stevens (2006), Lacan sustenta que o único signo de amor que efetivamente vale é dar o que não se tem: “[...] que o homem apressado, ofereça seu tempo; a mulher pobre, sua falta-a-ser; a infiel, sua fidelidade; a inconstante, sua constância... mas esse signo envolve um paradoxo, pois, ao dar o que não se tem,pode-se perceber o que não se tem” (STEVENS, 2006; p.21). Na medida em que o sujeito dá o que não tem, apresenta, no amor, o ponto de falta que tenta ocultar. Mas, em Lacan (1972; p. 12-3), o amor faz signo exatamente porque ele é recíproco, na medida em que o desejo de um é o desejo do Outro e o amor demanda amor: “[...] ele o demanda... mais... ainda. Mais, ainda, é o nome próprio dessa falha de onde, no Outro, parte a demanda do amor”.

Se em Lacan o amor é dado como um modo de fazer suplência, portanto algo vai da impossibilidade à potência, é porque ele permite uma separação, ele faz um muro entre os dois lados da divisão sexual. Entre o homem e a mulher há um muro e o amor é um artifício para saltar esse muro quando o sujeito nomeia sua solidão e sai de seu gozo individualizado em direção ao Outro. O homem, o lado macho da divisão sexual, não goza falando, uma vez que seu gozo é fálico e seu ato de amor é sem o Outro. Desse modo, ele aborda a parceira apenas enquanto objeto a, como aquilo que lhe é causa de seu desejo e, assim, faz uma cisão entre o que é da ordem do amor e o que é da ordem do desejo. Por outro lado, a mulher assume a posição no amor através da fala – faz-se amor falando – e, portanto, o amor enlaça- se no gozo, pois, “[...] falar de amor é em si mesmo um gozo” (LACAN; [1972]1985, p. 48).

É, pois, sob o signo da dessimetria que o amor se apresenta, uma vez que a mulher, ao ser não - toda fálica não encontra no silêncio do homem uma relação (rapport) possível por estar entregue ao furo do Outro. Talvez seja exatamente o fato de a mulher ter por premissa que se faz amor falando e o homem se posicionar no silêncio é que o “vamos discutir o amor” aparece como um dos modos contemporâneos de se fazer existir a relação sexual. Segundo Cervelatti, (2006) o “discutir a relação” surge como uma tentativa de laçar algo do desencontro quando as duas metades se encontram e falar da relação amorosa atualiza o

desencontro: “para a mulher é condição que aplacaria o desvario do Outro gozo, para o homem o que atrapalha seu gozo sem Outro. Os homens reclamam das mulheres, porém perseveram ao tê-la enquanto causa do desejo. As mulheres reclamam dos homens, que lhe falem, contudo o falo, evanescente, não é medida certa para uma resposta de amor” (CERVELATTI, 2006; p.3). Assim, uma dessimetria encontra-se presente no amor coloca homens e mulheres em posições diferentes quanto ao mesmo.

No lado masculino, revela Barthes (1989), existe uma forma fetichista de amar e a sua pesquisa literária mostra que sempre os homens buscam um detalhe, alguma parte no corpo da amada, tais como os lábios, os seios, as pernas, os cílios, um brilho nos olhos ou o movimento de alguma parte do corpo, o que em psicanálise pode-se denominar de uma “peça avulsa” que se destaca do todo e se trata de um detalhe que opera como causa de desejo, pois trata-se do objeto a. Nas mulheres, por outro lado, é a demanda de amor que se configura como central, uma demanda que incide sobre o ser do parceiro e que clama para ser amada, um clamor que se manifesta nas palavras e exige provas de amor, o que instiga o homem a falar. As mulheres sempre foram estereotipadas por sua falação, uma falação que se encontra como marca de um traço de subjetividade feminina e os homens, por sua vez, marcados por certo silêncio, certo distanciamento e certa “indiferença” no campo do amor. No entanto, nota-se que certos traços de tal estereotipia têm se desfeito e novos modos de posicionamento têm surgido no campo do amor.

Com isso, é possível sustentar que um aspecto cultural é encontrado no amor, uma vez que ele não prescinde da cultura de tal modo que “se não houvesse cultura, não haveria a questão do amor” (LACAN;[1963]2005, p. 114). São tais dimensões culturais que serão investigadas a partir da relação entre as condições de produção midiática e as representações socialmente partilhadas e os imaginários sócio-discursivos que compõem o amor na contemporaneidade. O amor não depende da cultura, mas se configura pelas insígnias que a cultura faz circular, tal como veremos adiante, a partir das referências que Lacan faz ao amor cortês enquanto um tempo preciso da realização de certo modo de amar.

O amor é uma construção social e histórica e, por isso mesmo, não implica só o sujeito, mas também a cultura. É nestes termos que pesquisaremos no universo midiático das revistas quais os signos do amor que lá aparecem. A partir das contribuições da psicanálise, hipotetisamos que o signo do amor manifestado nas revistas a serem analisadas é aquele que se deslocou de um amor marcado pela religião a uma religião do amor, em que o amor, em suas variações localizadas na dimensão sexual é que prevalece.

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