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NEOKANTIANA E NEOCRITICISTA

5.1. Amorim Viana e a crítica racionalista do dogma

Manuel Cândido Pimentel

Figura controversa do século XIX, Pedro de Amorim Viana nasceu na ci- dade de Lisboa a 21 de dezembro de 1822. Feitos os estudos secundários no colégio luso-brasileiro D. Pedro de Alcântara (Paris), onde lhe despertaram os primeiros interesses pela ciência e a filosofia e colheu as primícias de gre- go, latim e línguas modernas, matriculou-se na Universidade de Coimbra, em 1842, formando-se em Matemática (1848). Foi professor de «Filosofia Racional e Princípios de Direito Natural» no Liceu Nacional de Lisboa, se- gundo o atesta uma carta régia de 24 de dezembro de 1850, ano em que também concorreu à vaga de Matemática na Academia Politécnica do Porto. Vencido este concurso, fixou-se no Porto, em maio ou junho de 1851, cida- de de onde sairia, por 1883-1884, já lente jubilado daquela Academia, para Setúbal, saída a que não deve ser alheio o seu estado de saúde, vítima que foi, em 1881, de um acidente vascular cerebral. Em Setúbal residiu possivel- mente até 1894, passando depois a Lisboa, aqui falecendo com a idade de 79 anos, a 25 de dezembro de 1901.

Exercitou a pena de publicista na imprensa nacional, num rasto vivo de inteligência preocupada com assuntos científicos, filosóficos, teológicos, his- tóricos, culturais, sociais e políticos, o que não só lhe consolidou a fama de matemático, filósofo e teólogo heterodoxo, mas contribuiu para cimentar- -lhe o epíteto de «o Newton português», reconhecimento contemporâneo da sua habilitação e inclinação para as ciências, de que deu testemunho na erudição dos seus escritos, entre os quais se devem contar os estritamente científicos como «Evolução em série dos co-senos e dos senos dos arcos múl- tiplos» (1864) e «Demonstração do teorema de M. Vilarceau sobre o toro» (1879), publicados em O Instituto e no Jornal de Ciências Matemáticas e

54 A Metafísica Pluralista Deísta e Teísta da Criação, Queda e Redenção A filosofia de Amorim Viana contém uma defesa cerrada da ideia de Deus como necessária ao estudo do mundo e da existência, e ainda que a inteli- gência humana não possa penetrar na intimidade da inteligência divina, é da sabedoria da divindade que descendem os fundamentos da ciência humana; a presença dessa sabedoria explica a ordem do cosmo e a racionalidade das suas leis. A orientação para a defesa da existência de Deus já se aprecia na «Análise das Contradições Económicas de Proudhon» (1852-1853), anterior à

Defesa do Racionalismo ou Análise da Fé116 (1866). Manter-se-ia definitiva no

pensamento do filósofo, e concertadamente naquele primeiro texto notava que, no seu todo, a metafísica antinómica de Proudhon resume-se na con- tradição com a ausência de uma inteligência suprema, a única que poderia superiormente resolver as antinomias, já que é para Deus, postulado da nossa razão, que as ideias de multiplicidade e de unidade ou de matéria e espírito sinteticamente se orientam, pelo que as fases antinómicas de uma ideia, por exigência ultimante de unidade, nos conduzem à ideia superior de ser abso- luto, isto é, ao verdadeiro Deus117.

São aspetos a realçar a sua sempre firme convicção na necessidade da exis- tência de Deus para o conhecimento, a sua zelosa atitude na ilustração das ciências do cosmo pelos princípios metafísicos, a sua defesa das relações da filosofia com a moral e a religião, do pensamento com a fé e o sentimento moral e religioso.

O racionalismo de Viana, logicista e experimentalista em gnosiologia e em ciência, é, em matéria de fé ou das ligações cognitivas do homem com Deus, deísta, credo sobre que assentam as determinações mais significativas do seu pensamento teodiceico118, aqui entendendo por teodiceia a parte da

metafísica que diretamente se debruça sobre a existência e a essência divinas, assente em postulados racionais e determinando-se segundo as naturais luzes da razão.

No conjunto, a filosofia de Viana aceita por fontes de conhecimento a experiência e a revelação natural, determinando-se, por isso, contra o que chama o supernaturalismo, no qual inclui, com relevo de lugar, o espiritua- lismo católico, os seus dogmas e todas as formas adredes que procurem ou se situem no plano suprarracional e afirmem a incompreensibilidade das ideias e princípios, base onde estancia toda a dogmática. A experiência humana – no caso particular, a experiência científica, terrenal, quotidiana, revisível,

116 Trata-se do principal texto de Amorim Viana. Fazemos uso da seguinte edição: Defesa do Ra-

cionalismo ou Análise da Fé, organização e fixação do texto de António Carlos Leal da Silva, Lisboa,

INCM, 1982.

117 Cf. Amorim Viana, «Análise das Contradições Económicas de Proudhon», in Escritos Filosóficos,

compilação, fixação do texto e nota prévia por António Carlos Leal da Silva, Lisboa, INCM, 1993, p. 28.

118 A profissão de fé no deísmo pode ser apreciada em Defesa do Racionalismo ou Análise da Fé,

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Redenção e Escatologia. Estudos de Filosofia, Religião, Literatura e Arte na Cultura Portuguesa sujeita à tentativa e ao erro – não se encontra, em última análise, desenraiza- da da dialética da razão com a fé ou afastada das fulgurações de sapiência que desta brotam e a atingem. Se é propósito da razão compreender e explicar cada vez mais e melhor os conteúdos que pela fé se lhe revelam, do progresso alcançado nesse domínio desce inteligibilidade necessária ao entendimento do destino humano no cosmo, do próprio cosmo e das leis que regem a ma- téria e os seres.

O influxo iluminativo da ciência de Deus sobre a ciência dos homens é a única graça que se admite, graça naturalmente ínsita ao espírito humano, sobre que repousa a verdade da existência e que ilumina o pensar e o agir humanos. Falso seria, no entanto, daí deduzir que a unidade epistemológica dos saberes seja reconduzida por Viana ao mais alto grau de saber tradicio- nalmente entendido, ao modo de Aristóteles e do aristotelismo escolástico, como sendo a teologia. Aqui se faz jus à teologia racional, assente em pressu- postos iluministas, segundo os quais a meditação do homem sobre a essência divina, sem recurso para o sobrenatural revelado, perfila-se acomodada ao saber infindo da razão finita, infindo pelo objeto, porque o estudo da nature- za divina é necessariamente inesgotável, tenha-se em conta a imensidade do assunto119, mas finita a razão que sobre ele se debruça, a qual só pode dar do

infinito divino um reflexo que se desdobra ilimitadamente no tempo e que, por isso mesmo, evolui.

A sua orientação é, pois, de base racionalista, teologicamente deísta, que repudiaria a dogmática católica e denegaria a possibilidade do milagre e da profecia, o que se pode já observar no conjunto de textos que estampou no jornal A Península nos inícios da década de 50 do século XIX.

De entre eles é de assinalar o intitulado «Do Papa e do seu Poder Tempo- ral»120 (1852). Motivou a defesa ultramontana de Camilo Castelo Branco,

entretanto jovem redator do semanário católico O Cristianismo, no ataque, a que também se uniu o periódico O Cronista, à perfídia intelectual de Viana, a grave ofensa do heresiarca aos valores instituídos do catolicismo e represen- tados no Sumo Pontífice. Camilo, menos dotado para os voos especulativos em matéria de Filosofia e Teologia, conhecedor pouco profundo da História Eclesiástica e da Dogmática, sofreu o rebate de Viana em «Aos Dois Extre- mos: O Cronista e O Cristianismo» e «Última Resposta aos Defensores do Po- der Temporal dos Papas». Não se limitou Amorim Viana a assinalar as falhas concetuais e de História do seu contraditor, pôs-lhe a nu as interpretações tendencialmente heréticas, resultantes daquelas falhas, e de uma deficiente compreensão da ortodoxia.

O problema, como muitas vezes sublinhou Viana, não estava em negar a autoridade do Papa em assuntos espirituais, antes dizia respeito ao seu

119 Cf. ibidem, p. 125.

56 A Metafísica Pluralista Deísta e Teísta da Criação, Queda e Redenção poder temporal, a saber se do gládio secular advinham ou não vantagens para a religião. Não «neguei a utilidade do primado do papa», não «pretendi desconhecer a conveniência de serem regeneradas as instituições civis pelo espírito da religião», insistia, o que «unicamente sustentei foi que o poder temporal era um estorvo à influência [espiritual] do clero e do papa sobre as nações da cristandade»121. Reconhecia até que a soberania espiritual era con-

sequência natural do poder que Cristo outorgou a Pedro. Porém, para que por essa soberania reinasse a Igreja em dignidade e seriedade sobre os povos, necessário era a renúncia aos negócios temporais, pelo que assim propunha o regresso do Papa, da Cúria Romana e de toda a hierarquia a um cristianismo puro, excelso na virtude e na humildade, tão despojado do culto das riquezas materiais como das concupiscências do século.

Os artigos «A divindade de Jesus: Fragmento de um livro inédito»122

(1852), «Conferências do Padre Ventura»123 (1852) e «Dos Milagres»124

(1853) formam, com os três textos da polémica contra os defensores do po- der temporal dos Papas, um importante núcleo onde Amorim Viana antecipa a profícua reflexão sobre as relações da razão com a fé, de forma sistemática trabalhadas na Defesa do Racionalismo ou Análise da Fé, obra que, publicada no Porto, tanto perturbou a inteligência instalada no burgo portuense. Por falta de ilustração filosófica e teológica, não saiu esta a pugnar pelas verdades católicas, pelo menos no mesmo tablado teórico em que o livro de Viana se inseria e, em verdade, impunha ser discutido, antes se moveu no sentido de o incluir no Index Librorum Proibitorum, o que sobreveio no mesmo ano da sua edição. Do que aconteceu fizera já o filósofo diagnóstico no primeiro artigo que, em 1852, dirigiu a Camilo: o «estado de desprezo e prostração em que nesta nossa terra jazem os estudos filosóficos e teológicos» é tal que «uma obra que discutisse as mais graves questões de metafísica, os dogmas mais essenciais da religião, não encontraria leitores e permaneceria no mais

121 Idem, «Última resposta aos defensores do poder temporal dos Papas», ibidem, p. 119. 122 Idem, «A divindade de Jesus: Fragmento de um livro inédito», ibidem, pp. 129-136. 123 Idem, «Conferências do Padre Ventura», ibidem, pp. 157-171. Trata-se do padre italiano

Gioacchino Ventura di Raulica (1792-1861), escritor e orador sagrado de grande prestígio na sua época, de que Amorim Viana considerou criticamente o livro A Razão Filosófica e a Razão Católica (1852-1859). Dedica-lhe também algumas páginas na Defesa do Racionalismo ou Análise da Fé (cf. pp. 77ss) O padre Ventura é o símbolo do tradicionalismo filosófico-teológico e do dogmatismo, do que o pensador português designou por supernaturalismo, fundamentalmente a crença no incom- preensível quanto a ideias e princípios. Para Amorim Viana, se é a razão o órgão do conhecimento, nada lhe é incompreensível, embora o filósofo portuense admita realidades que superam infinita- mente a razão, mas tais realidades não são objeto de cognição. Se a razão conhece, conhece na or- dem de uma racionalidade de que ela própria é a sanção e a fonte. Mostra-se, por isso, inadmissível para ele a revelação sobrenatural.

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Redenção e Escatologia. Estudos de Filosofia, Religião, Literatura e Arte na Cultura Portuguesa completo esquecimento, por mais profundos que fossem seus raciocínios, por mais bem deduzida que fosse sua argumentação»125.

O referido conjunto de artigos e a Defesa do Racionalismo ilustram o vasto saber de Amorim Viana sobre as ciências sagradas, a teologia dogmática, a teologia fundamental, a eclesiologia, a História da Igreja, o fácil domínio dos temas e problemas das gnoses pagãs e cristãs, o conhecimento das fontes patrísticas, a erudição histórica, filológica e hermenêutica que acompanha a análise a que submete as Escrituras. Recusando-se a aceitar que as ver- dades relativas a Deus não possam ser analisadas racionalmente, combate Viana toda a tradição católica com alicerce na crença da impenetrabilidade total dos princípios pela inteligência, embora venha a conceder que uma dimensão de mistério há onde nem a razão nem a fé podem penetrar, tal se devendo à singularidade da relação gnosiológica que o homem, ser de limita- ções, mantém com o divino, que não é, porém, a da via da mística mas a do conhecimento racional. A outra tradição contra que esgrime é aquela que se polarizou em torno do adágio Philosophia ancilla theologiae, segundo o qual a filosofia e a razão se devem submeter incondicionalmente à teologia e à fé.

Atraída para uma conceção de religião ideal, a depurada de toda a fantasia, mito e rito, ícone e dogma, a Defesa do Racionalismo impõe por indispen- sável a distinção básica da fé implícita, inatual ou habitual, e da fé explícita ou atual126. Se a segunda, nos pressupostos do racionalismo de Viana, é a fé

ilustrada, que matricialmente comunga da razão e age sobre a inteligência, compartindo com esta o movimento para a compreensão dos princípios, a primeira é a fé vulgar, do senso comum e dos teólogos dogmáticos, a que soçobra na superfície dos ritos, que se nivela, ausente da interioridade e da consciência, no encantatório das fórmulas rogativas e no aparato das exterio- ridades, que se persuade sem se interrogar e procurar, que cegamente adere à crença e à força persuasiva da tradição. Ao distingui-las, Amorim Viana gera a crítica da religião instituída e ritualista, presa fácil das ilusões do antropo- morfismo, do idolatrismo e do feiticismo religiosos.

Preside-lhe à análise da fé e à defesa do racionalismo na interpretação da fé e dos conteúdos písticos uma visão filosófica e teológica da religião e das relações do homem com Deus que assenta numa consistente cultura haurida no longo convívio com a filosofia antiga e medieval, com lugar relevante para Platão, Aristóteles e os pensadores cristãos da mais velha Patrística a Agostinho e Tomás de Aquino, a par de um conhecimento notável do gnosti- cismo e da influência histórica da gnose na definição dos dogmas. Na filoso- fia moderna, a preferência por Leibniz é marcante; aderiu ao espírito da Au-

fklärung, tendo-se deixado particularmente fascinar pela crítica racionalista

125 Idem, «Aos dous extremos: O Cronista e O Cristianismo», ibidem, p. 95. 126 Cf. idem, Defesa do Racionalismo ou Análise da Fé, p. 43.

58 A Metafísica Pluralista Deísta e Teísta da Criação, Queda e Redenção da religião de Kant, de quem efetivamente leu a Die Religion innerhalb der

Grenzen der blossen Vernunft (A Religião nos Limites da Simples Razão).

Não estaria completo o conjunto das fontes sem a referência ao romantis- mo filosófico alemão, com destacado interesse por Schleiermacher, à crítica oitocentista da religião (Renan, Strauss e Feuerbach) e à soma de conheci- mentos históricos, filológicos e hermenêuticos empregues no manejo dos textos escriturísticos (vetero e neotestamentários). Além de um reputado interesse pela história comparada das religiões, transparece nos seus textos uma erudita compreensão das religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo) e de outras tradições religiosas como o hinduísmo, o budismo e o zoroastrismo.

O estudo das relações da fé com a razão conduz Amorim Viana ao plano do sentimento moral, base religiosa e raiz da virtude e dos valores morais. O ser humano está por ele em comunicação natural direta com Deus, sem o intermediário do raciocínio. Como instância anterior ao discurso racional, o sentimento moral institui a vertente da conaturalidade do espírito com Deus127. Nele beberão os mais significativos aspetos da filosofia moral do

pensador, nomeadamente os que se relacionam com a conceção do cosmo, da natureza e destino humanos e o enigma do mal. A ordem da criação é racional e intrinsecamente boa, reflexo da bondade do seu Criador, como é intrinsecamente boa a natureza humana.

Ao acercar-se do problema do mal, a solução de Viana consistiu em resol- ver-lhe o enigma tornando-o procedente da imperfeição da criatura, como mal ôntico e mal ético, não substancial ou ontológico, como viria mais tarde a considerar, contrariando-o, Sampaio Bruno. O mal careceria de substan- cialidade ou de existência real, com fonte apenas na imperfeição da criatura, porque o contrário seria admitir que proviesse do ser divino128.

O mal, não possuindo essência real nem tendo causa eficiente mas defi- ciente, tem, no entanto, realidade – corroborá-lo-ia no século XX Leonardo Coimbra – por ter fonte na ação moral desvaliosa. Retirava ainda da existên- cia do mal como procedente da deficiência da criatura um sentido positivo, qual seja o de ser condição do seu aperfeiçoamento progressivo, por surgir como o sinal da própria imperfeição e da exigência da perfetibilidade pela virtude.

Neste contexto, os dogmas católicos do prémio e do castigo, de pecado original e das penas infernais são sem sentido129. Afirmados, assentariam ser

Deus capaz do mal ou que o mal nele reside.

127 Cf. ibidem, p. 105.

128 «O mal não tem essência real.» (Ibidem, p. 210)

129 Para a problemática do dogma em Amorim Viana, tenha-se presente todo o capítulo VI (ibi-

dem, pp. 217-295). Sucessivamente analisa aí os seguintes dogmas: a incarnação do Verbo, o pecado

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Redenção e Escatologia. Estudos de Filosofia, Religião, Literatura e Arte na Cultura Portuguesa Negando ainda o dogma da redenção do homem por Deus, desvirtuando o significado espiritual da Encarnação e da soteriologia cristã, a filosofia de Amorim Viana acabaria por envolver-se com o terrível problema de justifi- car a pertinência da ação moral no mundo. Afastada a ideia de uma justiça divina agindo diretamente no tempo, ou operando no tempo pela vinda de Cristo, parece sem castigo a opção pelo mal.

A solução de Viana consistiu na recuperação da antiga doutrina da pa- lingenesia, hindu ou pitagórica, mas sem aceitar dela a promessa que ela contém: a libertação final do tempo, o resgate do ciclo kármico das ressurrei- ções e mortes. Se assim não nega a imortalidade, ao compatibilizá-la com a ausência de um efetivo regresso das almas ao absoluto divino, volveu-se para tese de pouca conformidade com o mais puro e lógico do seu racionalismo, arrostando o criticado perigo da visão fantástica: não morrem as almas; pro- jectar-se-ão em ciclos infindos na busca da perfeição; guardarão a memória do mal praticado nas outras vidas para exemplo próprio do seu desejo de aperfeiçoamento e incitamento para o bem; e pelo caminho, sufocando pro- gressivamente o remorso que lhes dói, sofrerão cada vez menos na propor- cionalidade de um gozo cada vez maior, porque são perfetíveis e imortais.

O catolicismo, a que não nega a verdade de uma missão espiritual, mas um catolicismo despojado da instituição, ficaria como religião moral, agiria beneficamente nos homens e na sociedade, integrando-se no vasto seio dos processos que, como a educação, o saber, o trabalho e a caridade, alimen- tam e protegem o fulgor moral das almas no seu anseio de paz, harmonia e perfeição.

O racionalismo crítico de Amorim Viana, reagindo ao supernaturalismo católico, encararia negativamente a problemática do milagre, da oração e da profecia.

Quanto ao primeiro, considerou a sua noção inútil e a sua existência ab- surda, fruto do erro, da superstição e da ignorância. Atendido o milagre como uma ação extraordinária de Deus interferindo na ordem do criado, como no tradicionalismo católico de Silvestre Pinheiro Ferreira se admitia, a sua possibilidade equivaleria à ideia de um Deus que se contraditasse a ele mesmo, alterando o que por sua infinita sabedoria estabelecera. Se a coerên- cia da inteligência divina se revela na inalterabilidade das leis da natureza, o milagre consistiria numa violação a impugná-la. O milagre, assim olhado como superstição, é absurdo, não só porque Amorim Viana afasta a ideia da

criação contínua, mas porque isso equivaleria a dizer que a ordem criada por

Deus pode por ele ser alterada, ou que Deus se pode a ele mesmo contradi- zer, o que diretamente levaria a cisão à sabedoria infinita, sabedoria que no universo se revela na maravilhosa constância das leis naturais130.

60 A Metafísica Pluralista Deísta e Teísta da Criação, Queda e Redenção Relativamente à oração, apenas a concebe como fervor religioso do ho- mem que pede a graça, a contrição e a virtude. Como tal, é santa e uma graça especial, porque o que com ela o homem pede é o seu aperfeiçoamento mo-

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