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7.1. Amostra populacional

A população brasileira é considerada uma população majoritariamente tri-híbrida, com contribuições de populações parentais europeias, africanas e dos ameríndios autóctones que já viviam no continente sul-americano a época do descobrimento do Brasil. Este longo processo de mistura que perdura a mais de 500 anos reflete na heterogeneidade fenotípica relacionada a cor dos olhos, cabelos e pele que observamos ao longo de todo o território nacional.

No que se refere a estes traços fenotípicos, o censo brasileiro realizado pelo IBGE ainda faz uso principalmente da cor da pele para classificar indivíduos etnicamente em cinco categorias: (a) branco, (b) pardo, (c) preto, (d) amarelo e (e) indígena. Alguns estudos na literatura tendem a utilizar estas categorias auto-declaradas para estratificar a amostra quando não há informações da ancestralidade genômica das mesmas.

Esta abordagem é questionada, não apresentando-se como uma estratégia eficiente para controlar a estratificação populacional devido à dissociação entre a mesma e a ancestralidade genômica (Suarez-Kurtz et al., 2007; Pimenta et al., 2006; Santos et al., 2009; Lins et al., 2011; Parra et al., 2003; Pena et al., 2011). Em contrapartida, outros estudos indicam que a cor da pele auto-declarada seria consistente com a contribuição ancestral dominante ou relativa (Blanton et al., 2008; Cardena et al., 2013; Manta et al., 2013; Muniz et al., 2008; Pena et al., 2009; Queiroz et al., 2013; Santos et al., 2010). Isso sugere que a dinâmica demográfica das populações exerce influência sobre a correlação entre pigmentação e ancestralidade genômica.

De acordo com o último censo brasileiro realizado em 2010 pelo IBGE, cerca de 69,8% dos indivíduos na região de Ribeirão Preto se declararam como sendo brancos, seguido de 22,8% pardos, 6,4% pretos, 0,9% amarelos e 0,1% indígenas. No presente trabalho, 63,9% dos indivíduos se declararam brancos, seguido de 19,6% pardos, 12,7% pretos, 3,6% amarelos e 0,3% indígenas, o que consiste em valores bastante semelhantes aos do último censo.

Estudos realizados em amostras de indivíduos da região de Ribeirão Preto (SP), estratificados em brancos, pretos e pardos mostraram uma miscigenação substancial em todos estes três grupos (Ferreira et al., 2006; Muniz et al., 2008). Análise posterior dos dados conduziu a estimativas de contribuição europeia, africana e ameríndia na população de 71,64%, 19,72% e 8,64%, respectivamente (Silva et al., 2018, submetido à Forensic Science International Genetics). Tais estimativas de mistura estão em concordância com as estimativas aqui apresentadas, sendo (a) 71,4% de componente europeu, (b) 19,6% de contribuição africana e (c) 9% de componente ameríndio (representado pelas populações do leste asiático) (Tabela 2).

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De uma forma geral, a ancestralidade europeia predomina em todas as regiões do país, atingindo suas maiores estimativas nas regiões sudeste e principalmente na região sul, com 79% e 85% respectivamente (Santos et al., 2015). Existem localidades que desviam deste padrão. Na região norte do país a contribuição ameríndia chega a 52% (Guerreiro et al., 1993), e na região nordeste pode-se observar cerca de 50% de contribuição africana em algumas populações (Santos et al., 2015).

No presente trabalho, a relação entre cor de pele auto-declarada e ancestralidade genômica corrobora outros estudos mostrando que, embora tenham sido observadas diferenças significativas entre os quatro grupos de cor auto-declarada (branco, amarelo, pardo e preto), em ancestralidade genômica e pigmentação da pele (mensurada pelo índice de melanina), observou-se também considerável dispersão dentro de cada grupo e substancial sobreposição entre os mesmos (Figuras 23 e 26).

A Figura 23 evidencia um exemplo de sobreposição e possível fator que pode levar um indivíduo a se auto-declarar preto, onde os índices de melanina para região exposta ao sol entre os indivíduos pardos se sobrepõe de maneira quase perfeita ao índice de melanina para região não exposta ao sol em indivíduos que se auto-declararam pretos. O mesmo ocorre com indivíduos declarados brancos, que, quando expõem a pele ao sol, podem ter tons de pele semelhantes aos indivíduos declarados pardos. Em ambos os casos, a capacidade de bronzeamento da pele é um componente importante a ser considerado, pois pode interferir na percepção de cor que leva à classificação desses indivíduos como brancos, amarelos, pardos e pretos. Além disso, na população estudada, não é possível distinguir brancos e amarelos considerando somente a cor da pele. Neste caso, Pena et al. (2011) sugere que, não só o tom de pele, mas também outros traços fenotípicos como o formato dos olhos, nariz e lábios assim como o tipo de cabelo, devam ser considerados na classificação em branco, pardo, preto e amarelo.

É interessante observar que a cor da pele tenha aqui se apresentado apenas como um substituto impreciso da ancestralidade. Apesar disso, o índice de melanina se correlaciona fortemente com a ancestralidade europeia (correlação negativa, r = -0,69) e africana (correlação positiva, r = 0,70), conforme observado na Figura 24. Uma possível explicação para essa correlação pode estar relaciona aos fatos de que (1) a ancestralidade genômica difere entre os grupos e (2) polimorfismos que são associados a pigmentação são também bons marcadores de ancestralidade, como, por exemplo, os polimorfismos rs12913832A>G do gene HERC2 e rs16891982C>G do gene SLC45A2, ambos presentes no SNPforID 34-plex. Esta correlação não é perfeita possivelmente em virtude de a pigmentação ser uma característica complexa, onde diferentes genes interagem para determinar, neste caso, a cor da pele. Estes dados indicam que a determinação da ancestralidade baseada na auto-declaração proposta pelo IBGE é vulnerável a classificações espúrias e deve ser evitada. O conceito de ancestralidade e cor auto-declarada não devem ser encarados como sinônimos em estudos genéticos, devendo-se empregar a ancestralidade individual estimada por AIMs sempre que necessário. Ainda assim, não podemos descartar a classificação do IBGE, uma vez que esta pode ser útil em outras áreas onde a ancestralidade genética é

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dispensável, como, por exemplo, para se identificar tendências sociais em economia (Magalhães da Silva et al., 2015).

Um ponto importante que deve ser ressaltado é que durante a coleta de amostras, muitas destas foram direcionadas para obtenção de fenótipos menos representados, como cor de olhos azuis, verdes e mel, bem como cabelos ruivos e loiros, e pele preta. A interpretação das estimativas aqui apresentadas deve ser realizada com cautela uma vez que indivíduos com fenótipos de pigmentação mais claros estão associados a um componente ancestral europeu mais elevado, bem como, indivíduos com pele preta associados a um componente africano e, desta forma, aumentando as estimativas dos respectivos componentes observados (Freire-Aradas et al., 2014). Portanto, a seleção não aleatória de amostras para compor este trabalho possivelmente alterou, mesmo que de forma sutil, as estimativas de mistura dos componentes ancestrais.