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Medindo 12m por 7,8m o palco do Circo Voador recebeu e ainda recebe artistas consagrados da música nacional e internacional e é embaixo dele que está localizado seu acervo, reunindo documentos que tratam de toda a sua trajetória nesses 35 anos de existência. É em uma sala subterrânea, mantida a 20°C em que se encontra todo o material audiovisual registrado em formato digital, fitas VHS, U-Matic e MiniDV contendo shows, passagens de som, entrevistas e eventos tanto no Circo quanto fora dele. O acervo contém imagens de bastidores, eventos e manifestações artísticas, vídeo-jornais, registros doados por terceiros e de material musical originalmente transmitido por emissoras de televisão. Reúne memórias de toda uma geração, abrigando recordações das mais de três décadas de existência do Circo que até os dias de hoje, se mantém relevante como espaço cultural e de entretenimento, além de ser uma parte da história do Rio de Janeiro.

As visitas ao acervo podem ser feitas de segunda à sexta de 14h00 às 18h00 horas, única opção de acesso ao acervo, pois não é disponibilizado nenhum banco de dados online. O pesquisador ou interessado pode entrar em contato através do telefone ou e-mail para agendar a consulta. Algumas plataformas digitais administradas pelo Circo divulgam materiais como vídeos, imagens e filipetas, mas

Figura 2: Arquivo Subterrâneo

(Fonte: autora)

Apesar de o acervo conter documentos que remontam à sua inauguração, a sua organização só começou a ser realizada nos anos 2000. A gestão do acervo se tornou possível a partir de um projeto de organização e digitalização iniciado em 2008 e retomado em 2011 por um edital da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro em comemoração aos 30 anos de Circo, com a criação de um banco de dados e estabelecendo padrões de higienização, acondicionamento e categorização de informações.

. Realizado por Nauara Morales, museóloga, Ruy Gardnier, jornalista e pesquisador, Marco Dreer, especialista em acervos audiovisuais, o projeto tinha duração inicial de 6 meses, mas acabou se estendendo até os dias de hoje. Sua execução foi árdua e demandou muito trabalho, pois todos os anos de registro acumulados pela casa não eram devidamente tratados e a falta de práticas de gestão e de um profissional da Ciência da Informação deixou lacunas irreversíveis na memória audiovisual do Circo.

O acervo tinha basicamente fitas em VHS que foram gravadas em DVD, porém com uma qualidade muito inferior e sem nenhuma relação ou controle com a fita correspondente. Após a digitalização das fitas e DVD's, os registros foram inseridos em uma base de dados e posteriormente em um software de busca nomeado CAC.

Software este que foi desenvolvido para o projeto e que é usado até hoje, sem nenhum suporte, fazendo com que os funcionários se adaptem a sua formatação, já que não pode ser feita a atualização ou reparo de acordo com as necessidades e novas linguagens de indexação e busca. Na época, foi desenvolvida também uma interface para pesquisadores, mas seu resultado não foi satisfatório, fazendo com que os funcionários deixem os pesquisadores utilizarem a interface interna. Infelizmente não há uma área ou um computador disponível para pesquisadores, apenas os computadores utilizados pelos técnicos, o que dificulta a pesquisa e interrompe as atividades do arquivo enquanto a pesquisa é feita.

Em um levantamento realizado pela equipe em 28 de novembro de 2016 para o Arquivo Nacional, constatou-se que o acervo é constituído por aproximadamente 600 horas de gravações em vídeo analógico (VHS), 5.400 horas em vídeo digital (MiniDV) e 2.000 horas em gravações de vídeo digital (sem suporte), totalizando cerca de 8.000 horas de gravação. Atualmente, o número gravações ultrapassa esse número, beirando aproximadamente 10 mil horas. Documentos como filipetas, cartazes, clipping, ingressos, realeses e fotografias também se encontram no acervo, mas ainda não receberam o devido tratamento, não havendo nenhum quadro de arranjo ou instrumento de gestão para que o material seja disponibilizado para pesquisa.

A digitalização das fitas VHS, já foi realizada e atualmente é feita a digitalização das fitas MiniDV. No entanto, algumas fitas VHS sofreram uma degradação maior que outras, considerando sua deterioração natural, seu manuseio e seus diversos locais de guarda. Muitas dessas fitas foram doadas ao Circo, algumas em estágios já avançados de degradação ou até mesmo com outros conteúdos gravados por cima. Existe uma lacuna entre os eventos gravados em VHS, por conta da deterioração do suporte e razões intrínsecas e extrínsecas. A fim de minimizar essas perdas, o Circo tem um projeto de “repatriamento” para recuperar todos os registros que não se encontram mais no acervo, onde qualquer pessoa pode entrar em contato para doar imagens de shows realizados na casa. Entretanto, não há nenhum termo de doação a ser assinado, mas é um ponto que a responsável pelo acervo pretende formular futuramente.

As fitas são organizadas no acervo por ordem crescente, como VHS 1, VHS 2, e o evento ocorrido, por exemplo “vhs_132_chico_science”. No software, todo conteúdo e acontecimentos no conteúdo das fitas são marcados por itens no vídeo, por timecode, considerando as diversas apresentações ocorridas na mesma noite e os eventos ou programas televisivos que foram gravados por cima, o que é comum em casos em que as fitas são oriundas de doações. Quando estas doações ocorrem, a fita é devidamente higienizada com álcool isopropílico, digitalizada e inserida no acervo, seguindo a ordem numérica da última fita.

Figura 3: Máquina de higienização das fitas.

(Fonte: autora)

Pires (2011) afirma que a longevidade natural das fitas VHS varia entre 2 e 10 anos, e que seu maior problema de preservação vem do mau uso não só de uma pessoa que o manuseia, mas também do equipamento em que é reproduzido. Segundo o autor, quando uma película em vídeo fica armazenada por muito tempo, ocorrem quebras na imagem, comprometendo tanto a imagem quanto o áudio do documento.

O contacto com o meio ambiente também pode ser letal

para este tipo de material, já que com a humidade pode oxidar a fita e em contacto com a cabeça do leitor/reprodutor pode fazer com que este deixe ler a fita, danificando a fita e podendo também danificar a máquina. O aparecimento de bolor pode aparecer em ambiente com uma umidade muito alta. (PIRES, 2011 p. 72)

Infelizmente, no acervo do Circo Voador, este é o estado em que muitas fitas se encontram. Algumas sofreram perda total da informação registrada, outras, foram digitalizadas já com baixa qualidade, cortes na imagem, ou pelo termo usado no universo audiovisual com o “áudio estourado” devido às condições do suporte.

Figura 4: Fitas alocadas por ordem numérica nos armários

(Fonte: autora)

As fitas MiniDVs são capturadas por um Deck portátil e descritas em uma planilha de Excel, por ordem cronológica de cada evento. O título é descrito por ano- mês-dia_mdv_artista, e pode conter 1 ou mais arquivos, devido ao tamanho da gravação. Por exemplo, 2012-07-29_mdv_themaine-01-02 e 2012-07- 29_mdv_themaine-02-02. Para que todo o material capturado não se perca, são feitos back ups em HD espelho, onde os arquivos estão duplicados. Não existe nenhum vocabulário controlado para a indexação do conteúdo das fitas no sistema além de uma tendência de metadados, como o fluxo de documentos para serem catalogados é grande, busca-se sempre uma padronização na organização da informação baseada as necessidades do usuário. Nauara Morales, responsável pelo acervo, afirmou que a equipe está começando a desenvolver padrões para que este processo

seja levado adiante e que a busca pelos documentos seja mais fácil, uma vez que por falta desta padronização acaba sendo imprecisa.

Nesse sentido, devemos considerar a importância dos padrões de metadados para representação descritiva, pois estes são usados em larga escala tanto nos catálogos de bibliotecas, como na internet, organizando a gestão e recuperação de recursos eletrônicos. O uso de padrões de metadados possibilita aos sistemas de informação e de gestão do conhecimento a integração e o compartilhamento de recursos e aplicações. (ALVES e SOUZA, 2007, p. 22).

Figura 5: Deck responsável pela captura das Mini DVs.

Figura 6: Mini DVs alocadas nas gavetas.

(Fonte: autora)

Dentre as atividades realizadas, além de preservar e dar acesso ao material acumulado pela instituição, os gestores também colaboram editando vídeos e criando recortes para serem enviados a área de Marketing e produção audiovisual, onde o vídeo é posteriormente editado por terceiros e disponibilizado nas plataformas digitais da instituição, como Youtube, Facebook e Website. O acervo não custodia o material depois de editado, apenas o material “bruto”. Esta característica reforça uma discussão teórica sobre a interdisciplinaridade do profissional da Ciência da Informação.

Na perspectiva escolar, a interdisciplinaridade não tem a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes, mas de utilizar os conhecimentos de várias disciplinas para resolver um problema concreto ou compreender um fenômeno sob diferentes pontos de vista. Trata-se de recorrer a um saber útil e utilizável para responder às questões e aos problemas sociais contemporâneos (BRASIL, 2002, p. 21).

Há ainda materiais como propagandas, chamadas para canais de televisão, como da extinta emissora MTV, que ainda não foram avaliados e se encontram alocados nos armários, sem nenhuma classificação aparente.

Figura 7: CD's e DVD'S alocados no armários.

(Fonte: autora)

O acervo não se resume apenas em documentos de natureza audiovisual, também é composto por documentos em papel, como fotografias, releases, filipetas e cartazes, porém nem todos os originais estão sob a custódia do Circo, pois fazem parte da coleção pessoal da diretora, Maria Juçá, que os cedeu apenas para digitalização. Alguns cartazes dos anos 1980 e 1990 foram digitalizados e voltaram para Juçá, e algumas filipetas se perderam. A partir de 2004, os cartazes passaram a ser criados em formato digital, sendo impressos apenas até 2012, e a partir de então, todo o material de divulgação existente é encontrado apenas em formato digital. Apesar disso, o material não pode ser encontrado pelo software, visto que não há este recurso. "A fim de ser incorporado ao acervo, independente de ser ou não audiovisual, o material tem que existir de forma permanente ou semipermanente" (McCARTHY; TARGINO, 1984, p. 305). Há ainda papéis como Setlist de artistas que se apresentaram na casa, que são recuperados quando possível aos finais dos shows e identificados pela data.

Figura 8 Armário com materiais impressos.

(Fonte: autora)

Na Figura 9 é possível observar cartazes de divulgação do projeto “Queremos!” e que não foram impressos ou produzidos pelo Circo, um dos palcos principais do evento no Rio. O acervo contém apenas alguns exemplares como lembranças e até mesmo decoração, e podem ser encontrados em suas paredes. O projeto é uma plataforma global de eventos onde os fãs podem pedir pelos seus artistas preferidos no mundo inteiro para se apresentarem Brasil.

Figura 9: Cartazes do projeto “Queremos!”

(Fonte: autora)

A instituição disponibiliza um catálogo em seu website, elaborado por Amanda Braga, Nauara Morales e Ruy Gardnier, e que consta apenas informações relativas à primeira fase do Circo, de 1982 a 1997. Este instrumento contém uma vasta linha do tempo, com fotografias digitalizadas do acervo da Agência O Globo e no CPDoc do Jornal do Brasil, muitas também são digitalizadas do arquivo pessoal de fãs. Além de uma listagem em ordem alfabética das fitas VHS referentes a este período. O instrumento engloba apenas os documentos produzidos no Circo ou relativos à instituição, porém o acervo vai muito além disso, reunindo também registros de eventos realizados em outros locais, sem relação direta com a instituição. Eventos realizados pela diretora da casa, Maria Juçá, também fazem parte do acervo.

Na estrutura do catálogo, primeiro são descritos os eventos cronologicamente e em seguida os artistas presentes em cada evento. Já na segunda parte, estão listados em ordem alfabética os artistas, seguidos dos eventos que participaram.

Figura 10: Catálogo Acervo.

(Fonte: www.Circovoador.com.br/)

Algumas fotos podem ser encontradas aleatoriamente em páginas do catálogo, imagens estas que segundo os autores, foram reunidas através de pesquisas em acervos externos, como da agência O Globo, no CPDoc do Jornal do Brasil e em acervos pessoais de fãs, artistas e frequentadores.

Figura 11: Catálogo acervo.

(Fonte: www.Circovoador.com.br/)

Os metadados relacionados a cada evento são os mesmos encontrados no software de busca do acervo. O catálogo foi um instrumento de extrema importância para extrair informações não só do material custodiado, como da reunião, organização e história do acervo. A divulgação deste instrumento é interessante tanto para pesquisa, quanto para qualquer interessado pela casa e seus eventos. Sua criação se deu através do edital da prefeitura em comemoração aos 30 anos do Circo, e recentemente a casa ganhou um novo edital da prefeitura para criar um catálogo que reúna o material desde sua abertura até os dias de hoje, mas infelizmente a verba não foi disponibilizada. Este problema acabou interferindo no funcionamento do acervo, que depende desses editais para manter seus funcionários.

A realidade do acervo do Circo Voador não é muito incomum ou diferente de outros acervos, que apesar de ter desenvolvido um importante papel político e cultural em nossa história recente, não dispõe de recursos e interesse necessário para que possa funcionar sob as melhores condições de gestão. Em épocas de crise financeira, custear um acervo audiovisual é considerado um luxo, apesar de ser tão representativo culturalmente. São aproximadamente 10 mil horas de registros, que necessitam de técnicas de preservação e conservação para que as perdas sejam amenizadas e a informação possa ser reproduzida, apesar da obsolescência dos suportes e das novas tecnologias cinematográficas e digitais.

O acervo do Circo Voador carece de recursos e projetos que tornem possível o tratamento de todo o material que ainda não foi avaliado, e se encontra apenas alocado nos armários, podendo conter informações raras que podem ser perdidas e que já até mesmo se perderam pela deterioração dos suportes e pelas condições de guarda não adequadas. Seu tratamento demanda mão-de-obra qualificada, com uma equipe numerosa para que o tratamento desses documentos não interfira nas atividades rotineiras do acervo.

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