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As evidências que sustentam originariamente a associação entre escola e alfabetização vêm sendo questionadas, em decorrência das dificuldades de se concretizarem as promessas e os efeitos pretendidos com a ação da escola sobre o cidadão. Explicada como problema decorrente, ora do método de ensino, ora do aluno, ora do professor, ora do sistema escolar, ora das condições sociais, ora de políticas públicas, a recorrência dessas dificuldades de a escola dar conta de sua tarefa histórica fundamental não é, porém, exclusiva de nossa época (MORTATTI, 2006).

Ensinar a ler e a escrever, nas escolas públicas, tem várias implicações. O método adequado é apenas um dos obstáculos enfrentados pelas professoras. Fatores decorrentes de problemas individuais de cada aluno – carência familiar e material – do próprio professor, que, na maioria das vezes, trabalha em três turnos e frequentemente em péssimas condições, e as políticas públicas, que enchem as salas de aula com alunos, que trazem consigo uma bagagem de dificuldades, além de não favorecer a capacitação do professor. Há ainda o sistema escolar precário e as condições sociais mínimas, que entram nas salas de aula junto com os alunos e permanecem em toda sua trajetória escolar.

Analisar se o método favorece a aprendizagem, seja ele silábico ou construtivista, deixa de estar em primeiro plano. Por outro lado, o relacionamento, a preocupação com os sentimentos, com a emoção dos alunos, a preocupação em saber se estão alimentados, está presente em todo momento.

Se para Ferreiro (1992), o processo de alfabetização nada tem de mecânico, para as professoras das Escolas Municipais de Cristalina, diversificar a didática é o meio encontrado para envolver os alunos, nessa difícil arte de aprender a ler e a escrever. Envolver os alunos nas atividades propostas é a metodologia mais utilizada nas classes de alfabetização.

Cantar músicas, contar histórias, proporcionar jogos foram atividades encontradas diariamente nas classes de primeiro ano. De acordo com Cassasus (2008), o ambiente favorável à aprendizagem nas escolas é o fator mais importante para um clima adequado dentro da sala de aula. Pode-se comprovar esse clima favorável em todas as salas, pois as atividades lúdicas

despertam o interesse e favorecem o envolvimento. É possível afirmar que há uma preocupação grande em envolver os alunos nas atividades propostas, mas ao mesmo tempo, não há a mesma preocupação em completar no primeiro ano do Ensino Fundamental, o processo de alfabetização, visto que na maioria das escolas, as professoras estão na segunda ou terceira família silábica.

Com o novo Pacto Nacional (Portaria nº 867, de 4 de julho de 2012), pela Alfabetização na Idade Certa – que preconiza que os alunos devem ser alfabetizados até o terceiro ano do ensino fundamental (toda criança alfabetizada até os oito anos), as professoras do primeiro ano relatam que trabalham até onde é possível, não se sentindo obrigadas a completar o alfabeto.

De acordo com o Manual do Pacto, o ciclo de Alfabetização vai do primeiro ano do Ensino Fundamental ao terceiro ano do Ensino Fundamental, ou seja, dos seis aos oito anos de idade. “Um tempo sequencial de seiscentos dias letivos, sem interrupção, dedicados à inserção da criança na cultura escolar, a aprendizagem da leitura e da escrita, ampliação das capacidades de produção e compreensão dos textos” (MANUAL DO PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA, 2012, p. 17).

Se para Ferreiro (2009), o desenvolvimento da alfabetização ocorre, sem dúvidas, em um ambiente social, para Colombo (2008), no cotidiano das salas de aula, as dimensões afetivas, presentes neste ambiente, são de extrema importância para o sucesso da criança no processo de ensino-aprendizagem. Assim, concluindo ou não o alfabeto no primeiro ano do Ensino Fundamental, é necessário que o que for produzido, seja produzido com significado. Independentemente de trabalhar dez ou vinte e três letras do alfabeto.

Diante da observação realizada em sala de aula, pode-se perceber que, mesmo estando no início das famílias silábicas, a afetividade aparece no dia a dia das salas de alfabetização, de quatro maneiras basicamente:

Quadro 7 - Observação da postura, gestos, expressões faciais e conteúdos verbais das professoras

Postura

Todas as professoras passaram praticamente toda aula em pé. Passando sempre entre as carteiras, procurando por aquele aluno que necessita de ajuda. As atividades lúdicas favorecem uma postura mais próxima dos alunos. Todas as professoras se mostraram muito receptivas, seja ao dar um abraço na entrada ou ao ouvir uma história pessoal.

Quadro 7 - Observação da postura, gestos, expressões faciais e conteúdos verbais das professoras (conclusão)

Gestos

O pegar na mão é um dos gestos mais constantes das professoras de alfabetização, principalmente no momento de fazer a grafia de uma sílaba nova. O contato físico está sempre muito presente.

Expressões Faciais

Poucos foram os momentos em que as professoras não estavam com feições leves e tranquilas, normalmente os alunos reconhecem pelo olhar de reprovação da professora quando eles estão passando dos limites, ou seja, quando a conversa está alta demais.

Conteúdos Verbais

De constante incentivo e elogio: “vamos, você consegue!”

“muito bem!”, “ela acertou? Palmas pra ela!”. Essa é uma das principais características das classes de alfabetização. Muitas perguntas são feitas para que a classe responda coletivamente.

Fonte: Pesquisa de Campo.

Observar a postura, os gestos, as expressões faciais e os conteúdos verbais das professoras em relação aos alunos, comprovam o envolvimento afetivo que permeiam as salas de aula de primeiro ano do Ensino Fundamental de Cristalina. De acordo com Morales (2011), na relação do professor com os alunos, há implicitamente a disponibilidade, o interesse, a paciência e a boa preparação das aulas, que indicam que o aprendizado pode acontecer de forma positiva.

Morales afirma ainda que “a qualidade das relações interpessoais manifesta-se de muitas maneiras: dedicar tempo à comunicação com os alunos, a manifestar afeto e interesse (expressar que eles importam para nós), a elogiar com sinceridade, a interagir com os alunos com prazer” (2011, p. 54).

Em todas as salas observadas, pode-se perceber o quão lúdicas são as aulas, o quanto as professoras mostram-se interessadas em envolver os alunos, em ter seus alunos atentos ao que elas falam ou fazem, procurando sempre dar um feedback positivo. Para compreender a preocupação que o professor dispensa com a afetividade relacionada à aprendizagem de seus alunos, podem-se sugerir quatro posicionamentos:

Quadro 8 - Observação quanto ao: elogio, incentivo, apoio e aproximação Elogio “muito bem”, “palmas para ele”, “parabéns”.

Incentivo

Música: “muito bem, você está de parabéns, que legal você é sensacional”, “tem gente que já conseguiu, acho que todos vão conseguir!”, “quem fizer bem bonito vai ganhar uma estrelinha”, “você sabe fazer, que eu sei, é só você se esforçar”, “leiam juntos”, “façam bonito e com dedicação”. Uso de incentivo nos cadernos: “você está progredindo, precisa melhorar, excelente, parabéns”.

Apoio

O fato de realizar as atividades em conjunto com os alunos demonstra o apoio do professor. “Vou escrever em cima e você copia”. “pinta o 1º, vem cá que te ajudo, qual é o primeiro?”.

Aproximação

Todas as professoras observadas estavam constantemente ao lado de seus alunos, andando entre as carteiras, pegando nas mãos. A própria metodologia lúdica favorece a aproximação, quando cantam ou contam histórias, passam a estar ao lado dos alunos e não à frente.

Fonte: Pesquisa de Campo.

Após a observação, pode-se concluir que o relacionamento de respeito e amor permeia as salas de aula, os alunos acabam criando uma sintonia tão grande com a professora, que quando o barulho está grande, e a professora para de falar e olha para a turma, todos param de conversar.

De acordo com Lage:

O respeito mútuo é uma regra que jamais poderá ser rompida, para que o vínculo de amizade, apreço entre professor e aluno não se estremeça, pois é essa sintonia que aproxima, transforma comportamentos, fazendo do aprender uma deliciosa sensação de superação e do ensinar a recompensa do dever cumprido, além de receber como troféu o prazer de apreciar a vitória do Outro (2013, p. 26).

Há uma mistura de respeito com amizade, pois a partir do momento em que a professora se dispõe a ouvir histórias pessoais, ou no momento em que ganha uma bala na hora do lanche, ou até mesmo uma cartinha no início da aula, fica claro que o relacionamento vai além do respeito pela figura do professor.

Olha a cartinha que acabei de receber... Todos os dias a Letícia me traz uma cartinha ou uma balinha, na entrada da aula ela diz: Professora, eu te amo! Eu fico muito feliz com isso, ela mal sabe escrever, mas faz corações e estrelinhas para mim. Tem

outros, como o Paulo, por exemplo, que adora me beijar, toda hora que sento ele vem e me dá um beijo. Sinto uma carência muito grande, mas também, acho que sou a mais dá atenção a eles... em casa são muitos irmãos e eles não tem essa atenção só para eles (Professora Antônia).

Pode-se perceber através deste relato que os alunos são bastante sensíveis e preocupados com o amor da professora por eles, eles querem agradar, presentear e abraçar, para demonstrar seu amor, mas também para ter certeza de que são amados. Deve-se levar em consideração as condições socioeconômicas desses alunos, a maioria é advinda de famílias extremamente carentes, em especial a da Professora Antônia, alguns não têm referência de composição familiar (pai-mãe-irmãos), são frutos de pais desconhecidos ou mães que abandonam.

Esses fatores interferem ainda mais para que o amor que muitos não têm em casa seja transferido para a figura da professora, esperando desta uma posição de carinho, atenção e solidariedade.

Pode-se também dizer que, esse relacionamento positivo entre professor e aluno é como uma energia que o professor necessita para motivar e envolver seus alunos nas atividades propostas, pois quanto mais a sala corresponde às propostas do professor, mais ele se sente entusiasmado a elaborar nova atividades, e vice-versa, quanto mais elaboradas (lúdicas) as atividades, mais envolvidos estão os alunos. Isso se comprova nas aulas da professora Amanda, que criou uma paródia para cada letra do alfabeto, as músicas são todas com cantores do momento, que as crianças costumam ouvir, assim conhecem a melodia e fica mais fácil a fixação.

Não canto Galinha Pintadinha, nem Xuxa. Nessa fase (alfabetização) meus alunos gostam mesmo é de Gustavo Lima, João Neto e Frederico e Luan Santana... Procuro fazer as paródias com o Sertanejo Universitário, que é o que está na moda! Você percebeu como eles gostam, né? Cantam e dançam pra valer! (Professora Amanda).

Apesar de todas as dificuldades sociais, culturais e econômicas encontradas nas salas de aula, pode-se afirmar que a teoria preconizada de Maturana e Varela (2001), que afirma que somente o amor e a aceitação do outro amplia a visão e expande as possibilidades de um operar mais inteligente e produtivo, está presente nas salas de aula.

Mesmo com as dificuldades, principalmente para escrever, devido ao não desenvolvimento da coordenação motora, é possível afirmar que há um clima afetivo presente em todas as salas, favorecendo o envolvimento com a aprendizagem e o relacionamento entre

professor e aluno, comprovando a afirmação de Leite (2008), as interações que ocorrem no contexto escolar são marcadas pela afetividade em todos os seus aspectos.

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