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Durante o período de 1993 a 2001, cinco Portarias foram editadas dispondo sobre Diretrizes Técnicas e Normas de Procedimento para celebração de convênios quais sejam: 12/FABES/GAB/94, 10/FABES/GAB/95, 19/FABES/GAB/96 e 14 e 15/SAS/GAB/00.

As três primeiras são denominadas “Política de Convênio”, contendo diretrizes técnicas que deveriam ser seguidas pelas Entidades para cada um dos serviços e projetos que viessem a ser conveniados, bem como requisitos básicos para elegibilidade das Entidades Sociais e normas para celebração de convênio.

Em 2000, foi editada a Portaria 14/SAS/GAB que versou sobre as diretrizes técnicas da Secretaria de forma geral e para cada programa específico. A Portaria 15/SAS/GAB/2000 versou sobre as Normas Gerais para celebração de convênios.

As portarias traduzem-se na voz do órgão político municipal, responsável pela prestação dos serviços e projetos assistenciais à população, elas permitem que as Entidades Sociais sediadas no município, cumpridos os requisitos básicos necessários para sua elegibilidade, prestem também esses serviços, através de convênio estabelecido entre as partes.

O primeiro ponto que gostaríamos de salientar, antes de compararmos as mudanças que ocorreram (e se ocorreram) a cada nova edição de uma Portaria, é o fato de não ter havido a participação de nenhuma Entidade Social na discussão e/ou na elaboração das portarias citadas. É sabido que a cada nova edição se constituiu um GT encarregado de sua revisão. Desses GTs participaram técnicos lotados na SAS/Central e/ou nas Regionais. No entanto as Entidades Sociais, como membros efetivos do GT, não fizeram parte desses grupos. Chamamos a atenção para este fato, porque o Governo, através das Portarias citadas, chamou as Organizações Sem Fins Lucrativos para atuação conjunta no enfrentamento da questão social, sendo que, na última Portaria editada, o convênio foi qualificado como uma relação de parceria, embora não se desse voz àquele que se queria ter como parceiro.

Ora, segundo o conceito que adotamos, a relação de parceria prevê relações substantivas implicando corresponsabilidades, exigindo troca de opiniões, planejamento,

acompanhamento, avaliação e organização de recursos feitos de maneira conjunta, tratando-se de compromissos de longo prazo (SPINK, 2001). Há autores que propõem a criação de um órgão colegiado para aprovar, avaliar e acompanhar todos os empreendimentos que envolvam parceria público-privada (FINGERMANN E LOUREIRO, 1992), enquanto outros descrevem que, a partir da LOAS, o princípio da solidariedade deve ser construído através de uma política baseada numa relação de parceria e não somente em portarias que regulam subvenções, convênios, obtenção de documentos, etc., acrescentando que essa relação precisa ser explícita, clara à sociedade, aos cidadãos, de modo a permitir o controle social (SPOSATI, 1995). Como atender a essas proposições se as Políticas de Convênio foram pensadas e elaboradas apenas pelo poder público? Se as diretrizes de trabalho foram todas traçadas sem discussão alguma com membros da sociedade civil? É óbvio que o Governo deve ser o responsável por pensar e implantar políticas públicas de caráter universal, que venham ao encontro das necessidades da população, que garantam o acesso aos serviços e provisão deles, porém não pode prescindir da participação daqueles que, ao longo dos anos, já vêm desempenhando um trabalho de natureza pública, pois, como vimos (no cap. 2), as Entidades Sociais têm uma atuação na área social desde o período colonial.

Um segundo ponto a destacar é que, tendo em vista a questão jurídica que cerca a celebração de convênio, as Portarias estudadas77 não apresentam alterações significativas, pois

estão disciplinadas pelo art. 116 da Lei 8.666/93 e, por isso, não poderiam ser alteradas apenas pela alternância de quem estivesse à frente da Secretaria. Apesar disso, registram-se alterações significativas em alguns pontos das diretrizes de trabalho78 que forçaram as Entidades Sociais ora à contratação de pessoal, ora à redução de seu quadro de pessoal, além de alterações de faixa etária de atendimento, com isso, as Entidades Sociais viram-se obrigadas a promover alterações em seu espaço físico, a readequar sua programação e sua organização interna.

Em relação aos princípios e valores que regeram as políticas de convênio dos anos 1994, 1995 e 1996, apesar de não haver mudanças significativas, é interessante apontar que, ao ser justificada a necessidade de se ter uma política de convênio editada pelo município, o discurso institucional se referiu à busca de soluções ora em conjunto com a “sociedade civil”

77 Ver quadro comparativo Apêndice L 78 Apêndice J

ora com “organizações não governamentais”, sem explicitar quem é essa “sociedade civil” ou quais são essas “organizações não governamentais”.

O termo sociedade civil foi, ao longo da história, e tem sido até os dias atuais, uma categoria de análise estudada por vários autores. BRESSER PEREIRA (1999) dedica-lhe uma parte de seu trabalho, mencionando as várias conotações que, ao longo da história, esse conceito adquiriu. Segundo este autor, constitui-se de diversos atores, incluindo cidadãos individualmente, empresas, entidades representativas de interesse, setores organizados da sociedade, organizações não governamentais, movimentos sociais, associações de base, e outros capazes de influenciar politicamente mudanças na história.

A definição de Organizações Não Governamentais também tem recebido merecida atenção de muitos estudiosos. ALVES (2002) denuncia como o termo ONG passou rapidamente a ser empregado em substituição a uma ampla gama de categorias que iam de “[...] centro de formação de lideranças, institutos de apoio aos movimentos dos trabalhadores, centro de apoio ao sindicalismo rural, centros de pesquisa, centros de formação, instituições de apoio à organização comunitária, organizações de base [...]” (ALVES, 2002 pg. 296).

SPINK (2001) lista dezenas de organizações fora do setor governamental que mantêm com a esfera pública alianças ou parcerias. Assim, tendo em conta que esses termos estão sempre em construção e que a possibilidade para alianças e parcerias é ampla, tendemos a inferir que, nas elaborações das Portarias, ou não houve preocupação com o uso dos termos “sociedade civil” e “organizações não governamentais” quanto ao seu significado e abrangência, usando-os de forma “aleatória”; ou que havia a intenção da busca para o equacionamento das questões sociais, ora com a sociedade civil ora com as organizações não governamentais. Mas, na prática, o trabalho conjunto foi tão somente executado por aquela parcela específica e determinada da sociedade civil, que sempre realizou convênio com SAS para a prestação dos serviços, melhor dizendo: “As Entidades Sociais”.

De acordo com as comparações entre as políticas de convênio pesquisadas, pudemos constatar que somente no ano de 94 foi incluído, de forma explícita, o repasse de recursos financeiros para as Entidades Sociais, que fossem capazes de garantir a finalidade do serviço

prestado, sendo essa notação excluída nos demais anos. Isso demonstra que, nas Políticas de Convênio editadas nos anos seguintes, não houve comprometimento formal do governo em financiar os serviços num montante tal que fosse capaz de garantir o desenvolvimento do serviço conveniado da forma planejada. Na prática, a partir das entrevistas que realizamos, percebemos que isto facilitou e favoreceu o discurso, por parte da esfera pública, de que as Entidades Sociais também deveriam contribuir financeiramente com os gastos dos serviços conveniados, cobrindo todas as despesas que a verba do convênio não conseguisse cobrir, com a finalidade de garantir o serviço prestado.

Verificamos que houve preocupação do governo em fazer constar da Política de Convênio, no ano de 1996, a notação de que as Entidades Sociais deveriam possibilitar o acompanhamento e a avaliação dos serviços prestados por meio do acesso às informações e documentos sobre a programação. À primeira vista, esta nota pode parecer óbvia, pois pressupõe que um serviço prestado, com verbas públicas, necessariamente precisa ser controlado. No entanto, segundo os depoimentos e em nossa visão, isto deu respaldo ao trabalho técnico, uma vez que há relatos de situações em que, ao serem realizadas supervisões técnicas nos equipamentos conveniados e no momento de prestação de contas, a Entidade se recusou a apresentar documentos ou dificultou a visita do técnico ao local.

Em 2000, este item da Portaria foi alterado, fez-se constar que a Entidade deveria possuir capacidade técnica e operacional em relação às obrigações a serem assumidas. Isto não quis dizer, no entanto que a supervisão técnica da SAS fosse desnecessária, pois no termo de convênio assinado, continuou constando a necessidade dessa supervisão.

Em 1996, ficou explicitada a possibilidade de convênio para serviços que vinham sendo prestados de forma direta pela municipalidade, desenvolvendo-se assim a Rede Indireta.

As diretrizes arroladas na Portaria 14/SAS/GAB/00 trouxeram novidades quanto à Política de Atendimento de SAS, no discurso institucional. Neste ano, usou-se, pela primeira vez, o termo Parceria. Num discurso que se reportou a pressupostos da Constituição Federal e da Lei Orgânica da Assistência, chamava-se a atenção para a Assistência Social como Política Pública de Seguridade Social. Na edição das Diretrizes Técnicas da Secretaria Municipal de Assistência Social mencionaram-se: “... parcerias com entidades e organizações de

Assistência Social, entendidas como de direito privado e finalidade pública [...] parcerias da sociedade civil [...] as ações da assistência social estruturam-se, através de convênios, em parceria com entidades e organizações sociais...”. Porém não houve alteração na forma de vínculo com as Entidades Sociais, sendo que as normas para celebração de convênios continuaram as mesmas, ou seja, só a terminologia mudou.

Como já comentado no início desse capítulo, no que diz respeito às diretrizes técnicas para o convênio, as Portarias de 1994, 1995 e 1996 trouxeram alterações significativas em alguns itens operacionais, como: quadro de pessoal, relação adulto/ criança, documentação a ser entregue e necessidades de vistoria. Itens esses que, como pode ser verificado no Apêndice J, impingiram às Entidades a necessidade de readequações, por serem itens de cumprimento obrigatório. Conforme as entidades, essas sucessivas alterações trouxeram-lhes sérios problemas para que se adaptassem às novas regras.

Houve mudanças principalmente na faixa etária de atendimento, no quadro de pessoal quanto ao número de profissionais contratados e ao nível de escolaridade, e, ainda, na proporção adulto/criança.

Isso acabou se traduzindo num maior número de crianças para um menor número de funcionários para atendê-las. A exigência de um nível maior de escolaridade, num segundo momento, tornou-se menos rígida. Essas alterações não foram recebidas de forma tranqüila e nem foram decididas, como já salientamos, de forma conjunta com as Entidades Sociais.

Nas entrevistas com as Entidades Sociais colhemos depoimentos do tipo:

“... No nível político, quem está com a pasta pode dificultar as ações, fazendo com que as parcerias sejam ‘sofridas’; desgastando tanto técnicos quanto entidades. Houve muitas exigências sem a contra partida [...] Durante 1993-2001, houve muita interferência: Maluf reestruturou o per capita para baixo passando nossa verba total de R$ 14.000,00 para R$ 10.200,00 [...] havia dificuldade em atender a burocracia, com a exigência de tantas licenças, alvarás – muita complexidade [...] No governo Pita o diálogo foi rompido [...] perdeu-se muitos parceiros sem a PMSP socorrê-los. Hoje a PMSP tem dificuldade em conseguir parcerias em função do medo que nossas amigas Entidades têm de vir a ocorrer o mesmo do passado”(JM)79

Para concluir esse capítulo, consideramos que as políticas de convênio bem como as diretrizes técnicas para o trabalho são importantes porque normalizam procedimentos, mas poderiam esclarecer melhor os pressupostos que cercarão as relações, bem como deveria ser criado um canal institucional que permitisse que as diretrizes de trabalho fossem também discutidas com os executores. Embora não deva ser o único instrumento a ser usado no enfrentamento das questões sociais, ele pode ser um inibidor ou um facilitador dos convênios que as Entidades queiram fazer com a SAS. É também um instrumento de poder, pois os técnicos representantes do poder público podem usá-lo com maior ou menor rigidez junto às Entidades Sociais, para cobrar e acompanhar resultados.

Neste capítulo tratamos o convênio do ponto de vista das normas. No capítulo seguinte o convênio será visto em seu funcionamento prático.