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Análise com base na Teoria da Fusão Conceptual de Fauconnier

6. Análise do corpus

6.3 Análise com base na Teoria da Fusão Conceptual de Fauconnier

As metáforas seguintes serão analisadas com base na Teoria da Fusão Conceptual. Embora tenhamos escolhido apenas dois exemplos do nosso corpus para analisar nestes termos os demais exemplos já analisados poderiam ser também submetidos ao mesmo tipo de procedimento. A análise através da TFC, contudo, é bastante complexa e isso se revela mais claramente nos manuais, artigos, livros, etc., que se propõem fazer uma análise de metáforas tomando a Fusão Conceptual como base. Não é raro encontrarmos um livro inteiro dedicado à análise de não mais do que um par de metáforas através da TFC. Daí não nos dedicaremos a tantos casos detalhadamente e procederemos, portanto, com a mesma prudência aqui.

Naquilo em que as duas teorias diferem e convergem foi já discutido, mas devemos acrescentar que em suas análises, Lakoff & Johnson e Fauconnier &

Turner acabam por deixar transparecer com mais clareza uma diferença que parece pontuar com precisão os caminhos escolhidos por esses estudiosos para suas conclusões: Lakoff & Johnson enquadram as metáforas em um esquema filosófico e epistemológico e a transformaram em método de análise ao passo em que Fauconnier & Turner são mais construtivos e analíticos do ponto de vista hermenêutico. Os dois primeiros têm grande preocupação em mostrar como a metáfora se constitui essencialmente na compreensão de um domínio conceptual através de outro. Os dois últimos, por sua vez, embora não descartem essa natureza epistemológica da metáfora, se concentram essencialmente nos mecanismos que permitem chegar a inferências geradas pelas metáforas.

Consideremos a metáfora na manchete do texto (32): São Paulo recebe uma São José dos Campos por dia.

Ela se constitui numa afirmação sobre o afluxo diário de pessoas para cidade de São Paulo, inferência essa revelada no subtítulo da manchete (Segundo Saede, são mais de 668 mil pessoas que vêm a capital trabalhar e estudar) e que poderia nos poupar a reconstituição da mesma, mas prossigamos assim mesmo. Este enunciado é metafórico e é, portanto, sobre São Paulo, espaço alvo, e não sobre São José dos Campos, espaço fonte.

Ao invés de termos um domínio conceptual estruturando outro possibilitando assim sua compreensão, a TFC trabalha com a projeção entre espaços mentais e uma inferência inusitada é possibilitada pela fusão das projeções no espaço de integração, alegação amplamente comentada acima. Neste caso temos dois espaços mentais de input: São Paulo I1 e São José dos Campos I2 entre os quais

também há projeções de suas contrapartes. Temos ainda um espaço genérico onde é possível observar características comuns aos dois espaços de input I1 e I2.

Finalmente temos o espaço de fusão ou de mesclagem como também é conhecido para onde são feitas projeções a partir dos dois espaços de input e que resultam em estrutura emergente. Vejamos a ilustração abaixo:

Espaço Genérico

Status: município População ativa habitantes em circulação interesses da população: trabalhar, estudar, etc.

Input I1 Input I2

Nome: São Paulo --- Nome: São José dos Campos Metrópole Cidade de médio porte Status da economia: Centro industria l --- status da economia: economia periférica Número de habitantes: 10 milhões --- Número de habitantes: 668 mil Status político: Capital --- status político: interior População que circula na cidade vinda de --- População que circula na cidade vinda de cidades circunvizinhas cidades circunvizinhas

causa da imigração: trabalho, estudo , etc. --- causa de emigração: trabalho, estudo, etc. trabalhadores, estudantes, etc. --- trabalhadores, estudantes, etc.

Nome: São Paulo População que circula na cidade vinda de cidades circunvizinhas:: 668.000

causa da imigração/emigração: trabalho, estudo, etc.

São Paulo recebe uma S. José

dos Campos por dia Inferência: SP recebe imigrantes = ao número de hab. de S. J. Campos / dia

Algumas das características que o espaço genérico nos revela em comum aos dois espaços de input são: ambas têm o status de município, em ambas há pessoas que trabalham e estudam, ambas têm escolas, comércio e indústria, há locomoção da população em ambas de casa para a escola ou trabalho e destes para casa, pessoas saem e voltam de ambos os municípios diariamente para afazeres diversos etc. Nos dois espaços de input observamos os seguintes elementos estruturais: São Paulo com status de metrópole e São J. dos Campos com status de cidade de médio porte; São Paulo como centro industrial importador de mão de obra e São J. dos Campos como cidade periférica exportadora de mão de obra; São Paulo pólo cultural que converge interesses múltiplos e São J. dos Campos centro limitado culturalmente de onde divergem intelectuais; São Paulo com possibilidade de remuneração mais elevada e São J. dos Campos com vantagens salariais limitadas; o status geopolítico de São Paulo é de capital e o de São J. dos Campos é de interior (aí temos a presença da metáfora CENTRO É MAIS IMPORTANTE DO QUE PERIFERIA), etc.

Apenas alguns elementos estruturadores destes dois espaços mantêm correspondências entre si; as contrapartes devem manter a topologia cognitiva intacta. Para o espaço de fusão são projetadas não só entidades dos espaços de input, mas também conhecimento pertinente aos mesmos. O espaço de input I1

projeta para o espaço de fusão o conhecimento de migrantes diários que afluem para São Paulo das mais diversas cidades periféricas e circunvizinhas que gira em torno de 668.000 pessoas. O espaço de input I2 projeta para o espaço de fusão o

numero de habitantes da cidade de São José dos Campos o qual é semelhante ao número de migrantes diários na cidade de São Paulo. Surge então a estrutura emergente que diz respeito ao volume de pessoas que afluem para São Paulo diariamente e voltam para suas respectivas cidades no final de seus compromissos. Este volume equivale à população do município de São J. dos Campos, mas essa inferência é feita na fusão e não no espaço-alvo, pois São Paulo, de fato, não poderia jamais receber a própria São José dos Campos fisicamente falando, embora esta cidade faça parte do grupo de cidades de onde

as pessoas que migram para São Paulo chegam. Julgamos que essa inferência só é possível na fusão dos espaços mentais que formam esta metáfora.

Trabalharemos agora o exemplo (76) A Ferrari da Ford também na mesma perspectiva da análise anterior. Faremos um acréscimo ao enunciado daquilo subentendido, com vistas a uma melhor compreensão de como estamos trabalhando esta manchete: O modelo 2005 GT é a Ferrari da Ford. A metáfora está na estruturação do espaço em que se encontra o carro da Ford, o espaço alvo, pelo espaço em que se encontra o fabricante de autos Ferrari, o espaço fonte. Ver Fig.3 na próxima página.

Ambos projetam características semelhantes para o espaço genérico como: ambos são fabricantes de automóveis, ambos estão entre as marcas mais famosas do mundo, ambos têm uma longa tradição no que fazem, ambos fabricam modelos esportivos, etc. Nos espaços de input as contrapartes projetam: esportividade dos modelos da categoria em questão, preços altos, velocidades semelhantes, etc. Eles não projetam as mesmas nacionalidades, por exemplo, mantendo assim a mesma topologia cognitiva entre as correspondências. Para o espaço de fusão são projetadas algumas das entidades de ambos os espaços, mas nem todas. Para o espaço de fusão também são projetados modelos culturais ou leigos sobre autos superesportivos e marcas, nos quais os modelos Ferrari sempre saem vencedores independentemente de as características que contemplam essa variedade estarem ou não mais a favor de uma outra marca competindo com uma Ferrari. O espaço fonte, portanto, projeta para o espaço de fusão a fama mítica da marca Ferrari. O auto superesportivo modelo 2005 GT da Ford é, por sua vez, uma versão moderna de um antigo sucesso desta marca, o GT 40, que chegou mesmo a bater a Ferrari com a qual competia nesta categoria nos anos 60, e ganhando por isso uma fama também mítica. Essa projeção vem do espaço alvo para o espaço de fusão e é na integração destas correspondências, ou seja, da fama mítica do Ford GT 40 e da fama mítica que a Ferrari sustenta ainda hoje, que estas famas se fundem e dão ao 2005 GT a possibilidade de já nascer com uma fama mítica. Daí pode-se elaborar a fusão e

Espaço Genérico fabricantes de automóveis modelos esportivos sonho de consumo Input I1 Input I2 Ford

Sonho de consumo Ferrari

Ford 2005 GT Sonho de consumo Lançamento: abril 2004 status dos esportivos Ferrari: mito, ícone Preço: ± US$ 180 mil Modelo: Modena Força: 500cv Preço: ±US$ 180 mil Velocidade: 300 km/h

Ford GT 40 Modelo: 575 Maranello: Lançamento: início dos anos 60 Força: 500 cv

Status: mito, ícone dos carros esportivos Velocidade: 300 km/h Preço: ± US$ 300 mil compradores: celebridades compradores: celebridades e milionários e milionários

Modelo: Ford 2005 GT

compradores: celebridades, milionários Lançamento: abril 2004

velocidade: 300 km/h força: 500 cv preço: ± US$ 180 mil status: ícone, mito

A Ferrari da Ford

Inferência: modelo lançado com status de ícone, mito

se dizer metaforicamente, por exemplo, que o mito 2005 GT já fez muito sucesso quando, na verdade, este é um modelo que sequer chegou às lojas. É por isso que a manchete A Ferrari da Ford é compreendida como significando O mito da Ford.

Estes dois exemplos somados aos exemplos já analisados no capítulo referente à Teoria da Fusão Conceptual podem nos ajudar a ver a grande importância que esta teoria tem para nossa compreensão deste tão presente mecanismo cognitivo. Faremos a seguir algumas considerações finais sobre as conclusões a que chegamos no final desta jornada.