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4. A Teoria da Fusão Conceptual de Fauconnier (TFC)

4.1 Apresentação

A Teoria da Fusão Conceptual (TFC) de Gilles Fauconnier, elaborada e desenvolvida em parte com Mark Turner, é considerada um avanço significativo nos estudos lingüístico-cognitivos recentes. Ela enriquece e acrescenta substancialmente às conquistas obtidas pelos postulados da Teoria da Metáfora Conceptual (TMC) de Lakoff. Comparativamente, avaliamos que ela tem em seu favor como sua principal característica o fato de não se limitar à investigação do fenômeno metafórico, como o faz a TMC, mas engloba vários tipos de fenômenos conceptuais que dizem respeito de forma mais abrangente, e principalmente, a como nossa mente processa a construção de significado em geral e de forma mais pontual, direta ou indiretamente, à construção de significado pela linguagem natural como um todo. Alguns exemplos concernentes à linguagem que a integração conceptual é capaz de explicar são: os contrafactuais, os condicionais e as metáforas, é claro.

Fauconnier, de forma menos enfática e recorrente do que Lakoff, embora tão incisivo quanto este, também alude à impropriedade ou mesmo à impossibilidade de tratar certas questões relativas ao significado na linguagem natural pelos moldes tradicionais que privilegiavam uma semântica vericondicional. Insiste em que o significado dos termos não está neles próprios, mas resulta de uma complexa operação cognitiva desenvolvida no decorrer do discurso (on-line) e dá à questão do contexto na construção do significado uma posição de destaque, algo notadamente pouco enfatizado na obra de Lakoff. Ele afirma que: Uma expressão lingüística ‘E’ não tem um significado em si própria; mais propriamente, ela tem um potencial de significado, e somente através de um discurso completo num contexto é que o significado será realmente produzido (Fauconnier; 1997; 37 –TN/71).

Fauconnier dá forte alcance ao seu trabalho de pesquisa pela elaboração da teoria dos Espaços Mentais, que acabaria por intitular um livro do mesmo nome (1985), que confessa ter sido escrito justamente em reação às tendências tradicionais de visão de significado. Exploraremos mais adiante estas unidades de organização cognitiva chamadas de espaços mentais as quais servem de base para todo o processo de fusão defendido por Fauconnier.

Como já dito acima, Fauconnier rejeita terminantemente a idéia de que o significado está nas próprias palavras – uma visão dantes aceita por grande parte dos estudiosos do assunto e em particular pelos que tomavam a questão da literalidade e suas implicações como ponto de partida para seus estudos sobre o significado – e calcula que as expressões lingüísticas que usamos são, tão somente, indutores (prompts) que nos guiam na construção de significado que engloba um processo cognitivo complexo e criativo. Ele afirma recorrentemente por toda sua obra tal noção e em um de seus principais livros sobre o assunto (The Way We Think: 2002) ele diz que:

... as palavras e os padrões nos quais as palavras se encaixam são gatilhos para a imaginação. Elas são ativadores que usamos para tentar fazer com que nós e os outros ativemos um pouco do que sabemos e trabalhemos nisso criativamente para chegarmos a um significado. A fusão é uma parte crucial deste trabalho de imaginação... (Fauconnier & Turner; 2002, 146 – TN/72).

Embora Fauconnier veja na linguagem uma forte aliada nos estudos cognitivos, uma vez que esta pode servir de evidência para conclusões alusivas ao pensamento e a outros processos mentais por estar intimamente ligada a eles, ele é reconhecedor de uma importante adversidade que permeia toda essa exaustiva tarefa, ao lembrar que:

Quando a linguagem, a mente e a cultura são objeto de estudo científico, o investigador já não é mais um mero espectador. Ele ou ela é um dos atores, parte do fenômeno sob investigação: o pensar e o falar que precisam ser desmistificados também são o pensar e o falar usados para efetuar a desmistificação. A investigação que vai revelar os segredos de bastidores também faz parte do show principal, e claramente estamos em terreno intelectualmente perigoso (Fauconnier; 1994, xvii – TN/73).

A fusão conceptual é para o autor o principal mecanismo de construção do significado de que dispomos. Poderíamos resumir a estrutura teórica desse processo de integração conceptual de forma simples, muito embora o processo em si seja de uma complexidade expressiva, dizendo que ela se compõe essencialmente de quatro ou mais espaços mentais, sendo dois destes chamados de espaços de entrada de dados ou input, os quais trazem informação de domínios cognitivos distintos, um outro espaço chamado de genérico, o qual guarda estruturas comuns aos espaços de input, e, finalmente, um espaço para onde convergem todas as atenções finais do processo chamado de fusão, o qual consagra todo um conjunto de operações de combinações dinâmicas de modelos cognitivos resultando geralmente em estrutura emergente.

Ainda é muito importante lembrar que a fusão se dá tanto através de projeções parciais entre modelos cognitivos dos diferentes espaços da rede de integração quanto da projeção, também parcial, de estrutura conceptual de um espaço para outro. A propósito disso, a concepção de projeção ou correspondência (mapping) foi chave no desenvolvimento das idéias que moveram todo o trabalho de Fauconnier nos rumos que ele tomou. Neste sentido, o autor declara uma nítida defesa da importância das projeções no processo de criação de significado e na compreensão da comunicação em geral, ao asseverar que:

Entender é criar. Comunicar é desencadear processos dinâmicos criativos em outras mentes e nas nossas próprias. As projeções [...] podem ser cristalizadas (como a metáfora convencional e as construções gramaticais já instituídas) mas elas também operam on-line para gerar novos significados, visões e interpretações. De fato, as projeções cristalizadas fornecem um forte apoio prático para inovações on-line (Fauconnier; 1997, 182 – TN/74).

Fauconnier ainda se mostra convicto do fato de que a fusão nos permite fazer uma nova interpretação da realidade quando esta é bem sucedida; ela não se limita à meras construções conceptuais e é entendida como uma arena legítima de exploração mental que favorece a aparição de significados não previstos na sua formação.

Podemos perceber que, apesar de Fauconnier se posicionar muito claramente numa direção que vai além das propostas de Lakoff, ele não prescinde de importantes insights que a Teoria da Metáfora Conceptual trouxe para os estudos dos fenômenos conceptuais e das atividades cognitivas realizadas pelos seres humanos, como é o caso das projeções além de outros como os modelos cognitivos idealizados (MCIs) e os esquemas imagéticos, mas deste particular trataremos mais adiante.

Vejamos agora com mais detalhes primeiramente o que são estes espaços e como cada um deles participa efetivamente de todo este processo e, posteriormente, quais os princípios que alicerçam a atividade de integração conceptual e o que mais está por trás dela. Finalmente, entraremos num campo que é para nós nesta pesquisa, de importância central, a saber, como a Teoria da Fusão Conceptual e a Teoria da Metáfora Conceptual podem ser vistas como complementares de tal sorte que na análise dos nossos dados possamos fazer uso das duas sem que isso signifique nem uma incompatibilidade procedimental nem uma ruptura com o contrato que temos com nossos objetivos maiores e periféricos neste trabalho.