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Análise Crítica da Prova

No documento A fundamentação da decisão de facto. (páginas 42-45)

A MOTIVAÇÃO DE FACTO

2. Análise Crítica da Prova

Conforme já referido29, com a reforma processual civil empreendida através do DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, na esteira do DL n.º 39/95, de 15 de fevereiro, foram introduzidas duas relevantes alterações no regime de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto em processo civil: Por um lado, eliminou-se a restrição de apenas ser necessário fundamentar as respostas aos factos provados, passando a estender-se essa exigência também aos factos dados como não provados. Por outro lado, impôs-se ao juiz o dever de proceder a uma análise crítica das provas. Significa isto que, para além de indicar as provas que serviram para formar a sua convicção, como já lhe era imposto no regime anterior, o julgador passou a ter de analisar criticamente tais provas.

28 TARUFFO, Michele - La Prueba, p. 97. 29

Paralelamente, no processo penal, desde o Código de 1987 que está consagrada a obrigatoriedade de fundamentação da decisão sobre a prova produzida, extensível também à matéria de facto não provada. De acordo com o disposto no art. 374º, n.º 2, desse diploma, a estrutura da sentença proferida em processo criminal deve conter, na parte da fundamentação e a seguir à enumeração dos factos provados e não provados, uma exposição, tanto quanto possível completa, mas concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Com a revisão desse código pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, mais concretamente do citado n.º 2 do art. 374º, a fundamentação da sentença passou a conter, não só a indiciação dessas provas, mas também o seu exame crítico, com vista a assegurar-se um efetivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto.

Em face deste quadro legal, importa precisar em que consiste a mencionada análise crítica ou exame crítico das provas, que o juiz deverá expressar na motivação da sua decisão de facto. Sendo a lei omissa a esse respeito, a aferição do seu significado deverá ser feita com critérios de razoabilidade, em termos de permitir avaliar cabalmente a razão de ser da decisão e revelar o processo lógico formal que lhe serviu de suporte.

Há que ter presente, antes de mais, que os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum), mas sim os elementos que, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou que se valorassem de determinada forma os diversos meios de prova carreados para os autos30.

O referido exame crítico deve ser feito não sobre o conteúdo da prova produzida, mas sim sobre os próprios meios de prova, nomeadamente da respetiva razão de ciência e credibilidade, de forma a explicitar o processo de formação da convicção do tribunal.

A motivação deverá necessariamente consistir numa explicitação detalhada do percurso mental que o julgador efetuou, ou seja, do processo

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lógico e racional que seguiu na apreciação e valoração das provas, assim se garantindo que não se tratou de uma ponderação arbitrária das mesmas na formação da convicção do tribunal, antes permitindo que um leitor atento e suficientemente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.

Para tal, o julgador terá de expor, justificar e analisar criticamente as razões ou motivos que o levaram a considerar como demonstrado ou não cada um dos factos submetidos à sua apreciação. Através dessa tarefa, está obrigado a justificar o fundamento da sua decisão, em termos de lograr convencer os respetivos destinatários da bondade da mesma.

Para conseguir alcançar esse desiderato, terá de alinhar e analisar criticamente todos os elementos probatórios a que atendeu para formar a sua convicção decisória. Dito de outro modo, será necessário elencar e explicitar as razões com base nas quais reconstruiu de determinada forma a ocorrência dos factos, com referência às provas de que se serviu para tomar a sua decisão sobre a matéria de facto. Mais concretamente, através do exame crítico das provas, o julgador enuncia as razões de ciência dos vários meios de prova, explicita a razão da opção por uma e não por outra das versões em confronto e indica os motivos da credibilidade que atribuiu a depoimentos, a documentos e a exames.

Esta atividade de motivação do juízo de facto é orientada pelo chamado princípio da completude ou da plenitude, que não significa mais do que a necessidade de a motivação encerrar uma justificação completa e cabal do conjunto de razões que conduziram à decisão de facto tomada pelo juiz, de modo a torná-la perscrutável e cognoscível para os respetivos destinatários. Segundo a afirmação de autores como Michele Taruffo31, tal princípio significa que a justificação que envolve o processo de motivação “tem de cobrir todas as opções do juiz”.

De acordo com os ensinamentos do mesmo autor32, o referido princípio da completude comporta uma justificação interna e uma justificação externa: A primeira refere-se à conexão lógica entre as premissas de direito e de facto (a chamada subsunção do facto à norma) que sustenta a decisão final. A decisão

31 TARUFFO, Michele - Consideraciones sobre prueba y motivación, p. 77. 32

está internamente justificada quando se demonstra a coerência entre a conclusão alcançada e as premissas em que a mesma assenta. Por seu turno, a justificação externa respeita à justificação da eleição dessas premissas, das quais deriva a decisão tomada. Esta estará externamente justificada quando se demonstre a validade das inferências e das premissas, o que pressupõe e exige que o juiz indique os argumentos racionais que utilizou na valoração das provas e como efetuou as inferências que conduziram à decisão de facto, em ordem a conseguir persuadir os respetivos destinatários da bondade ou acerto da mesma.

Constata-se, assim, que a motivação em causa se prende com essa justificação externa das premissas de facto da decisão, sendo nesse âmbito que se poderá alcançar o juízo sobre a racionalidade desta.

Em suma, a análise crítica das provas tem necessariamente uma feição valorativa, no sentido da aceitação ou da rejeição das várias hipóteses decisórias, permitindo exprimir as razões por que umas são elegíveis e outras não o são.

No documento A fundamentação da decisão de facto. (páginas 42-45)