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Análise crítica das variáveis biofísicas, clínicas e obstétricas

No documento Dissertação de Doutoramento apresentada à (páginas 158-161)

parte i – definição e âmbito do estudo

capítulo 4 · discussão

4.1.1 Análise crítica das variáveis biofísicas, clínicas e obstétricas

Na amostra do Reino Unido de 45.854 gravidezes únicas, dividida entre grupo de doenças autoimunes (AI=361 casos) e grupo controlo sem doenças autoimunes (NAI=45.493 casos), encontrou-se uma diferença significativa na variável ‘idade materna’, mais elevada no grupo AI (33,11 anos) do que no grupo NAI (32,03 anos).

Detalhando por doença, a DC (33,50 anos), a CU (32,98 anos) e o subgrupo Outros (32,07 anos) apresentaram diferenças significativas (p<0,05), o SAF (34,85 anos) e a AR (34,07 anos) diferenças muito significativas (p< 0,01), não se encontrando diferenças nas grávidas com EM e LES (n=47, 31.84 anos).

Estes achados, de um modo global, estão de acordo com os dados epidemiológicos que re- ferem que a idade de início de algumas da doenças autoimunes (eg, AR, SS e SSc) se situa a partir dos 40-50 anos(30,55), pelo que o encontro entre o diagnóstico definitivo da doença e a gravidez obriga a que esta última seja obrigatoriamente tardia.

Nos casos do LES e da EM, cujas idades de início se encontram respectivamente nos escalões etários 15-40 anos e 20-30 anos, a gravidez ocorre mais habitualmente mais cedo, o que é con- gruente com a não existência no nosso estudo de diferenças significativas na idade materna relativamente ao grupo sem patologia AI. Por outro lado, se no passado era de certa maneira

desaconselhada a gravidez às mulheres com LES(99), actualmente a realidade é completamen- te distinta, fruto da melhor compreensão da fisiopatologia da doença e do estabelecimento de novos modelos de intervenção multidisciplinar(98,100), que vieram permitir um planeamen- to mais preciso da gravidez, de acordo com os períodos de remissão da doença(62).

Relativamente ao subgrupo SAF, que em cerca de 40 a 50% está associado a um diagnóstico anterior de LES, poder-se-ia esperar que não existissem também diferenças significativas na idade materna. No entanto, nesta patologia as diferenças foram altamente significativas (p< 0,01), que pensamos poderem ser atribuídas à própria evolução natural do SAF, que é carac- terizada por frequentes eventos obstétricos (abortos e perda fetal recorrente)(103), os quais poderão contribuir para uma ocorrência mais tardia da gravidez.

No subgrupo das DII, apesar da maior incidência ocorrer nos anos férteis e de as mulheres com DII não terem a sua fertilidade diminuída, quando comparadas com a população em geral(237), a justificação mais uma vez poderá residir na história natural destas doenças, em que a ocorrência frequente de complicações pós-cirúrgicas aumenta indirectamente o re- curso aos métodos de reprodução medicamente assistida, com a consequente demora em engravidar(59,238).

Relativamente à amostra Portuguesa e no que diz respeito à idade materna, não foram encon- tradas diferenças significativas entre o grupo NAI e o grupo AI.

Passando agora à comparação da ‘idade gestacional à data do parto’ (medida em semanas), verificou-se que esta era significativamente menor (p<0,01) no grupo AI (mediana - 39,55) que no grupo controlo NAI (mediana - 40,05), acontecendo o mesmo com a variável ‘peso ao nascer’, significativamente menor no grupo AI.

Na amostra Portuguesa não foram encontradas diferenças significativas no que diz respeito à idade gestacional à data do parto nem relativamente ao peso ao nascer, apesar de a primeira destas variáveis apresentar uma ligeira tendência para ser mais baixa (AI-37,86 semanas) . Detalhando por patologia, verifica-se que as diferenças mais significativas, tanto na idade gestacional no momento do parto como no peso ao nascer, foram encontradas na doença de Crohn, na AR e no LES. Estes achados reforçam a ideia de que, apesar dos inegáveis desenvol- vimentos científicos e terapêuticos ocorridos nos últimos anos, a gravidez no LES continua a constituir uma condição não desprovida de risco(239), estando associada a significativa morbilidade fetal e neonatal(30).

Como se sabe, a gravidez em mulheres com doenças inflamatórias (eg, AR, LES, DII) está as- sociada, em maior ou menor grau, a eventos perinatais adversos(228), nomeadamente a abor- tos, prematuridade, perturbações do crescimento fetal e morte fetal(36,101,112,124), que se pensa poderem resultar fisiopatologicamente de alterações imunológicas na placenta(98). Por seu lado, a prematuridade está associada no curto prazo a doença pulmonar crónica, lesão cerebral grave e sépsis neonatal, e no médio-longo prazo a doença cardiovascular, hiperten- são, diabetes e obesidade(103,124).

A possibilidade da ocorrência, no momento da concepção ou no decurso da gestação, de eventos reconhecidos como factores de risco (e indicadores de mau prognóstico) tais como a exacerbação lúpica, a nefrite lúpica, as complicações hipertensivas e/ou PE e o SAF 2º, aumenta a probabilidade de aparecimento de complicações perinatais adversas, as quais são numericamente tão importantes como as decorrentes das aneuploidias(10,124,125).

Pelo exposto acima, a diferença muito significativa na idade gestacional no parto da grupo AI (e concretamente no subgrupo LES), e tendo em conta o intervalo de confiança de 37,68 – 40,25 semanas, poderá indicar que existe uma tendência para partos mais precoces, apesar de na amostra não se ter configurado a definição de prematuridade15.

No que diz respeito à AR, apesar da baixa casuística de co-ocorrência da gravidez(104), vários autores referem um risco aumentado de prematuridade e de perturbações do crescimento fetal nas grávidas com artrite inflamatória(62,110,111,124). Também no subgrupo AR os resultados não permitem configurar a definição de prematuridade nem de perturbações do crescimento. No subgrupo SAF não foram encontradas diferenças quer na idade gestacional no parto, quer no peso ao nascer. Este aspecto é particularmente interessante, uma vez que o SAF não tratado está associado a uma taxa muito alta de aborto (até 90%), a pré-eclâmpsia, a RCF e a parto pré-termo(103). Com a introdução da aspirina de baixa dose (75-100 mg/d), com ou sem heparina de baixo peso molecular(10), estes eventos têm-se modificado, atingindo-se uma taxa de sucesso de 80% de nascimentos sem eventos adversos associados. Esta poderá ser a explicação dos resultados obtidos no nosso estudo, tendo em vista que as grávidas se encontravam em seguimento médico de acordo com as normas em vigor no Reino Unido.

15. Recém-nascido prematuro (def. OMS) ou pré-termo: todo aquele que nasce antes da 37ª semana completa de gestação. Os recém-nascidos podem ser classificados em prematuros limiar, (entre 33 e 36 semanas de gestação ou peso ao nascer entre 1500 e 2500 gramas), prematuros moderados (entre as 28 e as 32 semanas de gestação ou peso ao nascer entre 1000 e 1500 gramas) ou em prematuros extremos (<28 semanas ou peso ao nascer abaixo dos 1000 gramas).

No subgrupo DII e relativamente aos indicadores de resultados da gravidez, a idade gestacio- nal no parto assim como o peso ao nascer, na DC apresentam diferença muito significativas. Apesar de muitas mulheres considerarem engravidar, continuam a ocorrer desfechos obsté- tricos adversos: vários autores referem que nestas doenças, mais do que a taxa de recidivas (que não apresenta diferenças para com a população geral), é o grau de actividade das doen- ças na altura da concepção, que define o seu curso e as complicações obstétricas(61,238,240), pelo que a gravidez tem de ser planeada para uma fase e remissão(237). Ter uma doença infla- matória intestinal e eventual história de cirurgia constitui forte predictor de desfecho adverso da gravidez (108): a doença de Crohn, caracterizada por uma inflamação intestinal crónica, está muitas vezes associada à má-nutrição, com repercussões importantes nas fases críticas do crescimento e diferenciação fetal. Existe, portanto, um risco acrescido, nas mulheres com doença de Crohn, de terem fetos com RCF(60).

No documento Dissertação de Doutoramento apresentada à (páginas 158-161)