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8. ANEXO

2.5 Petar

2.5.1 Análise da estrutura denominativa do Petar

A região do Petar conta com uma ocupação muito antiga como foi visto anteriormente. Serão analisadas as camadas denominativas, levando-se em conta os aspectos diacrônicos da denominação do Petar.

A primeira camada seria a camada pré-colonial. Não há dados que garantam que esses topônimos sejam, realmente, nomes que já existissem antes da chegada dos europeus à região. Mas, conhecendo a historiografia local, é de se supor que muito dos nomes de rios e acidentes geográficos sejam denominativos autóctones.

Como já visto, a região do Alto Ribeira não era uma região desabitada, apesar de sua conformação geográfica de difícil acesso, há registros arqueológicos que comprovam que a região do vale era uma região de trânsito entre o litoral e o planalto, bem antes da chegada dos europeus. Pressupõe-se que todo o território

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já estivesse totalmente denominado, inclusive a flora e a fauna já eram conhecidas por seus nomes. As populações indígenas mantinham um íntimo convívio com a natureza, suas vidas estavam inteiramente vinculadas ao ambiente natural tanto aos aspectos físicos quanto aos culturais.

Pode-se concluir, portanto, que muitos desses denominativos de origem indígena sejam topônimos remanescentes dessas comunidades que habitavam e ou circulavam a região.

O Peabiru, rota indígena, mitológica, que ligava o litoral ao território andino, em um de seus possíveis percursos passava pelo Petar, na região hoje conhecida como Núcleo Caboclos. Se de fato essa rota existiu, pode-se supor que a região conviveu com várias etnias que poderiam ter deixado registros nos denominativos da região.

A maior parte dos nomes de rios da região é de origem indígena tupi: rio Betary, rio Yporanga, rio Bocó, rio Itacolomy, rio Cachimba, rio Taquari, ribeirão Moquém, rio Nhunguara, rio Xiririca, rio Apiaí Guaçú, rio Taquari Mirim, rio Tijuco, rio Temimina, ribeirão Brejaúva, rio Taquari Guaçú, rio Taquaruvira.

Encontram-se, também, serras com denominativos de origem indígena e esses também podem ser nomes que remetem ao um período pré-colonial: serra de Paranapiacaba, serra Gurutuba e serra Manduri.

As etimologias e a classificação taxionômica serão analisadas no capítulo em que se trata da metodologia.

Palavras como tipiti, coivara etc., de uso frequente ainda hoje na região, podem ser remanescentes dessa época por serem lexias do vocabulário indígena.

A segunda camada estaria relacionada à chegada dos europeus, data do início século XVI. Sabe-se que os primeiros

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exploradores chegaram à região entre 1502 e 1510. Como já mencionado anteriormente, Martim Afonso de Sousa, chefe da primeira expedição colonizadora, chegou ao litoral sul em 1531 e ali encontrou portugueses e espanhóis degradados ou náufragos, entre eles Diogo Álvares Correa, o Caramuru. Portanto, a partir dos primeiros anos dos 1500, a influência da religiosidade começa a aparecer nos denominativos de lugar.

Na região do Petar, há nomes como o Garimpo de Santo Antonio, o primeiro nome de núcleo colonial da região com registro historiográfico datado de 1576. Encontra-se igualmente, topônimos como córrego Santana, rio Santo Antonio, rio São José do Guapiara, ribeirão São Pedro e rio São Sebastião.

A cidade de Iporanga, em seus primórdios, teve, também, agregada a seu nome o nome da padroeira, o que era muito comum na época: Villa de Sant’Ana de Iporanga; Vila de Santo Antonio das Minas de Apiahy, o primeiro denominativo de Apiaí.

A terceira camada seria referente aos denominativos da população que ocupou o território e ali se estabeleceu. O lugar passou a ser vinculado ao nome de seu morador mais antigo. Essa camada solidifica a apropriação do espaço pelo homem, a consolidação do homem ao território. É o brasileiro que surgia dessa mistura do indígena, do português e do negro. A perspectiva agora é a do morador, de quem vive no lugar. Tem-se o bairro dos Camargos, a serra do André Lopes, a serra dos Motas e a serra dos Caboclos.

O mesmo homem que deu seu nome ao lugar também o denominou de acordo com sua percepção do espaço e da natureza: serra dos Macacos, Laje dos Macaquinhos, serra da Anta Gorda, etc. Nota-se que o processo metonímico, a relação de contiguidade explícita na a parte que passa a representar o todo, é

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usado tanto pelos indígenas como pelos não indígenas. A configuração do lugar é descrita levando-se em conta a paisagem local, transformando o papel referencial do topônimo em um índice e/ou ícone. De acordo com a teoria de Pierce, um ícone pode representar seu objeto principalmente por sua similaridade, não importando qual seja seu modo de ser. Já o índice depende de uma associação por contiguidade e não de uma associação por semelhança (PIERCE, 2008).

A quarta camada denominativa do entorno do Petar abrange um período que vai dos anos de 1920 até por volta do início dos anos cinquenta do século passado, quando os primeiros pesquisadores, a maior parte deles estrangeiros, chegaram para explorar a região, em especial as cavernas. Ligados aos órgãos oficiais, tinham o propósito de definir e delimitar as fronteiras na região. Sigismund Ernst Richard Krone e Edmund Krug são os dois pesquisadores que primeiro descreveram a região e seu potencial turístico. Esses exploradores tinham o conhecimento e detinham o controle dos mapas oficialmente. Nomeavam como queriam, muitas vezes não levando em conta os denominativos já estabelecidos na região, criados pela comunidade local ou, mesmo, existentes antes dessas comunidades. Pode-se crer que alguns recortes denominativos significativos no contexto da configuração geográfica possam ter se perdido nessa época.

As cavernas não tinham nomes, os moradores locais não costumavam explorá-las, sendo Krone o primeiro a denominar as cavernas da região do Petar. A Caverna de Santana, denominada por Krone, Caverna do Roncador, em função do nome do rio que passa pela caverna e faz um forte barulho parecido com um ronco, foi descrita por ele, em 1909, e identificada como número 41, em

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uma lista de cavernas conhecidas no estado de São Paulo na época.

Nos final dos anos trinta, por volta de 1939, um grupo de japoneses arrendou o Morro do Ouro, em Apiaí, na região do Petar, para exploração do ouro de forma industrializada, mas, em 1942, as atividades foram encerradas com o início da guerra. Não há registro de que esse grupo de estrangeiros tenha interferido na nomenclatura da região. Fato interessante, pois um grupo poderoso financeiramente, explorando ouro, poderia ter deixado ao menos um denominativo marcando sua passagem pela região, região que na época era ainda pouco explorada e habitada e, portanto, com grande potencial para ações denominativas. Como diz Noberg-Schulz, é preciso ser parte do lugar, descobrir o genius loci da paisagem para interferir e ser parte dela. Provavelmente, esse grupo não se apropriou do ambiente.

A partir da década de 1960 e até o início dos anos oitenta, uma nova camada denominativa é encontradas. Nessa fase, predominou a exploração das cavernas por pesquisadores e estudiosos estrangeiros, em sua maioria franceses, vindos ao Brasil especificamente para explorar as cavernas, os espeleólogos. O grupo de Pierre Martin, o mais significativo dessa época, denominava as cavernas em uma auto-homenagem ou a homenagem aos outros participantes do grupo, não levando em consideração a história da comunidade que ali vivia. Como já ocorrera antes, esse grupo se relacionava apenas com os guias locais que eram os grandes conhecedores da região. Predominou a visão do conquistador no ato de nomear: abismo do Colet, abismo do Philip, abismo do Jandir, gruta do Joaquim Justino etc.

Outro momento dessa fase são os denominativos modificados por interesses políticos e/ou econômicos. O poder público é quem

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nomeia: a gruta da Tapagem passa a ser denominada caverna do Diabo, o nome original estava relacionado ao nome do rio que percorre a caverna e o segundo, atribuído ao secretário de turismo da cidade de Eldorado, tinha como único o objetivo o de atrair turistas. A Gruta do Roncador, uma das mais bonitas do Petar passa a ser chamada caverna Santana. Renomeada pelo prefeito de Iporanga, tinha também o objetivo de atrair turistas ao relacionar o nome da caverna ao nome da santa padroeira de Iporanga. Não se pode negar o papel dos denominativos de lugar na construção midiática, o nome de lugar é um fator decisivo na composição do imaginário geográfico.

As modificações por imposição do poder público foram, também, por motivos turísticos. Por exemplo, o nome Pear que teve o t incluído para abrigar o termo “turístico” ao acrônimo.

Até o início dos anos 1990, os espeleólogos e pesquisadores, ao se referirem ao Petar, diziam Betary, ou vale do Betary. Iam ao rancho do Betary, onde hoje é a pousada da Diva, a mais antiga e conhecida pousada da região do Petar. O nome Petar só se consolidou como referencial do parque quando, de fato, se complementou sua estruturação: quando o parque, com seu potencial turístico, passou a ser conhecido e procurado pelos mais variados grupos com suas diversas motivações.

A Serra dos Motas, hoje Bairro da Serra, possuía um recorte mais detalhado da região, tinha-se a serra dos Motas, o morro dos Macaquinhos e a Laje Branca, delineando o que hoje é conhecido simplesmente por bairro da Serra, como já mostrado no item com o mesmo nome. O recorte detalhado ainda está na memória dos moradores mais antigos. A dinâmica do lugar mudou e a nomenclatura acabou acompanhando essa dinâmica. Os moradores mais novos já não identificam esses pontos no mapa

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local. Uma nova configuração do lugar se constituiu com a toponímia acompanhando esse movimento.

A última camada denominativa aconteceu em meados dos anos de 1970 até os noventa e está relacionada aos jovens universitários que chegaram à região com a finalidade de desenvolver suas pesquisas em geografia, física, antropologia, biologia, arqueologia, etc. Esses jovens pesquisadores tinham uma relação muito próxima com a comunidade local, portanto, o ato denominativo leva em consideração as características do local, respeitando o fazer toponímico da região.

Em 1975, os integrantes do CEU (Centro Universitário), durante a Operação Tatus (experiência de permanência subterrânea e cronobiologia de 15 dias realizada na Caverna de Santana), descobriram o Salão Taqueúpa, ícone de uma rede de galerias denominada Rede Tatus, reconhecida pela variedade e profusão de espeleotemas raros, delicados e de uma beleza invulgar34. O caráter icônico do nome Tatus, um canal múltiplo que interliga várias galeria no interior da caverna, metaforizando os caminhos construídos pelos tatus.

Posterior a essa primeira turma de estudantes pesquisadores, um novo grupo de jovens, nem sempre pesquisadores, muitas vezes apenas a procura de aventura, passou a denominar as cavidades em função de si mesmos, sem vínculo com a comunidade ou com os fatos que referecializavam o entorno. Como exemplo, tem-se a Gruta de Los Três Amigos.

O universo das cavernas ainda está sendo explorado e denominado. Recentemente, um novo salão foi encontrado no interior da caverna Santana e denominado salão Pierre Martin.

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Grupo Pierre Martin de Espeleologia Disponível em http://www.blog.gpme.org.br Acessado em 27 de abril de 2013.

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O mapa toponímico do Petar sofre novas configurações à medida que os moradores, os pesquisadores, os monitores ambientais e, também, os próprios turista vão desenhando e redesenhando novas paisagens no ambiente. Nesse sentido, o topônimo configura a territorialidade por excelência, isto é, o espaço que passa a ser lugar no momento em que é apropriado pelo homem.

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3. Fundamentos Teóricos