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A análise dos dados coletados pelos pesquisadores do eixo temático Ciência da Informação utiliza como base de comparação os resultados alcançados no Projeto Eletromemória 1, quando foi realizado um diagnóstico da situação dos documentos das grandes usinas hidrelétricas construídas nas décadas de 1950 a 1980.

A partir do levantamento dos documentos existentes nas unidades produtivas e nos arquivos das sedes das empresas proprietárias, foi possível identificar o problema da dispersão dos documentos durante a remodelação do sistema, principalmente ao longo da década de 1990 (PAZIN, 2012). Em cada empresa estudada, as soluções encontradas estiveram diretamente relacionadas aos modelos administrativos e à diversidade de unidades existentes por todo o Estado. Além disso, a complexidade da questão da gestão documental nas empresas de infraestrutura de serviços públicos também foi condicionante no movimento de transferência dos documentos entre os diversos proprietários das unidades estudadas.

Ao contrário do que ocorre em outros setores da economia, não regulados, onde a composição e a recomposição das empresas terá uma variedade de possibilidades, nos setores de infraestrutura, regulados de acordo com as concessões de serviços públicos, ao adquirir a concessão, a concessionária recebe também o ônus da prova da ação técnica da unidade produtiva, inclusive nos (às vezes muitos) anos anteriores ao período de concessão propriamente dito, o que se traduz na necessidade de recolher a documentação técnica relativa à produção de energia de longos períodos. Isso significa criar arquivos de grandes dimensões e com prazos de guarda bastante longos, o que interferiu significativamente nas condições de

preservação dos acervos e na política de gestão documental em cada empresa (PAZIN, 2012, p. 253).

Esse é um problema sensível para os arquivos privados. Não havendo regras efetivas para recolhimento e preservação de acervos históricos de origem empresarial, mesmo que de serviços públicos, a gestão permanece sob responsabilidade dos proprietários ou, eventualmente, de entidades que os recebem em doação. Ao tratar dos arquivos privados, Heloísa Bellotto dá uma dimensão do problema.

As questões de recolhimento, sonegação e destruição de papeis apresentam facetas mais complexas quando se trata da área privada. Isso porque atos ligados aos deslocamentos de fundos, aos critérios de avaliação, à proibição de expurgo por leis municipais, estaduais e federais, com validade nas suas respectivas jurisdições, quando o que está em causa são documentos produzidos pelo poder público. No caso dos acervos privados é apenas por sensibilização, por persuasão, por especiais interesses e concessões que certos acervos podem ser resgatados para a pesquisa histórica (BELLOTTO, 2004, p.258).

Embora no caso de arquivos de empresas de concessão de serviços públicos, o Decreto 4.073/2002, que “dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados no que se refere à destinação dos documentos das empresas privatizadas ou em processo de privatização”, tenha identificado como públicos os documentos de empresas privadas que exercem serviços públicos, na prática a ação para efetivo recolhimento e preservação desses documentos permanece sem solução clara.

No caso do projeto de pesquisa em andamento, o acervo documental possui uma abrangência temporal significativamente maior do que ocorria no projeto anterior, pois a idade média das unidades participantes do projeto atual também é maior - todas têm mais de 50 anos e boa parte delas é centenária. Isso é especialmente relevante, considerando as sucessivas alterações na propriedade das unidades produtivas, o que fez com que os documentos transitassem por uma série de empresas e entidades diferentes, ocasionando considerável perda. Nesse ponto, o problema da dispersão e as dificuldades de preservação demonstram a importância de se realizarem projetos de pesquisa dessa natureza visando levar ao conhecimento da sociedade a existência desses arquivos, de modo a lançar luz sobre as potencialidades de pesquisa e necessidades de preservação.

Por outro lado, a abrangência geográfica do projeto, representada pela seleção de unidades produtivas localizadas em diferentes regiões do Estado, possibilita o estudo comparativo das condições dos acervos documentais em condições geográficas e de desenvolvimento econômico e social diversos.

Durante as primeiras expedições de levantamento de dados, percebemos que, assim como no projeto anterior, há documentos dispersos entre diversas unidades. No caso da EMAE, parte da documentação de valor histórico das usinas provenientes da antiga Light, antecessora da empresa, foi doada para a Fundação Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento, em 1998, durante o processo de desestatização das empresas de energia de São Paulo. Além desse conjunto, um grande volume de documentos, principalmente plantas e desenhos técnicos, relativos às atividades das unidades produtivas desde sua implantação continua nos arquivos das empresas, muitas vezes sem tratamento arquivístico adequado.

Em outros casos, como a CPFL, em que a documentação permaneceu na empresa, vem sendo realizado o diagnóstico e o mapeamento do acervo existente, o que permite identificar a complementaridade dos documentos nos arquivos e a ocorrência ou não de processos de gestão documental.

Há outras situações em que a transição entre diversos proprietários (privados e públicos) e as mudanças técnicas ocorridas durante a existência da unidade propiciaram o desaparecimento de parcela significativa da documentação. Várias unidades produtivas estudadas tiveram uma história marcada por mudanças administrativas, ao passar da propriedade de empresas privadas de geração de energia para empresas de outras atividades econômicas e até mesmo para prefeituras, de acordo com as condições e interesses econômicos de cada período.

Nesse sucessivo processo de transmissão de propriedade e consequente dispersão dos documentos, ocasionada também pelo tempo decorrido desde a produção documental, um dos grandes desafios deste eixo temático é identificar a existência de documentos nos arquivos dos diversos proprietários, organizar e registrar as informações sobre o conteúdo, as condições de preservação e a possibilidade de acesso para pesquisa.

Além das questões formais, o levantamento documental em curso tem subsidiado a discussão sobre a produção documental arquivística do setor elétrico paulista do ponto de vista de sua inserção no conceito de patrimônio industrial. Definido pela Comissão Internacional para a Conservação do Patrimônio Industrial, na Carta de Nizhny, em 2003,

O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de tratamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infraestruturas, assim como os locais onde se desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação (TICCIH, 2003)

Na abordagem proposta nesta pesquisa, embora a documentação arquivística não esteja explicitamente presente na definição do TICCIH, consideramos que o conjunto dos documentos produzidos e acumulados no desempenho das atividades relativas à produção das unidades, deva ser tratado como parte integrante de seu patrimônio industrial. Isso se justifica pela característica intrínseca dos documentos de arquivo como testemunho das ações realizadas em cada unidade participante do projeto.

Estudos específicos sobre o patrimônio industrial necessitam de fontes de pesquisa em que se apoiem, como documentos históricos, registros fotográficos, registros de depoimentos de pessoas que vivenciaram, ao menos em parte, as vida do bem estudado.

Os documentos produzidos ou acumulados fornecem informações relevantes para o estudo de aspectos técnicos e administrativos, e contribuem para a decodificação de parte dos demais aspectos estudados no projeto. A existência de documentos técnicos, especialmente projetos e desenhos, possibilitará à equipe de pesquisadores identificar os remanescentes de cultura material de maneira mais consistente.

Seu estudo permitirá identificar e compreender as funções originais de edificações e equipamentos remanescentes, explicitando em que condições a preservação da edificação manteve-se fiel ou não a essas funções. Isso possibilita a análise do percurso cumprido por aquela unidade produtiva dentro de conceitos adequados, tanto do ponto de vista das funções originais quanto do ponto de vista da museologia.

Outro ponto importante, que impacta diretamente a pesquisa relatada acima, é a questão do caráter orgânico da documentação arquivística. A dispersão do acervo entre diversas entidades retira cada documento de seu contexto de produção e prejudica a compreensão do pesquisador sobre os motivos de criação do documento e sobre as funções desempenhadas por ele. Se a dispersão dos fundos é muitas vezes incontornável por questões administrativas ela deve ser, tanto quanto possível, revertida na fase permanente da documentação, mesmo que por meios indiretos, utilizando-se as ferramentas disponíveis. A recomposição da organicidade existente na produção documental permite assegurar o valor de patrimônio cultural dos documentos arquivísticos de valor permanente (BELLOTTO, 2004, p.170).

Essa recomposição, embora não seja viável do ponto de vista físico, pode ser realizada virtualmente com a elaboração do Inventário do Patrimônio Industrial da Energia Hidrelétrica. Ao associarem-se os dados levantados em cada unidade, na pesquisa documental ou empírica, à pesquisa comparativa, será possível fornecer ao pesquisador um instrumento completo, do

ponto de vista da reunião de referências técnicas e documentais sobre cada unidade produtiva participante do projeto.

Por outro lado, o estudo do acervo documental integrado ao acervo patrimonial amplia a possibilidade de formulação de hipóteses de atuação na gestão desses acervos, de modo a garantir a preservação futura tanto dos documentos remanescentes, quanto das próprias edificações a que se referem.

No caso das unidades que ainda estão em operação e que, por isso, produzem documentos regularmente, ao integrar documentos passados e presentes, a manutenção da lógica interna dos conjuntos documentais é um mecanismo mais eficiente de preservação do histórico da unidade ao longo de sua vida produtiva.

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