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O objetivo deste trabalho, como já apresentamos, é mostrar que, na linguagem falada por crianças de 2–6 anos, no município de Criciúma/SC, o futuro é expresso, variavelmente, pela perífrase IR + INFINITIVO e pelo presente do indicativo, evidenciando-se, nos dados coletados para esta pesquisa, apenas um dado do futuro do presente.

Apresentamos, abaixo, o quadro 01, que fornece a distribuição por sexo e idade:

Quadro 01: Número de informantes por sexo e idade.

Sexo 02 a 04 anos 05 a 06 anos

M 1 4

F 1 4

Logo abaixo, a tabela 1 mostra os resultados obtidos para cada variante isolada.

Tabela 01: Número de dados da forma perifrástica, do presente do indicativo e do futuro do presente na expressão de futuro por crianças criciumenses de 2–6 anos.

Variantes Número de dados Porcentagem

Forma perifrástica 459 87%

Presente do indicativo 71 13%

Futuro do presente 1 -

A primeira constatação que se pode fazer é que as formas do futuro do presente não aparecem na língua falada pelas crianças da cidade de Criciúma-SC, portanto, há um indício de que essa forma desaparecerá, cedendo seu lugar à perífrase, mas isso é apenas uma hipótese, pois precisaríamos de um estudo longitudinal para a comprovação do mesmo.

Como a incidência dos dados no futuro do presente foi mínima, já não é possível afirmar que o mesmo está em variação com o presente do indicativo e com a forma perifrástica, na fala de crianças criciumenses. Portanto, nossa variável passou a ser binária. Outras formas apareceram, mas não em número significativo, portanto não foram analisadas, como: verbos no infinitivo e presente progressivo, o que, além de dificultar as rodadas estatísticas, comprometeria a análise por tais formas serem relativas, expressarem tempo relativo (conforme Comrie, 1990).

Dos grupos de fatores explicitados anteriormente, apenas a modalidade se mostrou significativa para a rodada estatística no programa VARBRUL, conforme tabela abaixo:

Tabela 02 – Modalidade e uso da perífrase em dados de crianças de 2-6 anos na cidade de Criciúma – SC.

Fatores Aplic. / Nº de dados % Peso Relativo

+ certeza 388/458 85 0,41

- certeza 71/72 99 0,90

Dos 458 dados de perífrase, 388 foram usadas em contexto de mais certeza e setenta e um em contexto de menos certeza. Apesar da diferença dos números, o peso relativo do uso de perífrases, em contextos de menos certeza, é de (0,90), o que significa que crianças usam muito mais perífrases nesses contextos, do que em contextos de mais certeza; essa atitude do falante indica um julgamento fracamente declarado como possível ou provável.

O grupo Seqüencialidade mostrou-se, estatisticamente, não-significativo em dados de crianças, por isso apresentamos apenas os resultados percentuais:

Tabela 03 – Seqüencialidade e uso da perífrase em dados de crianças de 2-6 anos no município de Criciúma – SC.

Fatores Aplic. / Nº de dados %

Seqüencialidade 441/511 86

Contra-seqüencialidade 18/19 95

Total 459/530 87

Assim, também, mostraram-se não-significativos, em dados de crianças, na rodada estatística, os fatores extralingüísticos: sexo e idade, conforme ilustram as tabelas (4) e (5) a seguir:

Tabela 04 – Sexo e uso da perífrase em dados de crianças de 2-6 anos no município de Criciúma – SC.

Fatores Aplic. / Nº de dados %

Feminino 246/284 87

Masculino 213/246 87

Total 459/530 87

Tabela 05 - Idade e uso da perífrase em dados de crianças de 2-6 anos no município de Criciúma – SC.

Fatores Aplic. / Nº de dados %

2-4 anos 334/381 88

5-6 anos 125/149 84

Total 459/530 87

Como só o fator modalidade foi, estatisticamente, significativo na escolha de uma ou de outra forma, analisamos o contexto semântico-discursivo em que essa se encontra.

Quando o enunciado apresenta, prototipicamente, os conectores: agora, depois,

(4) Agora eu vou fazer o Sol. (SC CRI 50 MC)

(5) Depois a gente terminar, a gente vamos passear lá na frente. (SC CRI 55 FC)

(6) Tu disse que amanhã a gente vamos entrar na folha. Não dá, né? De entrar. (SC CRI 55 FC)

(7) Mas hoje, eu vô bincá de canuquinha (sinuca). (H. 4;4.16)

Em contextos de menos certeza, evidenciamos formas lingüísticas tais como: a) o conector se; b) expressões como acho que, que que eu vou + infinitivo, como que

eu vou + infinitivo, e c) a confirmação né e tá, em perguntas. Seguem exemplos

ilustrativos:

(8) Vou ver se eu consigo fazer mais um. (SC CRI 50 MC)

(9) Eu acho que eu vou botar de pé. (SC CRI 55 FC)

(10) O que que eu vou fazer agora? (SC CRI 51 MC)

(11) Como que eu vô terminá uma peça? (H. 4;11.10)

(13) Tá! Vô pegá minha (inint.) do livo. Tá, mãe? Tá? (M. 2;4.9)

O fato de crianças de 2-6 anos usarem com mais freqüência, ou quase que exclusivamente, perífrases ou presente do indicativo em vez do futuro do presente, para expressão de futuro, leva-nos a pensar que há uma mudança em curso.

A pesquisa realizada por Gibbon (2000) obteve um total de setecentos e quarenta e três (743) formas variantes de futuro, das quais 453 dados apareceram na forma perifrástica (61%), 280 dados no presente do indicativo (38%) e apenas 10 dados no futuro do presente (1%). Como podemos observar, através dos nossos resultados em comparação com os da autora, na fala de adultos, na cidade de Florianópolis – SC, a forma perifrástica está, também, concorrendo mais acentuadamente. Considere-se a tabela 06 abaixo:

Tabela 06 - Comparação entre variantes na expressão do Tempo futuro em Criciúma/SC x Florianópolis/SC

Expressão de Futuro

Criciúma/SC Expressão de Futuro Florianópolis/SC

Vou + infinitivo – 87% Vou + infinitivo – 61%

Presente do indicativo – 13% Presente do indicativo – 38% Futuro do Presente – - Futuro do presente – 1%

Vale a pena ressaltar que, nos dados de Criciúma – SC, apenas um (1) dado foi encontrado como futuro do presente, não sendo significativo em percentuais, por isso desconsiderado na tabela acima.

Nossas pesquisas mostram que a forma futuro do presente está definitivamente perdendo espaço para a forma inovadora: a forma perifrástica, o que é um indicativo de mudança lingüística em curso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando-se, então, a pesquisa realizada até aqui, podemos concluir que a forma perifrástica vem encontrando, realmente, lugar de destaque na língua falada por crianças na região de Criciúma-SC, e que vem concorrendo mais fortemente com o presente do indicativo do que com o futuro do presente (evidenciado em apenas um dado).

A forma inovadora, perífrase, é condicionada por fatores semântico-discursivos conforme a intenção do falante. Como comprovamos na rodada estatística, a modalidade influencia na escolha de uma ou de outra forma para expressar o futuro no Português do Brasil e a perífrase IR + infinitivo é a preferida para codificar tal função, uma vez que aparece em quase todos os contextos de futuridade, favorecida por um contexto de menos certeza na expressão do fato.

Em comparação à pesquisa de Gibbon (2000), os dados mostram-nos que tanto as crianças como os mais jovens usam mais a perífrase do que pessoas de mais idade, o que comprova nossa hipótese de que a forma perifrástica é a mais usada na língua falada tanto em Criciúma como em Florianópolis, evidenciando uma mudança em tempo aparente (conforme denominação laboviana - Labov, 1994).

Em relação à mudança lingüística, como sugestão para pesquisas futuras, destacamos a utilização de dados diacrônicos para que se ateste a mudança lingüística e o surgimento da forma perifrástica em detrimento da forma futuro do presente, aprofundando, por conseguinte, a discussão em torno do tempo, do aspecto e da modalidade.

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