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1 - Aquisição da Linguagem

Antes de serem capazes de somar 2+2, as crianças ligam frases, fazem perguntas, selecionam os pronomes adequados, negam frases, usando regras sintáticas, fonológicas, morfológicas e semânticas. No entanto, ao contrário da aritmética, a língua não se ensina às crianças. (Fromkin, 1993).

A língua é adquirida por fases sucessivas e cada vez mais se aproxima da gramática do adulto. Conforme Fromkin (1993), essas fases são muito semelhantes em todo o mundo. A primeira fase é do balbucio, nessa fase, são adquiridos os sons da fala que começam, geralmente, por volta do sexto mês. Passando para a fase holofrástica (mais ou menos com um ano), as crianças começam a usar repetidamente o mesmo som para “significar” a mesma coisa e produzem as suas primeiras palavras, isso mostra como uma criança pode alargar o significado de uma palavra para abranger uma classe mais ampla, além de expressar uma variedade de idéias, emoções e conhecimento social.

A fase de duas palavras, também chamada de telegráfica, começa por volta do segundo aniversário, formando verdadeiras frases. Nessa fase, não há marcas sintáticas ou morfológicas, isto é, não há flexão de número, nem de pessoa, nem de tempo etc. Depois dessa fase (2;3 a 3;5 mais ou menos), à medida que adquirem cada vez mais linguagem, cada vez mais se aproximam da gramática do adulto, ampliando a capacidade lingüística.

Segundo Piaget (apud Mussalim & Bentes, 2001, p. 210), a aquisição da linguagem depende do desenvolvimento da inteligência na criança, chamada de cognitivismo construtivista ou epigenético14, segundo o qual o aparecimento da linguagem se dá na superação do estágio sensório-motor, por volta dos 18 meses. Neste estágio, dá-se o desenvolvimento da função simbólica (significado/significante) e o desenvolvimento da representação (memória). Essas duas funções estão estreitamente ligadas ao que Piaget chama de “egocentrismo radical”, ou seja, a indiferenciação cognitiva entre o sujeito e o mundo ou pessoas que o cercam. A essas duas funções estão relacionados três processos: i o da descentralização das ações

(sujeito e objeto; eu e o outro; eu e o mundo); ii o da coordenação gradual das ações

(passam a se coordenar para constituir uma conexão entre meios e fins, ou seja, passam a interagir com o outro ou com o objeto); iii o da permanência do objeto (o

objeto está no espaço perceptual da criança).

Por meio desses três processos é possível exercer o princípio de arbitrariedade do signo, ou por assim dizer, fazer uso efetivo do símbolo. Com a linguagem, o jogo simbólico, a imagem mental, as sucessivas coordenações entre as ações e entre estas e o sujeito, surge a possibilidade de internalizar e conceptualizar as ações. (Mussulim & Bentes, 2001)

Aliado à teoria de Piaget, Vygotsky (apud M. & B., 2001) propõe que, com a ajuda da fala, a criança começa a controlar o ambiente e o próprio comportamento, e entende que o processo de internalização é como uma reconstrução interna de uma

14 Estas duas denominações evocam a proposta de explicação da origem e do desenvolvimento das

operação externa, mas que deve ser mediada pelo outro, já que o sucesso da internalização vai depender da reação de outras pessoas.

As primeiras funções, quer lingüísticas, quer comunicativas, têm um papel na determinação das funções gramaticais de agente/ação/paciente, responsáveis, segundo modelos funcionalistas de gramática, pelos sistemas de transitividade nas línguas. Já noções de ação completa ou realizada vs ação não-completada, que serão responsáveis pela marcação de tempo e de aspecto nas línguas, seriam instauradas em esquemas interativos15.

2 - Desenvolvimento do Sistema Temporal

Weist (1986) propõe que crianças desenvolvem uma capacidade cada vez mais complexa de configuração do tempo, passando por quatro etapas de aquisição temporal baseada nos momentos: da situação, da referência e da fala propostos por Reichenbach (1947). A primeira etapa é chamada de sistema do tempo de fala (MF) – o aqui e agora; a segunda, sistema do momento do evento (MS), caracterizada pela capacidade que tem a criança de relatar eventos anteriores, simultâneos ou posteriores ao momento da fala. A transição para o sistema de tempo de referência (MR), terceira etapa, dá-se, primeiramente, de modo mais restrito ao contexto; e, finalmente, MF, MS e MR podem representar três diferentes pontos no tempo e podem ser relacionados livremente.

15 Uma crítica pertinente a esta visão, como a outros tipos de interacionismo, pode ser encontrada em Lemos (1992), que frisa a falta de explicação sobre a origem do que é lingüístico propriamente.

Weist (1986) afirma que quando crianças usam verbos com sentido de futuro é porque se apropriaram do valor do tempo, e quando formas de futuro aparecem, estas estão divididas entre futuro simples perfectivo e o futuro complexo nas formas imperfectivas.

Por volta dos três anos, a criança já é capaz de fazer distinção lingüística para expressar um ponto de referência entre situação (MS) e fala. Conforme Coan (2003), essa capacidade lingüística é evidência do desenvolvimento conceptual e indica que a criança adquiriu a propriedade de deslocamento temporal, o que mostra a capacidade de descentralização em relação ao momento de fala. Considere-se o exemplo:

(1) Vô pegá a sacolinha. Dexa o pente aqui, eu vô jogá uma bola di

mininu, ô Tinho. (M. 2;4.29)

————MF, MR1————MS1/MR2 —————MS2—————•

vô pegá vô jogá

Em (1), a primeira ação está deslocada à direita do MF e tem sua referência junto ao MF, já a segunda ação MS2 tem seu ponto de referência no

MS1, ou seja, na primeira ação e é posterior a primeira ação MS1.

Para entendermos melhor como as crianças usam a expressão de futuro na fala, faremos a análise dos dados coletados até o momento, para evidenciarmos a variação lingüística que está ocorrendo na língua e quais são os fatores influenciadores do uso de uma ou de outra forma.

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